O governo Temer publicou no dia 5 passado o edital da 4ª Rodada de Partilha de Produção a ser realizada no dia 7 de junho, quando serão ofertadas as áreas de Itaimbezinho, Três Marias, Dois Irmãos e Uirapuru, nas bacias de Campos e Santos, por um bônus de assinatura total de R$ 3,2 bilhões.
Foram retirados do leilão os blocos da área de Saturno, que o governo pretende leiloar em outra rodada, juntamente com os dois blocos excluídos da 15ª Rodada de Concessão.
O artigo a seguir é de autoria do vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet), Fernando Siqueira, no qual analisa a política do governo para o setor e as rodadas de licitação da ANP. “O governo em exercício está usando uma política de licitações de muitas e grandes áreas do pré-sal, algumas delas de altíssimo potencial, com baixo excedente em óleo da União, baixo bônus de assinatura e baixo conteúdo local. É entreguismo puro”, afirma.
ENTREGUISMO PURO
FERNANDO SIQUEIRA (*)
No dia 24 de novembro de 2017, foi publicada no Diário Oficial da União a Resolução nº 21 do Conselho Nacional de Política Energética – CNPE, que autoriza a ANP a realizar a 4ª Rodada de Licitações sob o regime de partilha de produção no polígono do pré-sal e aprova os parâmetros técnicos e econômicos das áreas ofertadas: Itaimbezinho, Três Marias, Dois Irmãos, Saturno e Uirapuru.
Em novembro de 2017, o diretor-geral da ANP, Décio Odone, fez uma apresentação nos Estados Unidos na qual afirmou que os blocos a serem oferecidos nas próximas rodadas de partilha de produção têm elevadíssimos potenciais e podem ser desenvolvidos rapidamente Nos termos do art. 4º, § 1º, da Lei no 12.351/2010, a Petrobras foi notificada a se manifestar, em um prazo máximo de trinta dias, sobre o direito de preferência em cada área ofertada.
Após análise técnica e aprovação pela Diretoria Executiva e pelo Conselho de Administração, no dia 14 de dezembro de 2017, a Petrobras manifestou interesse em exercer o direito de preferência nas áreas de Dois Irmãos, Três Marias e Uirapuru. O percentual mínimo requerido é de 30% em cada uma dessas áreas.
A Petrobras poderá ampliar esse percentual para mais de 30% nas áreas onde exerceu seu direito de preferência, formando consórcios para participar das licitações. Em relação às áreas em que a Petrobras não exerceu o seu direito de preferência, a companhia poderá participar em condições de igualdade com os demais licitantes, seja como operador ou não.
O art. 2º da Resolução CNPE nº 21/2017 estabelece que o percentual do óleo-lucro da União variará em função do preço do barril do petróleo Brent e da produção diária média dos poços produtores ativos, considerando-se, o valor do bônus de assinatura, o desenvolvimento da produção em e o fluxo de caixa durante a vigência do contrato de partilha de produção..
Assim, o CNPE e a ANP fórum estabelecidos em valores extremamente baixos. Considerando-se o preço do barril de petróleo Brent de US$ 50 e a produção diária média de 12 mil barris de petróleo por poço produtor ativo, esses percentuais serão os seguintes:
− Itaimbezinho: 7,07%;
− Três Marias: 8,32%;
− Dois Irmãos: 16,43%;
− Saturno: 14,12%;
− Uirapuru: 22,18%.
Lembremos que, no mundo, os países produtores ficam com a média de 82% desse óleo lucro.
Somente poderão ser reconhecidos como custo de produção os gastos, realizados pelo contratado, relacionados à execução das atividades do objeto do contrato de partilha da produção e aprovados pelo comitê operacional, tendo como referência custos típicos da atividade e as melhores práticas da indústria do petróleo.
Os percentuais de conteúdo local a ser exigido em cada área também são baixíssimos e atenderá aos seguintes critérios:
− Fase de Exploração: com mínimo obrigatório global de 18%;
− Etapa de Desenvolvimento da Produção:
− Construção de Poço: mínimo de 25%;
− Sistema de Coleta e Escoamento: mínimo de 40%;
− Unidade Estacionária de Produção: mínimo de 25%.
O valor do bônus de assinatura para as áreas será igual a:
− Itaimbezinho: R$ 50 milhões;
− Três Marias: R$ 100 milhões;
− Dois Irmãos: R$ 400 milhões;
− Saturno: R$ 1,45 bilhão;
− Uirapuru: R$ 2,65 bilhões.
Pré-Edital
O Pré-Edital da 4ª Rodada de Partilha de Produção (ANP, 2018) registra, que o modelo exploratório indica elevado potencial para todos os blocos em oferta.
Nos termos da Resolução CNPE no 25/2017, a Petrobras manifestou interesse em ser operadora dos blocos Três Marias, Uirapuru e Dois Irmãos.
Sumário geológico
O Sumário Geológico e áreas ofertadas na 4ª Rodada de Partilha de Produção (ANP, 2017) apresenta três blocos na Bacia de Santos, denominados Uirapuru, Três Marias e Saturno e dois blocos na Bacia de Campos, denominados Dois Irmãos e Itaimbezinho.
Esses blocos, excetuando-se Itaimbezinho, que possui maior potencial na seção pós-sal, contemplam estruturas com fechamento bem definido e com grande potencial para acumulações de hidrocarbonetos nos reservatórios carbonáticos do pré-sal.
Itaimbezinho
No bloco Itaimbezinho, na Bacia de Campos, foram mapeados duas regiões com potencial de ter óleo, uma no pré-sal, denominada Mourão, e um complexo de canais, no pós-sal, encaixados em cânion, denominado Itaimbezinho.
A estrutura Mourão exibe fechamento bem definido, e é formada por alto do embasamento cristalino, associado a prováveis bioconstruções microbiais no pré-sal. Além disso, os dados sísmicos indicam a ocorrência das principais sequências que compõe o pré-sal.
Três Marias
O bloco Três Marias, localizado a nordeste do bloco BM-S-24, e a sul do bloco Libra, abriga duas estruturas de médio porte, denominadas Maria I e Maria II, com fechamento bem definido nas quatro direções. O levantamento sísmico tridimensional disponível ainda está em fase de processamento e, por essa razão, ainda exibe baixa qualidade de imageamento. Contudo, ainda assim, é possível rastrear as principais sequências que compõe o pré-sal.
Análise
Áreas de grande potencial como Uirapuru, Saturno e Dois Irmãos serão licitadas na 4a Rodada do Pré-Sal, assim como já ocorreu nas três rodadas anteriores. O problema do regime de partilha de produção, criado pela Lei no 12.351/2010, é a falta do estabelecimento do excedente em óleo da União definida pela legislação. Cabe ao governo em exercício definir, em edital, o mínimo excedente em óleo da União a ser ofertado pelo licitante para cada área ou bloco. Como o nosso governo é formado de entreguistas chefiados pelo Temer…
Na ausência de uma política pública para o excedente em óleo para a União, em lei ou decreto, o Poder Executivo tem estabelecido, por meio de resolução do CNPE, percentuais baixíssimos desse excedente para as rodadas de licitações do pré-sal.
Os excedentes mínimos a serem ofertados na 4ª Rodada podem ser considerados muito baixos para uma província como a do pré-sal, onde, como já citado, o custo de extração já é inferior a US$ 7 por barril. Também baixos são os bônus de assinatura da 4ª Rodada do pré-sal, que totalizam apenas R$ 4,65 bilhões, o que representa 31% do bônus de assinatura de Libra, que foi de R$ 15 bilhões. Como já mencionado, o próprio diretor-geral da ANP disse que Saturno, por exemplo, pode ser do mesmo porte da Libra.
Não podem ser estabelecidos percentuais mínimos de óleo-lucro para a União tão baixos quanto os estabelecidos na Resolução CNPE no 21/2017.
Na realidade, é fundamental haver uma política pública prevista em lei para se definir um valor mínimo excedente em óleo para a União. Sem isso, o risco de baixa participação governamental no pré-sal somente pode ser evitado a partir de resoluções do CNPE que atendam ao interesse público, o que, salvo melhor juízo, não é o caso da Resolução CNPE nº 21/2017.
Com relação ao conteúdo local, também não há, no regime de partilha de produção, política pública definida em lei nem em norma infralegal. A Resolução CNPE nº 21/2017 estabeleceu percentuais muito baixos. O conteúdo local mínimo é de apenas 18% na fase de exploração. Nas etapas de desenvolvimento de produção, os percentuais para construção de poço (25%), sistema de coleta e escoamento (40%) e unidade estacionária de produção (25%) também podem ser considerados muito baixos.
A Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) considerou que a Resolução nº 7/2017 do CNPE, que já fixava esses percentuais de conteúdo local, estabeleceu percentuais baixos que podem ser alcançados apenas com serviços, podendo afastar do processo a indústria brasileira de máquinas e equipamentos. De maneira semelhante, o Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), entende que a indústria naval pode ser significativamente afetada, uma vez que o índice de 25% para construção de plataformas é um percentual de contratação nacional que já seria realizado mesmo se não houvesse política de conteúdo local no Brasil.
Em suma, o governo em exercício está colocando em prática uma política de licitações de muitas e estratégicas áreas do pré-sal, sem a devida atenção ao interesse público, pois há grandes riscos de se produzir o bem público sem o devido retorno para a sociedade.
Áreas estratégicas, como as da província petrolífera do pré-sal, devem ser licitadas para trazer grandes benefícios para o país, o que pressupõe elevados excedentes em óleo da União e altos percentuais de conteúdo local. Se isso não ocorrer, bens públicos serão produzidos para beneficiar principalmente os contratados.
Conclusões
As descobertas na província petrolífera do pré-sal estão entre as mais importantes em todo o mundo nas últimas décadas. Essa província é composta por grandes acumulações de óleo leve, de excelente qualidade e com alto valor comercial, o que coloca o Brasil em posição privilegiada rente à demanda mundial por petróleo e gás natural. Em junho de 2017, apenas onze anos após sua descoberta, a produção de petróleo no pré-sal superou a do pós-sal.
As resoluções do CNPE estabelecerem percentuais mínimos de excedente em óleo da União a serem ofertados nas 2ª e 3ª Rodadas do pré-sal que variam de apenas 10,34% a 22,87%. Durante a execução do contrato, esse percentual pode chegar a apenas 1% em função da produtividade e da cotação do Brent.
Nas 3ª e 4ª Rodadas, na fase de exploração, o conteúdo local mínimo é de apenas 18%. Nas etapas de desenvolvimento de produção, foram estabelecidos percentuais de 25% e 40% para as diversas atividades e sistemas. Esses percentuais podem ser considerados muito baixos.
As falhas técnicas das resoluções do CNPE relativas aos mínimos excedentes em óleo para a União nas 2ª e 3ª Rodadas ficam evidenciadas pelos altíssimos ágios em quatro áreas, além de oferta mínima muito baixa em área como, por exemplo, Alto de Cabo Frio Oeste.
Nos termos da Resolução CNPE nº 21/2017, que estabeleceu os parâmetros técnicos para a 4ª Rodada, os percentuais mínimos de excedente em óleo a serem ofertados são ainda menores; variam de apenas 7,07% a 22,18%, com média de apenas 13,62%. Percentual tão baixo pode caracterizar essa Resolução como mais um entreguismo exacerbado do Quadrilhão do Temer.
Na realidade, é fundamental haver uma política pública fixada em lei para se definir um efetivo mínimo excedente em óleo para a União. Sem isso, o risco de baixa participação da União no pré-sal somente pode ser evitada a partir de resoluções do CNPE que atendam ao interesse público, o que, não é o caso da Resolução CNPE no 21/2017. Nem do governo atual.
Encontra-se também ausente uma política pública de conteúdo local mínimo que se destine a resguardar, em lei, o interesse público de fomento da cadeia nacional de fornecedores do setor de petróleo e gás na economia brasileira. A exploração de recursos naturais escassos pode implicar benefícios claros ao desenvolvimento econômico nacional, sustentável se estiver associada ao desenvolvimento das cadeias produtivas, à formação de capacidades empresariais, à geração de emprego e ao desenvolvimento tecnológico.
Em suma, o governo em exercício está usando uma política de licitações de muitas e grandes áreas do pré-sal, algumas delas de altíssimo potencial, com baixo excedente em óleo da União, baixo bônus de assinatura e baixo conteúdo local. É entreguismo puro. Um bem público de grande valor para o país, como é o pré-sal, deve ser explorado em benefício de toda a sociedade brasileira; o foco deve ser o interesse público, não os interesses dos cartéis.
(*) Fernando Siqueira é vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)