O Brasil contabiliza há mais de dois meses, mais de mil mortes por coronavírus diariamente.
O número oficial – 100.477 (cem mil quatrocentos e setenta e sete) óbitos, de acordo com o relatório do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), é superior a qualquer conflito armado que o país tenha enfrentado.
Cem mil brasileiros perderam a sua vida graças ao desprezo e a sabotagem ao combate à Covid-19 realizada por Bolsonaro
Durante estes cinco meses de pandemia no país, Bolsonaro jamais, nem por um instante, adotou postura ou medidas sérias para que não perdêssemos 100 mil brasileiros. E a conta continua subindo.
Nesta semana, na última quinta-feira (6), às vésperas da horrível marca de 100 mil mortes, Bolsonaro escancarou, mais uma vez, seu total desrespeito pela vida das pessoas e minimizou a tragédia de dezenas de milhares da famílias brasileiras que perderam seus entes queridos para o coronavírus.
“O que nós podemos fazer nesta situação? Não tem remédio e não tem vacina. Lamentavelmente, as pessoas que não se isolarem, até chegar a vacina, uma vez contraído o vírus, vai ter uma chance grande de se complicar e, até mesmo, entrar em óbito”, desdenhou.
“Tem bem menos gente morrendo de outras doenças do que no ano passado. Isso vai sendo creditado para o Covid. O elemento tem três, quatro, cinco comorbidades, até doze… A gente lamenta todas as mortes, vamos chegar a 100 mil, mas vamos tocar a vida e se safar desse problema”, disse o presidente, durante sua live no Facebook, ao lado do ministro interino da Saúde, o general especialista em logística Eduardo Pazuello.
LUTO
Enquanto Bolsonaro quer ‘se safar’ da responsabilidade que tem com a morte de 100 mil brasileiros pela sua negligência durante toda a pandemia até aqui. Outros poderes no país dão uma mostra de humanidade neste momento tão triste e horroroso da nossa história.
Na tarde deste sábado (8), presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, decretou luto oficial de quatro dias por conta das mortes pela pandemia. O anúncio foi feito pelo Twitter do senador.
“Hoje (8/08/2020) é um dos dias mais tristes da nossa história recente. O Brasil registra 100 mil vidas perdidas para a covid-19. O Congresso Nacional decreta luto oficial de 4 dias em solidariedade a todos os brasileiros afetados pela pandemia e às vítimas desta tragédia”.
O Supremo Tribunal Federal decretou luto oficial de três dias. O presidente do STF, ministro Dias Tofolli divulgou uma nota onde diz que “somos uma nação enlutada, que sofre pela perda de familiares, amigos e pessoas do nosso convívio social”.
O ministro manifestou “sentimentos de profunda tristeza e solidariedade aos familiares e aos amigos de cada uma das 100 mil vítimas. Em solidariedade à dor de inúmeros brasileiros e em homenagem a cada uma das l00 mil vítimas, o Supremo Tribunal Federal decreta luto oficial de três dias”.
TRABALHO
Bolsonaro tenta a todo custo se eximir da culpa e ainda fala como se não tivéssemos saída, que morreram 100 mil, “mas fizemos o que podíamos e o resto são fatalidades da vida”. Não é verdade.
Não fizemos até agora o que era preciso e fundamentalmente por culpa dele, que durante esses cinco meses preferiu passear de jet sky, convocar atos golpistas contra o Congresso Nacional e o Supremo, promover aglomerações, passeios à cavalo… Enfim, “tocando a vida”.
Estamos enfrentando a pior crise sanitária do mundo em mais de 100 anos, sem que o Brasil tenha um ministro da Saúde, única e exclusivamente porque assim deseja Bolsonaro.
Os médicos Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich foram demitidos por não aceitarem encher os doentes de cloroquina, como queria Bolsonaro contra todas as pesquisas e cientistas no mundo. E desde então, estamos sem um líder na pasta. O ministro interino não sabe nem a diferença entre hemisfério norte e hemisfério sul.
“O aumento no número de casos é espantoso. Mesmo que o Brasil tenha saído atrás de muitos países em relação à doença, hoje, certamente, somos o que tem maior velocidade de expansão da Covid-19 no mundo”, disse ao HP o reitor da Universidade Federal de Pelotas, Pedro Hallal, coordenador de um dos maiores estudos epidemiológicos do mundo sobre o novo coronavírus.
O que é visível pelos 3.012.412 (três milhões, doze mil e quatrocentos e doze) casos diagnosticados da doença no país, em cinco meses. Isso sem falar naqueles que não foram realizados exames, que segundo o estudo da UFPel, podem ser seis vezes maior. Além de óbitos, também em número de casos, o Brasil só está atrás dos Estados Unidos.
Sem a ação coordenada do governo federal para combater a Covid-19, o país nunca fez o isolamento social direito, nem o sistema de Saúde se preparou como deveria.
A criação de novos leitos ficou a cargo dos governos estaduais. Bolsonaro pouco distribuiu recursos para os estados se prepararem, mas apenas ter mais UTIs disponíveis não é suficiente. É preciso de insumos para manter essas unidades funcionando e até eles ficaram em falta com a ação desgovernada de Bolsonaro.
BUSCA
Além dos hospitais, a questão chave para o Brasil declinar a quantidade pessoas que morrem diariamente no país é a busca e o rastreio dos casos.
“Para enfrentar esse quadro necessitamos de dois instrumentos. Um que é a inteligência epidemiológica para poder fazer o combate no terreno, com os instrumentos que a saúde pública tem, e precisamos também da inteligência geográfica porque precisa localizar, principalmente num país grande como o Brasil. Tem que correr atrás, identificar onde é que está. Tem que ter informação suficiente para isso”, afirmou o PhD em Epidemiologia, médico-sanitarista Eduardo Costa.
“Tem que fazer um trabalho epidemiológico que não foi feito. Isso a gente chama de vigilância epidemiológica, que é uma informação para a ação, que é o isolamento das pessoas que tenham contato. Para isso não foi feito um planejamento. O SUS tem capacidade para trabalhar com vigilância epidemiológica, mas não ativou isso. Pelo contrário, mandavam as pessoas para casa, simplesmente, quando era doença leve , nem notificava de cara, era suspeito, não confirmavam. Voltavam para casa e continuava a transmissão. Se ele era grave, ia para o hospital. Essa é a mudança que tem que ter”, explicou Eduardo Costa.
Primeiro, identifica os casos, busca por eles, e não somente espera que os casos graves cheguem até o hospital. A ideia aqui é o estado chegar até os casos, até porque, como podemos ver, quanto mais deixamos para os casos buscarem o poder público, mais óbitos temos.
Depois se rastreia os contatos de cada um dos infectados. Familiares, amigos, colegas de trabalho e aí isolar essas pessoas, em quarentena, para frear a transmissão.
O objetivo é quebrar a cadeia de transmissão, mas você deve estar se perguntando como? Com a ação coordenada nacionalmente, usando o serviço de atenção básica a saúde que está presente em todo Brasil pelo SUS.
“Esses três passos, identificar os casos, rastrear os contatos e isolar os infectados pode ser feito pela atenção básica. A atenção básica pode proporcionar isso. Ela pode proporcionar o acompanhamento dos casos. Nós estamos falando de 42,4 mil unidades básicas de saúde. Praticamente todos os municípios do Brasil têm atenção básica. São 35 mil equipes de saúde da família com uma cobertura de 70% da população brasileira. O SUS tem uma equipe de 300 mil agentes comunitários. Essa força que é a força principal do SUS não entrou em campo ainda. Não entrou com o apoio e o planejamento necessários porque tem muita gente brigando como verdadeiros heróis na atenção básica, lutando contra a pandemia. Esta ação não está sendo o principal elemento para impedir que a pandemia se desenvolva”, explicou o doutor em Saúde Pública e professor do Programa de Pós Graduação da Escola Superior em Ciências da Saúde do Distrito Federal, Roberto Bittencourt.
PLANO NACIONAL
A pesquisadora Gabriela Lotta é professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e escreveu com em conjunto com pesquisadores da Fiocruz, da Universidade de York e London School of Economics um artigo para a revista The Lancet – uma das principais revistas científicas do mundo -, alertando para a negligência com que governo federal tratou os agentes comunitários de saúde e o papel que eles podem desenvolver na pandemia da Covid-19.
Segundo ela, “já em março, pesquisadores do Imperial College London apontaram o Brasil como forte candidato a dar uma boa resposta à pandemia. De acordo com eles, o enfrentamento com base nas ações, estrutura e na capilaridade dos agentes comunitários poderia servir de exemplo para outros países. Mas não foi o que aconteceu. Não houve um plano nacional e os agentes comunitários só passaram a ser considerados trabalhadores essenciais para o controle da doença agora em julho. Como nem sequer eram considerados profissionais de saúde, não receberam equipamento de proteção individual, para citar um exemplo”, afirmou Gabriela que também é pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela FAPESP.
A situação atual só não é pior graças ao trabalho desenvolvido pelas autoridades estaduais (governadores, secretários estaduais de Saúde,), municipais (prefeitos, secretários municipais de Saúde, etc), pelas universidades públicas, pelos pesquisadores, cientistas, médicos e demais profissionais de saúde e pelo povo brasileiro. Temos certeza de que será este povo o responsável por vencermos esta batalha.
MAÍRA CAMPOS