
O ex-governador mineiro teve a grandeza de abrir mão de um projeto partidário e se juntar na grande frente liderada por Ulisses Guimarães. Ele uniu o Brasil, levantou o povo e derrotou a ditadura no Colégio Eleitoral
Nesta semana, no dia 21 de abril, lembramos os 40 anos da trágica partida de Tancredo Neves, pouco antes daquela que seria a sua posse como presidente da República, após a derrota do candidato da ditadura no Colégio Eleitoral. O ex-governador mineiro fazia parte da grande geração de políticos que se destacou no Brasil na fase da ofensiva popular final contra o regime antinacional que havia sido implantado no país com o golpe de 1964.
Muitos deles, como Brizola, Arraes, Darcy, Ulisses, Alencar Furtado, Simon, Mauro Borges, enrtre outros, assim como Tancredo, vinham do período anterior, quando o Brasil trilhava o caminho do nacional desenvolvimentismo iniciado por Getúlio.
Tancredo havia sido ministro da Justiça de Getúlio e o único a defender, na derradeira reunião ministerial, realizada na noite do suicídio do presidente, a resistência ao golpe da CIA, operado por Carlos Lacerda, em 1954. Tancredo também foi o responsável pela posse de João Goulart ao aceitar ser primeiro-ministro e garantir a transição após a renúncia de Jânio Quadro.
Na reta final da luta contra a ditadura, algumas dessas figuras políticas tornaram-se gigantes a liderar o povo contra o regime do arbítrio e da tortura. Como bem lembrou recentemente a presidente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), a ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, os momentos de grandes avanços no Brasil foram conquistados por amplas frentes políticas.
E foi isso o que ocorreu no início da década de 1980, quando Tancredo teve a grandeza de abrir mão de um projeto partidário próprio e se juntar na grande frente política liderada por Ulisses Guimarães no então PMDB.

A anistia conquistada em 1979 já tinha trazido de volta os líderes exilados. A amplitude da frente e a sua total sintonia com os anseios populares, que clamavam por democracia, derrotou as manobras do regime moribundo.
Já na eleição dos governadores de 1982, a ditadura recebeu uma sonora reprovação das urnas. A partir daquele momento, a oposição assumiu a ofensiva política e desencadeou um amplo movimento de massas contra o regime. O período anterior, da dura resistência ao arbítrio, onde muitos brasileiros deram a vida pela liberdade, foi substituído por uma nova fase de grandes mobilizações populares. Ulisses e Tancredo foram timoneiros neste período.
As greves operárias por melhorias salariais em São Paulo e a luta contra as imposições de arrocho feitas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) ao Brasil, após a chamada crise da dívida externa, foram crescendo até que explodiu o movimento popular pelas Diretas, já.
A emenda à Constituição do deputado Mato-Grossense Dante de Oliveira, do PMDB, pedindo eleições diretas para presidente da República incendiou o país. O regime já mostrava fraturas importantes, como o afastamento de políticos como Teotônio Vilela e Severo Gomes e de militares como o general Andrada Serpa e o Almirante Gama e Silva.
Mesmo com milhões de brasileiros ocupando as ruas, o regime agonizante ainda conseguiu manobrar para impedir a aprovação pelo Congresso da emenda Dante de Oliveira.
A aliança de Tancredo Neves com Ulisses Guimarães durante as mobilizações, onde o ex-governador mineiro aceitou a tese de que, se a emenda das diretas passasse, o candidato natural seria Ulisses Guimarães, que tornara-se o “senhor diretas”, garantiu a unidade do movimento.
No momento seguinte, quando o país lançou a candidatura de Tancredo Neves para derrotar o candidato da ditadura dentro do Colégio Eleitoral, o país inteiro agiu como um só homem. A campanha das Diretas, já! transformou-se na campanha Tancredo, já!

Com raríssimas exceções no campo da oposição, e excluindo-se os restos políticos da ditadura, o país inteiro se unificou em torno da candidatura de Tancredo Neves.
Sua força foi tamanha que atraiu para o campo nacional e democrático diversos setores que até bem pouco tempo eram suporte do regime de arbítrio. Esses foram os casos de José Sarney, Aureliano Chaves, Marco Maciel, Antônio Carlos Magalhães e até os ministros militares. Com a saída ds altos mandos militares, a base da ditadura veio abaixo. Os últimos alicerces a abandonar o regime entreguista de 64 foram os integrantes da mídia.
Em seu discurso na vitória, Tancredo mostrou porque teria conseguido unir todo o Brasil e cair nas graças do povo com tanta força.
“A história da Pátria, que se iluminou através dos séculos com o martírio da Inconfidência Mineira; que registra, com orgulho, a força do sentimento de unidade nacional sobre as insurreições libertárias durante o Império; que fixou, para admiração dos pósteros, a bravura de brasileiros que pegaram em armas na defesa de postulados cívicos contra os vícios da Primeira República, a História situará na eternidade o espetáculo inesquecível das grandes multidões que, em atos pacíficos de participação e de esperança, vieram para as ruas reivindicar a devolução do voto popular na escolha direta para a Presidência da República”, destacou.
“Frustradas nos resultados imediatos dessa campanha memorável, as multidões não se desesperaram, nem cruzaram os braços. Convocaram-nos a que viéssemos ao colégio eleitoral e fizéssemos dele o instrumento de sua própria perempção, criando, com as armas que não se rendiam, o governo que restaurasse a plenitude democrática”, prosseguiu o ex-governador.
“Não vamos nos dispersar. Continuemos reunidos, como nas praças públicas, com a mesma emoção, a mesma dignidade e a mesma decisão. Se todos quisermos, dizia-nos, há quase duzentos anos, Tiradentes, aquele herói enlouquecido de esperança, poderemos fazer deste País uma grande Nação. E vamos fazê-la”, concluiu Tancredo, para um auditório lotado, que reuniu praticamente todos os partidos, com exceção do PT, que haviam conduzido a luta nas ruas e no Colégio Eleitoral pelo fim da ditadura.
Pouco antes de sua posse como presidente da República, Tancredo Neves foi acometido de uma crise abdominal que levaria sua vida e o impediria de assumir.
O ex-governador, que havia lutado junto a Getúlio Vargas, garantido a posse de João Goulart e que unira o Brasil contra a ditadura antinacional de 1964, deixou seu legado antes que pudesse cumprir sua missão. O país seguiu em frente e hoje, 40 anos depois de sua epopeia, o Brasil homenageia o grande patriota Tancredo de Almeida Neves.
S.C.