O Instituto Nacional de Direitos Humanos do Chile, INDH, denunciou na sexta-feira (1º) que 146 pessoas tiveram sérios ferimentos nos olhos – das quais, pelo menos 26 ficaram cegas – provocados principalmente por balas de borracha disparadas de distâncias muito curtas durante as manifestações que, há semanas, levam milhões às ruas contra o desastre neoliberal do governo de Sebastián Piñera.
Segundo a unidade de oftalmologia do Hospital Salvador, além das pessoas que perderam a visão, várias outras correm risco de dano permanente aos olhos. Os médicos testemunham que os números são muito altos e incomuns mesmo em tempos de protesto e que os procedimentos criminosos não são executados por um grupo isolado dentro da polícia e sim por uma prática generalizada desses órgãos de repressão.
Em entrevista à Bloomberg, o médico Mauricio Lopez, disse que na última segunda-feira o Hospital Salvador recebeu dez pessoas com ferimentos nos olhos em uma hora, e que, depois disso, outros continuaram chegando. “Foi inacreditável”, afirma.
O oftalmologista Patricio Meza, presidente da associação médica do Chile, declarou que a média é de 12 pacientes por dia. “Há importantes lesões com sequelas graves, desde a perda estrutural anatômica até a diminuição da acuidade visual. Dos casos reportados, temos o de dois menores de 18 anos e o de duas pessoas que trabalham em lugares onde se lhes exige dirigir veículos. Eles terão consequências econômicas, além do traumatismo”, explicou.
Desde o dia 18 de outubro, durante o levante popular conhecido como “Chile despertou”, até a sexta-feira, 1º, o INDH informou que apresentou 167 ações judiciais contra o Estado, das quais 120 foram por torturas e 18 por violência sexual. Entre as 4.271 detenções dos últimos dias, 471 foram de menores de idade. E, além das feridas oculares, 1259 pessoas receberam atenção nos hospitais vítimas de ataques da polícia.
“Criminalizaram o direito ao protesto do povo, de todo o povo, especialmente do movimento estudantil, de maneira muito forte tanto em setores da mídia como da parte do governo. E isso se naturalizou”, afirmou Cata Vidal, assistente sociai presente às manifestações.
A polícia entra nos institutos ediucacionais “joga os jovens ao chão, que lançam gás lacrimogêneo dentro das escolas. Essa repressão que os estudantes vivenciaram nos últimos tempos é a mesma que viveu durante toda a vida o povo mapuche. Agora parece que nos demos conta como sociedade e deixamos de ser indiferentes”, acrescenta Cata Vidal que, conforme relata, ao sair do seu trabalho, pedala até a marcha mais próxima.
“Os casos de torturas e abusos durante as últimas semanas seguramente são muitos mais que os números oficiais que os organismos de direitos humanos divulgam, eles não conseguem tratar tudo diante de semelhante investida de violência estatal. E o mais grave é que não se detém, porque mesmo que Piñera tenha tido que vai dar marcha atrás com relação ao estado de emergência e os toques de recolher, pela pressão popular e a manifestação de mais de um milhão e meio de pessoas na sexta-feira 25 de outubro, a repressão por parte dos Carabineiros continua. Mas nós não vamos parar”, disse.
Milhares de mulheres vestidas de negro, com cravos e outras flores brancas nas mãos, caminharam em silencio pela principal avenida de Santiago, na sexta-feira, no contexto do feriado que lembra os mortos, em homenagem às 20 pessoas falecidas desde o início do levante social.
As principais reivindicações levantadas pelo movimento são: Salário Mínimo Nacional de 500 mil pesos –aproximadamente 2.700 reais – tanto para trabalhadores do setor público como privado; o reconhecimento pleno da liberdade sindical; negociação Coletiva Setorial e respeito ao direito de greve como direito fundamental; aposentadoria mínima equivalente ao salário mínimo nacional proposto; fim das AFP privadas (que achacam os depósitos dos trabalhadores em impostos para a previdência); cesta de serviços básicos protegidos; tarifa social justa no transporte público, gratuidade nas passagens dos idosos, entre outros temas fundamentais relacionados aos direitos sociais. A este conjunto de exigências se soma a exigência de uma Assembleia Constituinte.