Uma pesquisa realizada em favelas do Rio de Janeiro aponta que 54% dos moradores perderam seus empregos formais durante a pandemia. Os dados foram apresentados pelo estudo “Coronavírus nas favelas: a desigualdade e o racismo sem máscaras”, realizado pelo coletivo Movimentos nas comunidades da Cidade de Deus e complexos do Alemão e da Maré.
O documento identifica um impacto desigual da crise econômica e sanitária entre as classes sociais, atingindo com mais gravidade os pobres, trabalhadores e vulneráveis. Durante a pandemia, o desemprego no país medido pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad-Contínua) chegou a atingir 14,8 milhões de pessoas. Boa parte dos que perderam seus postos com carteira assinada passaram para a informalidade.
“54% das pessoas das favelas perderam seus empregos durante a pandemia. Isso para mim é um dado muito chocante. Mais da metade da população perde o emprego e não tem o que fazer a não ser entrar no mercado informal, vendendo bala no sinal, ou qualquer outro trabalho pouco rentável”, afirma Aristenio Gomes, coordenador da pesquisa. Segundo ele, essa foi a realidade da maior parte dos que ficaram sem trabalho nas favelas.
É por isso que mais da metade dos entrevistados (54%) afirmaram que não conseguiram fazer isolamento social nos meses mais duros da pandemia, especialmente pela necessidade de sair para trabalhar.
“Os moradores de favelas foram, na verdade, impedidos de parar com suas atividades durante a pandemia. Impedidos de fazer isolamento. São 54% de pessoas que disseram que não conseguiram fazer. O trabalho do entregador de comida, por exemplo, foi fundamental para que outras pessoas pudessem fazer o isolamento”, argumentou Aristenio, lembrando que a primeira pessoa que morreu de Covid-19 no Rio de Janeiro foi uma empregada doméstica de 63 anos que morava em Miguel Pereira e não parou de se deslocar até o Alto Leblon, onde trabalhava.
O pesquisador lembrou as declarações de Bolsonaro contra o uso de máscaras. “Na figura do presidente da República, por exemplo, diversas declarações contra o uso de máscaras ou diminuindo o impacto do vírus foram feitas. Isso sem dúvida reflete lá na ponta”.
Um outro recorte da pesquisa mostra que 62% dos entrevistados declararam ter solicitado o auxílio emergencial – valor pago pelo governo federal aos trabalhadores que ficaram sem renda durante a fase de isolamento social. Uma parte ficou de fora, já que 52% afirmaram de fato tê-lo recebido.
Transmissão e acesso à saúde
Entre os ouvidos, 93% afirmaram conhecer alguém que teve Covid-19 e 73% souberam de alguém que morreu em consequência dela. Apesar do alto nível de contágio dentro das comunidades, especialmente por famílias grandes habitarem casas de poucos cômodos, apenas 24% dos moradores disseram ter sido testados e 37% precisaram de atenção médica, mas não conseguiram atendimento.
Houve também o agravante da falta de acesso à condições básicas de higiene para reduzir os níveis de transmissão: 63% declararam ter ficado sem água em algum momento durante a pandemia, enquanto para 37% a falta dela foi frequente.
“Eu acho que nesse período da pandemia, o estado que deveria ser o grande responsável por atender e suprir essa população mais vulnerável ele se ausentou”, afirma Aristenio.