Multidão em Buenos Aires homenageou Hebe de Bonafini, trazendo faixas onde a combatente foi destacada por sua “alegria na luta” e para quem, “o amor era mais forte”
A despedida quinta-feira (24) da fundadora das Mães da Praça de Maio, Hebe de Bonafini, falecida no domingo aos 93 anos, ocorreu com uma multidão evocando seu nome naquela mesmo local e Buenos Aires estampando 34 graus, um calor espantoso para a cidade. Para muitos, esta era a demonstração de que “ela realmente era o fogo”.
Símbolo da luta contra as torturas, 30 mil mortes e desaparecimentos ocorridos durante a ditadura militar argentina (1976-1983), Hebe mobilizou a sociedade em defesa da verdade e da justiça, exigindo respeito aos direitos humanos e demonstrando enorme altivez frente às forças de segurança do regime opressor. Nela, assinalaram, “o amor era mais forte que o ódio”.
Em faixas, cartazes e canções, os argentinos deixaram a sua retribuição e seu muito obrigado como “Nós carregamos você em nossos corações” e “Alerta que estão vivos, todos os ideais dos desaparecidos”.
Entre as milhares de pessoas, havia militantes de movimentos sociais, mas também muitas famílias que trouxeram avós, pais e netos para recordar a homenagem de gerações e lançar as cinzas da presidente das Mães numa no jardim perimetral que envolve a Pirâmide de Maio, juntamente com um terço que o Papa Francisco lhe havia enviado.
O mesmo local onde há 45 anos as mulheres de lenços brancos na cabeça, “as loucas da Praça de Maio” como lhe chamava a mídia de então, começaram a luta que colocaria em xeque a ditadura e lançaria as bases da democracia no país. Ali lhe aguardavam os restos mortais de outras Mães, igualmente acolhidas com uma primavera de flores e um mar de aplausos. Com dificuldade, mas altivas, se despediram da amiga e companheira, Visitación de Loyola , de 98 anos; Josefa de Fiore, de 91; Carmen Arias, 81; Irene de Chueque, vinda de Mar del Plata e Sara Mrad, de Tucumán.
Entre outros que acolheram e abraçaram as Mães, se fizeram presentes na marcha o governador de Buenos Aires, Axel Kicillof; os ministros do Interior e da Cultura, Wado de Pedro e Tristán Bauer; o secretário de Direitos Humanos, Horacio Pietragalla; o senador Oscar Parrilli e o deputado Hugo Yasky, da Central de Trabalhadores da Argentina (CTA). Também prestigiaram o evento a cantora e compositora Teresa Parodi, as atrizes Cristina Banegas, Mirta Busnelli e Victoria Onetto, os dirigentes sindicais dos professores Roberto Baradel, Sonia Alesso e María Laura Torre; o secretário-geral da ATE-Capital (Associação dos Trabalhadores do Estado), Daniel Catalano; o ex-ministro da Economia, Amado Boudou e o juiz Juan Ramos Padilla .
“Esta é com certeza a marcha mais difícil para nós, a quinta-feira que nunca quisemos vir”, declarou ao tomar a palavra o histórico militante, Demetrio Iramain. “É difícil, claro, mas as Mães conseguiram voltar a esta praça depois de 10 de dezembro de 1977, quando entre os dias 8 e 9 sequestraram suas três companheiras Esther Ballestrino de Careaga, Mary Ponce de Bianco e Azucena Villaflor. Hebe encarregou-se de procurar uma a uma para que regressassem na quinta-feira seguinte e foi assim que continuaram a vir”, explicou.
Iramain lembrou ainda como há pouco tempo as Mães defendiam a sua casa com o próprio corpo diante da covardia, “quando o macrismo quis meter a Hebe na cadeia”. “Vamos recordar o quanto elas foram capazes”, frisou.
No outro extremo da praça, recordou o jornal Página12, Célia se encontrava com a neta Vitória, mais nova, na escola primária. Ambos carregavam uma placa com foto, nome e data: Ricardo Cabrera, 12/10/1976. “Ele era meu parceiro. Eles o sequestraram quando eu estava grávida”, denunciou. Célia conta como conheceu a líder das Mães, em 1977. “A Hebe tirou o medo, ela nos levou para a rua para lutar. E hoje os jovens já têm esse caminho pavimentado”, comemorou ela, olhando fundo para a neta.