Reunida com ministros e lideranças saarauís, delegação de vários países visita o território cedido pela Argélia onde se encontram os cinco acampamentos de refugiados que lutam contra a opressão do Marrocos
Desembarcamos em Tindouf, capital da província homônima, no sudoeste da Argélia. Passaportes revisados pela polícia argelina, que os retêm. Preenchemos a ficha de entrada no território saarauí e aguardamos as bagagens saírem. De malas em punho, seguimos para uma caminhonete antiga. Somos quatro brasileiros e o motorista.
Seguimos escoltados por uma viatura argelina, atravessamos a cidade e, em mais ou menos meia hora, chegamos a outro posto de fronteira. Desta vez entramos em território sob a governança da República Árabe Saarauí Democrática (RASD). A polícia argelina devolve nossos passaportes naquela estranha zona fronteiriça, ao mesmo tempo dentro e fora de sua jurisdição.
A vista do acampamento impressiona pela ausência de árvores, a secura da paisagem, a simplicidade das construções, as tendas de lona presas por cordas. Tudo ocre.
Somos três hóspedes na casa de Fátima, Chej e seus seis filhos. O café da manhã tão variado – salada, um ovo frito para cada convidado, café solúvel, leite em pó, água e suco industrializado – nos recorda que a insegurança alimentar é um dos mais graves problemas enfrentados por este povo, que luta de forma tão altiva pelo direito ao seu território.
A cerimônia do chá é muito interessante. O chá verde vai sendo despejado de um copinho a outro, para que se forme uma espuminha. Um raminho de hortelã é usado como colher para mexer o chá. Dá sabor, perfume e um toque de frescor. A bandeja do chá tem dois bules, um fogareiro à carvão. Vai água de um a outro bule, bule pra brasa, o chá pro bule, do bule pro copinho, de copinho pra copinho.
A preparação da bebida, que será compartilhada, é de enorme delicadeza.
No mesmo dia fomos recebidos, os oito integrantes da caravana, pela ministra de Assuntos das Mulheres, depois pelo secretário executivo do Ministério da Saúde, saudamos um encontro da Federação Sindical com sindicalistas portugueses. Entre as categorias presentes, advogados, médicos, psicólogos, servidores púbicos, professores. A solidariedade se materializa na presença de trabalhadores de vários países: somos 125 internacionalistas visitando o território cedido pela Argélia, onde estão os cinco acampamentos.
Haverá encontro da juventude nos próximos dias. O lema por aqui é mobilização, debate, formação, internacionalismo.
A ministra dos Assuntos Sociais e Promoção da Mulher, Souilma Mohamed Beirouk, que foi vice-presidenta da União Africana, relata que há grande esforço para inserir as mulheres no mercado de trabalho. Historicamente, as saarauís sempre desempenharam diversas funções. Nesta tradição os homens passam muito tempo fora, pastoreando os animais, buscando pastagens, água.
Isso sem guerra. As mulheres realizavam todas as tarefas: montavam as tendas, teciam os tapetes, pastoreavam, cuidavam da agricultura.
Sempre zeram tudo, sempre contribuíram economicamente à sociedade e isso é reconhecido, são respeitadas. Mas agora o mercado de trabalho não está mais somente ligado à casa.
Além disso, quando a Espanha saiu do território, não havia uma só mulher saarauí na universidade. Agora, com todas as dificuldades enfrentadas, todas aprenderam a ler e milhares já terminaram a universidade. Estão no exército, na educação, na saúde, no parlamento, são ministras. Mas é preciso mais, e este é um tema que vem sendo tratado: oferecer apoio e as condições para que, ainda mais capacitadas, possam ocupar seu espaço no mundo do trabalho.
Hameida Hafed, secretário da Representação do Itamaraty na RASD, salienta que a situação, nos últimos 50 anos não é nada cômoda. Para ele, o reconhecimento da República Saarauí pelo Brasil é muito importante. “Tenho fé que os líderes reconhecidos no mundo vão defender o Direito Internacional. O Brasil, um país continental, não é qualquer país, tem enorme peso. O governo brasileiro é ouvido, não só na América Latina como na Ásia, na África e em parte da Europa. Tenho certeza que seu país vai contribuir muito para que os saarauís e os marroquinos possamos viver em paz. Não pode haver paz com nosso povo no exílio, forçado a viver em tendas. A solidariedade de vocês nos impulsiona a seguirmos adiante até realizarmos nosso objetivo, que é a independência”.
Monica Fonseca Severo de Wilaia Bojador, República Árabe Saarauí Democrática (RASD)











