270 pessoas morreram no desabamento da barragem da mineradora; sentimento de familiares é de impunidade já que até agora, ninguém foi responsabilizado
As buscas dos Bombeiros de Minas Gerais por vítimas em Brumadinho completam mil dias nesta quinta-feira (21). A operação de buscas foi a maior já realizada na história do país. Oito corpos permanecem desaparecidos em meio à lama da Vale.
Os rejeitos da mineradora mataram 270 pessoas e até hoje ninguém está preso.
Mesmo após 2 anos e 8 meses, muitas famílias ainda têm o sentimento de impunidade, já que ninguém foi responsabilizado pelo rompimento da barragem, nem mesmo as duas empresas responsável, a Vale e a TÜV SÜD, que havia sido responsável pelo laudo que garantia que a barragem era segura.
Nesta semana, os familiares foram surpreendidos por uma determinação do Superior Tribunal de Justiça, que anulou a decisão da Justiça de Minas Gerais que já havia aceitado a denúncia e tornado réus os 16 funcionários da Vale e da TUV SUD, empresa que atestou a estabilidade da barragem.
Alegando se tratar de um assunto de interesse da União, o STJ decidiu que a competência de julgar o caso é da Justiça Federal, em Minas Gerais.
Com a decisão do STJ, o processo criminal volta praticamente à estaca zero, pois todos os denunciados deixam de ser réus. O Ministério Público de Minas garantiu que vai recorrer da decisão.
Ao menos três entidades e associações, que representam os atingidos, repudiaram a atitude da corte.
“São mil dias de dor, de saudade, de luta, de busca… de impunidade”, diz a geógrafa Alexandra Andrade, presidente da associação dos familiares das vítimas. Ela perdeu o irmão, Sandro Andrade, e o primo, Marlon Gonçalves, além de inúmeros amigos e conhecidos no rompimento da barragem.
“Quase três anos da ‘tragédia-crime’, quase três anos também de impunidade, ninguém preso, ninguém punido. A gente quer que as empresas sejam responsabilizadas e que as pessoas que contribuíram para o rompimento da barragem também sejam punidas”, disse em entrevista ao portal g1.
“Apesar de terem se passado mil dias, a gente ainda está com aquela sensação de estar lá no dia 25 de janeiro de 2019. (…) A dor e a saudade só aumentam, mas a gente tem a esperança de que pelo menos todos vão poder ter um enterro digno dentro da possibilidade. Então isso é um acalento”, diz a professora Natália de Oliveira.
Nesses mil dias, ela tem acompanhado de perto o trabalho do Corpo de Bombeiros na procura pela irmã, Lecilda de Oliveira, e pelas outras vítimas desaparecidas.
Diretor do Instituto Camila e Luiz Taliberti, criado em homenagem às duas vítimas que morreram no rompimento, Vagner Diniz, reforça a indignação com a decisão. “Nós ficamos bastante surpresos com a decisão do Superior Tribunal de Justiça. Nós estamos sofrendo, e essa decisão aumenta o nosso sofrimento”, afirmou.
O Movimento dos Atingidos por Barragens classificou a decisão do Tribunal como “presente Macabro”. Insatisfeitos com a decisão, os atingidos realizaram uma manifestação na manhã desta quinta-feira (21) em frente ao prédio da Justiça Federal, na Região Centro Sul de Belo Horizonte.
“O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) denuncia que a decisão do STJ contribui para a impunidade das empresas envolvidas, especialmente da Vale S/A em relação as 272 mortes. Além disso, incentiva novos crimes, adoece os atingidos e posterga a reparação dos demais prejuízos aos moradores da Bacia do Paraopeba e ao meio ambiente. O que parece é que as empresas são mais fortes e mais poderosas que a justiça no Brasil”, destaca a entidade.
Segundo o MAB, “apesar da comprovação de diversas falcatruas na documentação de estabilidade da barragem e das obras temerárias que precipitaram o rompimento, o poder econômico e político se transforma em poder jurídico e assegura impunidade”.
A entidade relembra ainda a reincidência criminosa da empresas privatizada, que já foi responsável, junto à anglo-americana BHP, pelo rompimento da barragem de Mariana. “Os atingidos são vítimas de injustiça federal. A experiência do Rio Doce, conduzida pela Justiça Federal, também apontam para impunidade e negação de direitos. Passados 6 anos das 19 vidas perdidas e um aborto forçado, da morte do Rio Doce e dos inúmeros crimes cometidos contra a população da Bacia, nenhuma prisão aconteceu e a reparação não chegou”.
“O povo de Brumadinho deve ter o direito de acompanhar o julgamento dos crimes da Vale, deve ter o direito de ver julgados os responsáveis pelas 272 mortes no Tribunal do Juri, instrumento da cidadania e do exercício da democracia, na justiça estadual daquela cidade”, defende o MAB.
O crime
No dia 25 de janeiro de 2019m, a barragem da mineradora privatizada Vale se rompeu na cidade do interior de Minas Gerais, Brumadinho. O rompimento na mina Córrego do Feijão aconteceu às 12h28 de uma sexta-feira e causou danos humanitários e ambientais irreversíveis.
O crime da Vale garantiu ao Brasil o posto de país com maior número de óbitos nesse tipo de acidente e marcou a história como a maior operação de busca em território nacional. Oito pessoas seguem desaparecidas.
A barragem, considerada pela empresa como de baixo risco, foi construída no modelo de alteamento de montante, o mesmo usado na barragem de Mariana, que é considerado pelos estudiosos como o mais precário de todos.
Inquérito da Polícia Federal concluiu que as perfurações executadas pela mineradora Vale, com o uso de uma perfuratriz com injeção de água na estrutura da barragem causou o rompimento da estrutura. De acordo com a investigação, as perfurações executadas pela mineradora foram iniciadas no local crítico cinco dias antes da estrutura se romper. Esse também foi o gatilho para a ocorrência do processo de liquefação da barragem que, nada mais é que a transformação do material sólido em material líquido, aumentando a instabilidade da estrutura.
De acordo com o MP-MG e a Polícia Civil, com a conclusão das investigações, ficou demonstrada a existência de uma promíscua relação entre as duas corporações denunciadas, no sentido de esconder do Poder Público, sociedade, acionistas e investidores a inaceitável situação de segurança de várias das barragens de mineração mantidas pela Vale. Para o MP, a Vale possuía “um profundo e amplo conhecimento” sobre a situação da barragem.
“Com o apoio da Tüv Süd, a Vale operava uma caixa-preta com o objetivo de manter uma falsa imagem de segurança da empresa de mineração, que buscava, a qualquer custo, evitar impactos a sua reputação e, consequentemente, alcançar a liderança mundial em valor de mercado”, diz o documento que pediu o indiciamento dos executivos da mineradora.
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