Na tarde da quarta-feira (20) milhares de pessoas ocuparam a Avenida Paulista, na capital paulista, na 16ª Marcha da Consciência Negra. Com o tema “Vida, Liberdade e Futuro. Contra o Genocídio e Criminalização do Povo Negro”, a marcha foi organizada por diversas entidades do movimento negro organizado e contou com apoio de diversas entidades de outros segmentos.
O dia da Consciência Negra no Brasil acontece no dia em que a é atribuída a morte de Zumbi dos Palmares, um dos maiores símbolos nacionais na luta contra a escravidão, líder do maior quilombo conhecido pela historiografia brasileira que em seu auge chegou a abrigar cerca de 30 mil pessoas, grande referência na luta do povo negro e de todo o povo brasileiro.
Para o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) “o 20 de Novembro é sempre uma referência importante para celebrar a luta dos negros. Eu sou daqueles que crê que não temos muito a comemorar, porque o povo negro brasileiro ainda sofre de ausência de direitos básicos. Hoje, o jornal Folha de São Paulo publicou que o único segmento em que houve crescimento do desemprego no último trimestre, foi entre os negros”.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada nesta terça feira (19), a taxa de desocupação entre pretos e pardos (assim que a pesquisa divide negros em suas tabulações) ficou acima da média nacional (11,8%), respectivamente em 14,9% e 13,6%. Enquanto de brancos ficou abaixo da média nacional, 9,2%.
“Se formos analisar na saúde, na educação, no trabalho, na renda e nos vários planos da vida, você tem uma diferença. Então é necessário superar o racismo que no Brasil ganhou um caráter estrutural e institucional. O ato praticado ontem pelo Coronel Tadeu [de quebrar um quadro com uma charge denunciando o genocídio da juventude negra] é a demonstração da intolerância que ainda existe nos meios de poder, com relação a presença negra, ele não suportou uma crítica realizada por um artista. Na prática, ele associou racismo e censura, por isso eu acredito que é o momento de nós, neste 20 de novembro, relembrarmos das lutas e animarmos para as novas lutas que estão por vir, para superar de vez o racismo no Brasil”, completou Orlando.
Veja o vídeo de Orlando Silva:
Leci Brandão, deputada estadual (PCdoB-SP), relembra: “dia 20 de novembro, dia da Consciência Negra, nosso povo negro combate o racismo há anos. Somos os quem mais sofrem com a violência e o genocídio. Precisamos mudar esse quadro e transformar o Brasil com oportunidade, direitos e justiça para todos e todas”.
Sandra Mariana da Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN) defendeu que o “mês de novembro é muito importante para nós e nesse dia 20 celebramos a memória de Zumbi dos Palmares e Dandara dos Palmares. Viemos à rua hoje, pois é nosso local de reunião de exprimir e expressar nossas indignações que assolam nossas vidas e nosso povo. Nós estamos aqui pra lutar, seja de que forma for, é na rua que expressamos toda a nossa indignação e resistimos”.
“Na atual conjuntura, de um total desgoverno, que retira nossos direitos, implanta o ódio na população e cada vez mais propõe e realiza atos racistas contra a população negra do país. Atos como o de ontem em que um deputado [Coronel Tadeu] quebrou uma placa que simboliza uma crítica às mortes dos negros e negras pela polícia.”, diz Sandra.
Veja o vídeo da saída da Marcha:
Para o vice-presidente da União de Negros Pela Igualdade (UNEGRO), Edson França, “o racismo é elemento definidor de classe no Brasil, óbvio que não o único, mas é um elemento importante considerando os 388 anos da escravidão e o processo político de substituição do trabalho escravo. É importante olhar para a dimensão do racismo, para a diferenciação e capacidade do racismo de divisão da classe trabalhadora.”
“Na medida em que o trabalhador branco ganha 75% a mais que trabalhador negro, gerando uma diferenciação, um impacto na vida e na cultura do povo brasileiro que distancia esses trabalhadores que deviam estar unidos por questão comum.”, complementa.
“Bolsonaro tem um projeto ultra-conservador, ultraliberal de entrega total da nação, é um projeto que não olha para o Brasil. Com um acordo, não sei de qual ordem, com o imperialismo e está disposto a cumprir esse acordo com a elite de fora. Nós negros brasileiros, que somos 55% da população, temos apenas o Brasil e construímos essa nação e é aqui que vamos construir nosso futuro e de nossos descendentes. Então para nós, cuidar do Brasil é fundamental”, argumenta Edson.
DIREITOS
Alfredo de Oliveira, presidente do Congresso Nacional Afro-Brasileiro (CNAB), denuncia que “nós vivemos um genocídio no país, a cada 23 minutos, um jovem negro morre no país. Isso é inaceitável! O ato da consciência negra é pra dizer justamente, o que vem acontecendo com o povo negro a sociedade, como o povo negro está sendo massacrado, como o povo negro está negligenciado. Tivemos uma grande vitória em saber que os negros são a maioria universidade pública. Isso é fruto da nossa luta de todos estes anos, em colocar o filho do preto, do operário, do pobre na universidade, Mas ainda precisamos melhorar, pois as estatísticas mostram que este negro que sai da universidade ainda é a minoria nos empregos formais”.
Em manifesto, o CNAB destaca que o país vive um momento de ataque aos direitos democráticos. “Se não prosseguirmos na luta nada será alcançado, principalmente sob o governo Bolsonaro. Um governo antidemocrático, racista, inimigo da educação pública, da saúde pública, das aposentadorias dos pobres, dos direitos trabalhistas, do patrimônio público. Enfim, inimigo da democracia e do Brasil”.
“Porém o desafio é muito maior para a garantia dos negros na educação básica, além da disparidade de salários e acesso ao emprego, com ensino superior”.
“A gente tá vivendo um momento muito difícil no país, que impacta diretamente na comunidade negra. É quase que natural que todas as ações de desmonte das políticas sociais e as políticas públicas brasileiras voltadas à população brasileira, se voltam diretamente a população negra.”, diz Nuno Coelho, Agente da Pastoral Negra do Brasil (APN).
“Há 16 anos realizamos essa marcha não só como denúncia do racismo, mas em especial, para apontar as políticas que nós conquistamos e lutamos para conseguir, lutando de ano em ano. Muito mais do que denúncias, precisamos conscientizar a população. Podem tirar placas, nós negros, seremos resistência sempre, jamais nos tiraram das ruas!”, explana Nuno.
DEMOCRACIA
Ubiraci Dantas (Bira), presidente da Central Geral do Trabalhadores do Brasil, “esse é um ato extremamente importante para a gente trazer a comunidade negra para a luta política contra os ataques que estamos sofrendo no país. Hoje, os negros são a maioria dos desempregados no Brasil, são os que ganham menos no seu local de trabalho. Teve um aumento importante, fruto da luta e da teimosia do povo negro, que hoje são maioria na universidade, graças ao seu talento e esforço contra os ataques do governo Bolsonaro.”
“Porém a juventude negra ainda é a que mais sofre com a discriminação e violência, é ainda a que está em maioria nas cadeias onde devia esta Bolsonaro e seus milicianos. Mas a luta do povo está avançando, está vindo uma onda que já se alastra na América Latina contra o neoliberalismo como no Chile, na Argentina, no Equador, no Haiti onde o povo se levanta contra essa política que condena o povo ao desalento e a miséria.” continua Bira.
“Por isso, se faz necessário juntar todas as forças democráticas do país, numa ampla frente, para derrotar Bolsonaro e liberar espaço para construir um projeto de desenvolvimento inclua todo o povo que constrói essa nação, numa luta contra o racismo, pela democracia e pela soberania nacional.”, argumenta Bira.
“O projeto de entrega do Governo Bolsonaro só é possível com o aumento da violência e com a inobservância total da democracia. Quanto mais ele destruir a democracia, mais espaço ele encontra para aplicar seu pacote de maldades. Hoje está em pauta o pacote que tenta dar legitimidade a esse olhar violador de vida, ceifador de vida, do governo Bolsonaro que é o pacote Moro […] Como diz o movimento negro, a democracia não chegou para nós, mas agora o projeto de Bolsonaro é de cada vez mais aumentar a violência contra o povo. Por isso esse debate da vida é um debate central.”, denuncia França.
“A violência é um componente desestruturador das relações da sociedade brasileira que atrapalha até mesmo o povo de se organizar, como geradora de medo, fazendo com que a comunidade não consiga olhar para outra coisa. A pessoa sai com medo de encontrar com polícia à noite. O medo ele engessa, te paralisa. O medo é um mau companheiro da luta política e precisamos vencer essa agenda.”, disse.
“A frente ampla tem esse sentido, com a democracia como ponto comum que unifica as pessoas, porque sem ela você tem maiores dificuldades de lutar. Precisamos avançar nessa agenda e impor sucessivas derrotas ao campo bolsonarista. A pauta da vida está na frente ampla, o que para o movimento negro é sim prioridade”, concluiu Edson França.
RODRIGO LUCAS E THIAGO CÉSAR