Abandonados pelo governo Bolsonaro enquanto o garimpo ilegal avançava sobre a região, indígenas passaram a situação de catástrofe, com mortes por desnutrição, malária e contaminados por mercúrio
Durante o governo Jair Bolsonaro, o número de mortes de crianças com menos de 5 anos por causas evitáveis aumentou 29% no território Yanomami. Em 4 anos, 570 crianças indígenas morreram acometidas por doenças que têm tratamento.
“Não estamos conseguindo contar os corpos”, afirma uma testemunha à Sumaúma, plataforma de jornalismo independente, que divulgou os dados. “Isso significa que 570 pequenos indígenas poderiam estar correndo, rindo e inventando brincadeiras, neste momento, se houvesse atendimento adequado de saúde ou ações de prevenção”, diz a reportagem.
O número oficial já supera em 29% os registrados nos 4 anos de governos anteriores. “Como o território sofreu um apagão estatístico durante o governo de extrema direita, é provável que a realidade seja ainda mais aterradora. Este é o legado de Bolsonaro”, estimou a Sumaúma.
A desnutrição é um dos grandes problemas enfrentados pelo público pediátrico Yanomami. Uma criança de 1.095 dias, ou seja, com 3 anos de idade, pesava o mesmo que um bebê recém-nascido: 3,6 quilos, relataram profissionais de saúde.
Uma série de fotografias recentes enviadas mostram corpos de crianças e velhos, com peles que recobrem apenas os ossos, tão debilitados que mal parecem se equilibrar. “Costelas que parecem perfurar os corpos minúsculos contrastam com barrigas enormes, povoadas por vermes”, denuncia a Sumaúma.
As imagens foram registradas pelos próprios indígenas e profissionais de saúde. “Algumas das imagens mais chocantes não foram liberadas por afrontarem a cultura Yanomami ou por colocarem em risco de morte o autor das fotos. Imagens são um tema difícil para os Yanomami”. “As lideranças que concordaram com a divulgação das fotografias só tomaram essa decisão porque estão desesperadas”, cita a reportagem.
Inclusive “em uma delas, foi a própria liderança que pediu que uma foto fosse tirada para ser levada ao mundo. Essa atitude, tão rara para um Yanomami, dá uma medida do terror de ver crianças e velhos tombarem dia após dia”, prossegue o texto.
“É muito triste saber que indígenas, sobretudo 570 crianças Yanomami, morreram de fome durante o último Governo. O Ministério dos Povos Indígenas tomará medidas urgentes em torno desta crise humanitária imposta contra nossos povos”, disse a ministra do recém-criado – e inédito – Ministério dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, que está em Roraima neste sábado (21) para prestar assistência aos Yanomami.
No território entre os estados de Roraima e Amazonas – maior área indígena demarcada no Brasil – vivem quase 30 mil Yanomami. Nos últimos 4 anos, a fome se alastrou pela região. Abandonados à própria sorte (ou falta dela), esses povos não receberam qualquer atenção por parte do governo federal, revelado inimigo ferrenhos dos povos originários.
SITUAÇÃO PERDURA
Reportagem do Fantástico veiculada em novembro de 2021 e repercutida pelo HP, já denunciava o quadro severo de desnutrição das crianças yanomamis, agravada pela falta de assistência médica. A equipe de reportagem passou duas semanas dentro da reserva indígena e constatou um cenário desolador.
Surucucu, uma das 300 unidades das reservas, tem posto de saúde e hospital de internação, com capacidade para 20 pacientes. Indígenas de 23 comunidades procuram a unidade quando necessitam. No dia em que a equipe do Fantástico esteve no local, constatou a falta de remédios e sobravam leitos, mesmo tendo muitos indígenas doentes nas comunidades, segundo as lideranças Yanomami.
Também denunciou a falta de condições no local. Com chão de terra, paredes de madeira e telas rasgadas, os pacientes eram atendidos na sala de internação do posto de saúde de Surucucu. A estrutura é precária e é necessário fazer fogueiras para proteger os doentes do frio da noite e dos mosquitos.
A malária é uma das doenças persistentes na região: mais de 16 mil casos só em 2021, lembrando que há 30 mil indígenas na reserva. “Quanto mais desnutrida a criança é, maior a chance de ela ter infecção por qualquer causa. Pode ser respiratória, intestinal, infecções de pele”, diz Maria Paula de Albuquerque, pediatra e nutróloga da Unifesp.
Estimativas apontam a presença criminosa de 20 mil garimpeiros na TI Yanomami. De 2019 para cá, os garimpos são a principal causa do crescimento expressivo do desmatamento na terra Yanomami. O aumento chegou a 140%, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
O desmonte da saúde indígena durante os 4 anos do governo Bolsonaro levou várias aldeias ao colapso sanitário. Com pouco acesso à saúde e medicamentos em falta, crianças e velhos morrem de desnutrição ou por doenças tratáveis, como vermes, pneumonia e diarreia.
“Tá tendo muito garimpeiro, muita malária. Pega malária, não aguenta fazer roça”, afirma Mateus Sanöma. Os Sanöma, um grupo da etnia Yanomami, habita a região de Auaris, no limite do Brasil com a Venezuela, onde o garimpo atua livremente dos dois lados da fronteira.
A presença do garimpo em Auaris, causa outro problema. Homens da etnia migram para o garimpo do outro lado da fronteira, na Venezuela, deixando com as mulheres a responsabilidade de cuidar sozinhas das crianças. Elas têm que trabalhar na roça e pescar numa região escassa, desequilibrando todo o modo de vida.
Como só os homens caçam, crianças e mulheres são privadas de mais uma fonte de proteína. “Na minha comunidade, todos estão morrendo de fome. Já morreram 30 Sanöma e vão morrer mais. Estão morrendo rápido. Não quero que morram todos. Precisamos de apoio para não morrer meu povo todo”, clama o líder Sanöma.
“A alimentação que os polos de saúde têm para dar aos Yanomami doentes é arroz e só, nada nutritivo”, contou um profissional de uma unidade médica, que esteve diversas vezes no território ao longo do ano passado. “Não tinha nem remédio, nem novalgina, não chegava nada. As crianças estavam soltando vermes pela boca. Vai ter que começar do zero, tudo de novo. Os Yanomami foram jogados à própria sorte, diz.”
De 2021 a 2022, a região de Auaris, onde vivem 896 famílias, teve 2.868 casos de malária. Apenas em 2022, 6 crianças com menos de 1 ano morreram por causas que seriam facilmente evitáveis se houvesse acesso a serviços de saúde ou medicamentos, informa a Sumaúma.
Na região, 6 de cada 10 crianças abaixo de 5 anos estão com déficit nutricional, ou seja, têm peso considerado inadequado para a idade, a maior parte delas já em desnutrição severa. Na Maloca Paapiu, outra região do território Yanomami, a realidade se repete: 6 de cada 10 crianças desse grupo etário estão desnutridas,
“É de lá que nos chega uma lista, feita à mão por uma pessoa da comunidade, com as mortes ocorridas entre dezembro e os primeiros dias de janeiro: foram 4 crianças, filhas de Catiusa, Beadriz, Geovana e Briscila. E ainda outros 4 velhos”. ‘Oito [dos] meus parentes morreram’, diz o recado”, relata a reportagem da Sumaúma.
Em 2022, os dados revelam que 13 crianças do Xitei com menos de 5 anos morreram por causas passíveis de tratamento: 6 delas por pneumonia, 4 por diarreia e 2 por desnutrição.
Muitas das mortes que ocorrem nas aldeias deixam de ser contabilizadas. Em algumas localidades mais impactadas pelo garimpo, as equipes de saúde foram expulsas. Assim não conseguem prestar atendimento ou registrar os óbitos.
Em Homoxi, o posto de saúde foi invadido pelos criminosos e virou depósito de combustível. Em dezembro, foi incendiado pelos garimpeiros, em retaliação à uma operação da Polícia Federal em combate à atividade ilegal, relata a plataforma.
DESVIO DE MEDICAMENTOS
Além do descaso, a situação de saúde nas comunidades yanomami se agrava em função da corrupção praticada por indicados do desgoverno Bolsonaro. No final do ano passado, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal (MPF) deflagraram uma operação para combater desvios de medicamentos destinados à população do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami, em Roraima.
Durante as diligências, foi constatado o recebimento de vermífugos em quantidades inferiores às adquiridas pelo Ministério da Saúde para a região. Um inquérito policial foi instaurado com base no levantamento dos procuradores.
Suspeitava-se que somente 30% de mais de 90 tipos de medicamentos fornecidos por uma das empresas contratadas pelo distrito sanitário teriam sido entregues. Entre os alvos, funcionários do distrito sanitário, que é um órgão ligado ao Ministério da Saúde, e empresários locais.
A cloroquina, usada no combate à malária, esteve em falta na TI Yanomami no ano passado. Ou quando existia, estava com o prazo de validade vencido. Depois de entupir as aldeias com o medicamento sob o pretexto de combater a Covid-19, o governo Bolsonaro deixou faltar o medicamento, contribuindo com isso para o aumento do número de casos da doença.
“Há estoque, mas (o remédio) venceu desde o mês passado. Por enquanto está dando para suprir, mas para gestantes o tratamento mais indicado é com a cloroquina”, explicou ao Amazônia Real um dos médicos responsáveis pelo tratamento da malária do Dsei Alto Rio Negro, no Amazonas, que preferiu não revelar o nome para não receber advertências do Ministério da Saúde.
Para tentar remediar o que tinha remédio – se não tivesse sido desviado para outros fins – com uso em desacordo pela ciência, ressalte-se, o Ministério da Saúde indicou medicamentos alternativos para o tratamento da malária em que a eficácia é questionada por cientistas.
“Em municípios e Distritos Sanitários Especiais Indígenas com desabastecimento de cloroquina e apenas enquanto não estiver regularizado o estoque deste medicamento artemeter+lumefantrina (ou artesunato+mefloquina) poderá ser utilizado em sua substituição no tratamento da malária por P. vivax no primeiro episódio, conforme faixa etária e peso […]”, orienta o ministério às unidades de saúde.
O médico Paulo Basta, pesquisador da Fiocruz, disse que os medicamentos alternativos são potentes e eficazes para o tratamento, mas são mais indicados nos casos graves, resultantes da infecção pelo Plasmodium falciparum, e não para o Plasmodium vivax, uma das espécies de parasita que causa a malária.
“O uso indiscriminado desses medicamentos pode causar efeitos colaterais importantes, criar resistência do Plasmodium vivax à cloroquina e onerar em muito as despesas para o SUS”, alertou Basta.
O que se pode qualificar como um genocídio premeditado dos povos indígenas por parte de Bolsonaro, também respingou sobre os trabalhadores, conforme relatou à Samaúma, um profissional do Censo do IBGE, que atuou em áreas Yanomami.
“Os profissionais de saúde trabalham em condições subumanas. Postos de saúde com goteiras, sem água nem luz. O profissional tem que andar às vezes mais de 300 metros para buscar água no balde. Faltam medicamentos básicos”, relata.
Até a comida destinada aos trabalhadores – algumas vezes– chegava a ser dividida por eles com os indígenas, sensibilizados pela situação de fome e desnutrição dessas pessoas.
“O pessoal passando fome demais, todo mundo muito magro. Até para o trabalho do IBGE estava difícil. Quando tinha que pernoitar, na hora da janta, a gente tinha levado comida, mas a aldeia inteira morrendo de fome ficava em volta da equipe, que dividia o pouco que tinha levado […]”. “Vai ter que começar do zero, tudo de novo. Os Yanomami foram jogados à própria sorte”, diz o funcionário do Censo.
Mas pelo que vi ontem no fantástico, há 20 anos atrás, o repórter ñ me recordo nome agora. O que fez a matéria, esteve nessa aldeia há 20 anos atrás, e estavam em situação precária tb …todos que passaram pelo pela presidência nada fizeram ,até quando o povo vai continuar sendo peteca de política..É uma vergonha..temos que pedir desculpas aos índios e devolver o que é deles ..não é partido político e sim caráter que não há mais nos humanos..uma pena
E triste ver uma situação dessas floresta sendo queimada derrubada garimpeiros levando aquilo que não lhe pertence e os indígenas passando fome até quando meu Deus vai continuar essa situação .
Mas o excitante mesmo é culpar o último governo, o descaso vem acontecendo há anos mas foi no governo Bolsonaro que o pior aconteceu. Garimpeiros foram invisíveis até 2018, aí veio o “genocida” e com ele apareceram as atrocidades feitas nos governos anteriores mas…a culpa é do Bolsonaro, como sempre!!!
Como sempre, não. Mas as crianças yanomamis que morreram nos últimos quatro anos – 570! – são. Ou não era ele o presidente que permitiu o garimpo ilegal nas terras dos yanomamis, e os deixou sem assistência alguma, ao contrário do que ordena a Constituição? Se você quer negar essa realidade, problema seu – mas a realidade não muda ou não é apagada porque você, em nome de um fanatismo monstruoso, a nega.