
Denunciados por tentativa de golpe de Estado tentam desqualificar a colaboração premiada de Mauro Cid, contestar a competência da 1ª Turma e defender o impedimento de alguns ministros, entre outras teses amplamente rechaçadas pelos ministros
A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STFG), em 2 sessões realizadas hoje (25), rejeitou todas as preliminares de nulidade oferecidas pelas defesas na denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Jair Bolsonaro e outras 7 pessoas acusadas de vários crimes contra o Estado democrático de direito.
Pela manhã, em sessão presidida pelo ministro Cristiano Zanin, o relator Alexandre de Moraes apresentou seu parecer quanto às questões suscitadas e, no período da tarde, os ministros julgaram as preliminares.
SUSPEIÇÃO E IMPEDIMENTO
Os ministros foram unânimes na negação dos pedidos apresentados pelas defesas que alegavam impedimento e suspeição dos ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Cristiano Zanin na condução dos julgamentos.
Moraes lembrou que, recentemente, em sessão plenária, o Supremo já havia rejeitado a matéria, no que foi secundado pelo ministro Flávio Dino, que também destacou o entendimento consolidado da Corte, recorrendo a uma declaração do presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos, John Roberts, publicada pelo New York Times no dia 18 de março:
“Não temos juízes Obama ou juízes Trump, juízes Bush ou juízes Clinton. O que temos é um grupo de juízes dedicados fazendo o melhor que podem para fazer o mesmo direito àqueles que comparecem diante deles. Esse judiciário é algo pelo qual todos nós devemos ser gratos”.
Após lembrar “a importância da preservação da independência judicial, da imparcialidade por toda a sociedade”, Dino defendeu que “as discordâncias quanto a decisões judiciais são normais”, mas que não se pode aceitar “a tentativa de sancionar eventualmente os tribunais e os juízes em face de discordâncias”.

Já a ministra Cármen Lúcia, ao rejeitar a preliminar de suspeição contra os ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino e Alexandre de Moraes, afirmou que seria muito simples afastar magistrados se a simples menção a seus nomes gerasse impedimento.
Destacou que o STF já firmou entendimento semelhante no passado, ao negar suspeição com base em menção a familiares. Para S. Exa., “há todos os elementos suficientes para dizer que os juízes são imparciais”, e só haveria afastamento se houvesse prova de conduta inadequada, o que não ocorre no caso.
COMPETÊNCIA DO STF E DA 1ª TURMA
Ao rejeitar a sustentação da Defesa, Moraes reforçou a competência do Supremo e da 1ª Turma para julgar os golpistas, ressaltando que “ há uma narrativa falsa divulgada nas redes sociais de que o STF estaria condenando velhinhas com a Bíblia na mão”.
O ministro classificou essa versão como “mentirosa” e apresentou estatísticas: 68% dos condenados são homens, apenas 43 têm mais de 60 anos, e metade recebeu penas inferiores a três anos, convertidas em restritivas de direito.
No tocante à competência da 1ª turma, Moraes lembrou que, antes da mudança regimental promovida pela emenda 59/23, que transferiu a competência penal para as turmas, o plenário recebeu e processou 1.326 ações penais, reconhecendo a competência do STF.
Todas as novas denúncias, com a mudança, passaram a ser analisadas pelas turmas, inclusive 168 ligadas ao 8 de janeiro. “O tratamento é igualitário a todos os acusados, a todos os denunciados. Não se justifica nenhum tratamento diferenciado”, afirmou.
O ministro apontou, ainda, que a 1ª Turma já afastou a preliminar de incompetência em outros casos de relevância, como os que envolvem a deputada Federal Carla Zambelli, o deputado Federal Domingos Brazão e o senador Sérgio Moro, entre outros.
Moraes argumentou, ao se contrapor à preliminar das defesas de Bolsonaro e Braga Neto, que ambas já haviam recorrido por agravo regimental à própria turma, sem questionar a sua competência.
Outra contraposição foi feita à defesa de Anderson Torres de que a análise pela turma violaria o princípio do duplo grau de jurisdição. Segundo Moraes, esse princípio não se aplica quando o julgamento já é feito por órgão colegiado, como ocorre em casos de foro por prerrogativa de função.
A última questão suscitada pela defesa foi de que, por Bolsonaro ser presidente à época dos fatos, o julgamento deveria ocorrer no plenário. Moraes explicou que a exceção só vale para quem está no exercício do cargo, uma vez que o recebimento da denúncia pode acarretar afastamento por 180 dias. “Quem é ex-presidente, obviamente, não pode ser afastado de algo que não exerce mais.” Ao final, rejeitou todas as preliminares e manteve o julgamento na 1ª turma.
O voto do ministro foi acompanhado por Flávio Dino, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia. O ministro Luiz Fux divergiu, pois, segundo ele, a matéria não é de competência do STF, acrescentando que, mesmo após a mudança regimental, ainda há dúvidas sobre a extensão da competência das turmas.
CERCEAMENTO DE DEFESA
Em seu relatório, o ministro Alexandre de Moraes também votou pela rejeição de todas as preliminares de nulidade levantadas pelas defesas, afirmando que elas não comprometem o respeito ao devido processo legal.
As defesas apresentaram temas como “ausência de acesso a elementos de prova”, “ilegalidade na instauração do inquérito 4.878”, “prova ilícita”, “pesca probatória” e “violação ao princípio da indivisibilidade da ação penal”, mas nenhuma delas foi acatada pelo colegiado.
O ministro lembrou que o princípio do devido processo legal, com seus corolários da ampla defesa e do contraditório, está expressamente previsto no art. 5º da Constituição Federal e reforçou que “a paridade total de armas” entre acusação e defesa deve ser assegurada, mas que isso não foi violado no caso.
No tocante à alegação de cerceamento de defesa apresentada por Jair Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e Walter Souza Braga Neto, por suposto impedimento de acesso a documentos da investigação da Polícia Federal, Moraes afirmou que a questão já havia sido indeferida e destacou que a defesa tem acesso garantido apenas aos documentos que embasam a denúncia.
“O acusado se defende dos fatos imputados na denúncia, dos fatos, das provas e dos documentos citados e encaminhados juntos com a denúncia”, disse.
Ainda de acordo com o ministro, materiais ainda não incorporados aos autos, como laudos de aparelhos apreendidos, não são considerados nesta fase. “O que não está nos autos não está no mundo”, frisou. Garantiu que, quando juntados, defesa e acusação terão acesso integral.
Moraes também destacou que os advogados acompanharam amplamente a investigação e que o Ministério Público (MP) é quem deve comprovar os fatos denunciados, sob pena de absolvição diante de dúvida razoável.
INDIVISIBILIDADE DA AÇÃO PENAL
Quanto à suposta violação à indivisibilidade da ação penal, o ministro afastou a tese ao afirmar que tal princípio só se aplica à ação penal privada, não à pública. Ainda, ressaltou que, conforme o art. 129, I, da CF, cabe exclusivamente ao MP decidir a quem denunciar.
O ministro defendeu a estratégia da PGR que dividiu as acusações em 5 núcleos sendo que cada um deles “tinha peculiaridades diversas”. Para Moraes, isso não compromete a ampla defesa nem gera decisões conflitantes, pois “o órgão julgador é o mesmo”, ou seja, a 1ª turma do STF.
QUANTIDADE DE DOCUMENTOS
Outra tese apresentada foi quanto à quantidade de documentos constantes no processo que teriam gerado um obstáculo à ampla defesa. Moraes refutou afirmando que “não há nenhuma estratégia da Procuradoria-Geral da República em, num português mais claro, atolar a defesa com um caminhão de documentos”.
Segundo ele, o material probatório utilizado pela acusação foi o mesmo disponibilizado às defesas e aos ministros. Destacou a organização dos autos, com sumário e descrição de condutas, e rejeitou a tese de que a estrutura documental tenha prejudicado o contraditório.
PESCA PROBATÓRIA
O ministro também votou por afastar a preliminar de nulidade com base na acusação de que a investigação seria fruto de “pesca probatória”. S. Exa. diferenciou uma investigação séria, complexa e supervisionada de uma apuração aleatória e sem foco, típica da “pesca probatória”.
Segundo ele, a investigação iniciou-se com o objetivo específico de apurar a atuação de milícias digitais contra o Estado Democrático de Direito e a independência dos Poderes, especialmente do Judiciário. A partir dessa linha investigativa, foram sendo revelados outros núcleos – político, de financiadores e de executores – que se interligavam aos fatos inicialmente apurados.
Explicou, ainda, que “se pretende investigar genericamente, você ao invés de investigar fatos, você mira um alvo, uma pessoa e vai, sem qualquer método investigativo, […] tentando produzir provas […] de forma absolutamente aleatória”. Para o ministro, esse não foi o caso dos autos, já que as diligências ocorreram a partir de uma base investigativa legítima e supervisionada pelo MP e pelo Judiciário.
JUIZ DAS GARANTIAS
Suposta ofensa ao sistema do juiz de garantias foi outra tese levantada pelas defesas, mas Moraes a rejeitou sumariamente, lembrando que essa matéria já havia sido afastada pelo STF na ADIn 6.298.
O Supremo, em decisão recente, considerou que a nova sistemática não se aplica aos processos de competência originária. Destacou que, apesar de o STF ter reconhecido a importância do sistema do juiz das garantias, houve decisão unânime pela sua inaplicabilidade nos processos que tramitam originariamente nos tribunais, como é o caso julgado.
NULIDADE DA COLABORAÇÃO DE MAURO CID
Praticamente todas as defesas dos acusados pela PGR buscaram sustentar a nulidade da delação premiada firmada entre o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, Mauro Cid, e a Polícia Federal. As defesas de Bolsonaro e Braga Netto chegaram a alegar coação, ausência de anuência do MP e participação indevida do Judiciário na pactuação, mas todos os argumentos foram afastados pelo relator.
Moraes rejeitou todas elas, destacando que a colaboração foi formalizada com acompanhamento de advogados, que afirmaram expressamente a voluntariedade do delator. Citando a defesa técnica de Cid, o ministro destacou que a iniciativa da delação partiu da própria defesa, foi amadurecida com a família e jamais se deu sem assistência jurídica. “Todos os atos de colaboração contaram desde o início com a presença e aval de seus defensores”, disse, afastando a hipótese de coação ou induzimento.
O ministro argumentou, ainda, , conforme entendimento do STF, desde 2018, a PF pode formalizar acordos mesmo sem o aval do MP. Ainda, afirmou que o Judiciário deve apenas verificar a legalidade, regularidade e adequação do acordo.
Moraes também detalhou as sucessivas audiências realizadas para checar a legalidade do acordo, inclusive após as suspeitas de omissão dolosa por parte de Cid. Em todas elas, segundo o relator, o delator reafirmou espontaneamente seu compromisso com o acordo.
TRABALHOS SERÃO RETOMADOS NESTA QUARTA-FEIRA (26)
O julgamento foi suspenso e, nesta quarta-feira (26), os ministros da 1ª Turma do STF retomam o julgamento da denúncia da PGR contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, o ex-ministro da Defesa Walter Braga Neto, o ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, o ex-diretor geral da ABIN, Alexandre Ramagem, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o ex-ministro da Segurança Institucional da Presidência, general Augusto Heleno, o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira e o ex-chefe da Ajudância de Ordens da Presidência, Mauro Cid.
Todos sem exceção, através de seus advogados constituídos, tiveram oportunidade de defender as preliminares rejeitadas pelos ministros. Se a 1ª Turma acatar a denúncia da PGR, todos se tornam réus e serão posteriormente julgados pelo STF.
MAC