Uma morte por overdose a cada 8 minutos no país mais rico do mundo. São cenas dramáticas vistas diariamente em meio à desesperança e à desagregação impulsionadas por opióides sintéticos
Ao invés de retroceder, a pavorosa epidemia de mortes por overdose nos EUA se agravou no ano passado, aumentando-as de 64.070 para 72.287, segundo dados preliminares do Centro de Controle de Doenças (CDC). Uma morte a cada oito minutos no país mais rico do mundo, em meio à desesperança, miséria e desagregação, impulsionada por opióides sintéticos, inclusive vendidos em farmácias, heroína e outras drogas, e com o horror não mais restritos a guetos de negros e latinos, mas ferindo fundo aos brancos pobres e aos deserdados por Wall Street.
Das 72 mil mortes por overdose, 49 mil se devem aos opióides, sendo que só o fenatil (50 vezes mais potente que a heroína) é responsável por 29 mil mortes (9 mil a mais em um ano), de acordo com o CDC. Nem mesmo a epidemia de Aids matou tantas pessoas nos EUA em um único ano.
São cenas dramáticas que são vistas diariamente no país inteiro. No dia em que os novos números do CDC foram divulgados, em um parque situado ao lado da Universidade de Yale, em New Haven, em Connecticut, quase 100 casos de overdose ocorreram em 36 horas, com ambulâncias trabalhando sem parar para socorrer vítimas de uma nova droga sintética, cem vezes mais poderosa que a maconha. Felizmente, ninguém morreu graças à aplicação do antídoto Narcan. Só um condado do Ohio, de 376 mil habitantes, registrou 210 mortes por overdose em 2016, quase a metade do registrado na Espanha, que tem população 120 vezes maior,
Com o combate à epidemia de overdoses por opióides sob Trump tendo sido até aqui pouco mais que uma inócua “declaração de emergência”, a que foi acoplada modesta verba de US$ 1,1 bilhão, no país em que o orçamento do Pentágono vai a US$ 700 bilhões, não é de estranhar que tais mortes estejam em alta em 38 dos 50 estados. Voltaram a subir as mortes por cocaína. Repetindo anos anteriores, as maiores taxas de mortalidade por overdose ocorreram na Virgínia Ocidental (58,7 mortes por 100.000 habitantes), Washington, capital do país (50,4), Pensilvânia (44,2), Ohio (44,0) e Maryland (37,9).
O fato de que sejam agora as comunidades de brancos pobres afetadas pelo fechamento das fábricas – e deslocamento para o exterior – os focos dessa epidemia possibilita apontar o que está gerando tamanha devastação. Pelo terceiro ano consecutivo, se repetiu a terrível estatística de que as mortes por overdose em um só ano superam o total de americanos mortos em uma década de guerra no Vietnã e de que as overdoses se tornaram a principal causa de morte entre os norte-americanos com menos de 50 anos, mais do que o câncer, armas de fogo e acidentes de carro.
Dito de outra forma, a atual epidemia de mortes por overdose é outro sintoma do tipo de “recuperação” pós-crash de 2008 e da globalização que o precedeu. Sem empregos, ou com empregos para lá de precários, sem saúde pública, os brancos pobres se viraram, nas áreas desindustrializadas, disfarçando as dores com analgésicos cada vez mais potentes, enquanto os potentados se empanturravam nas apostas na bolsa de valores, sustentadas pelo bailout e o dinheiro fácil do quantitative easing. Ganância, concentração de riqueza e ostentação numa ponta, e miséria, sofrimento e colapso na outra, nas cidades esvaziadas, depauperadas, com a desigualdade social alcançando proporções intoleráveis. Foi assim que a epidemia de overdoses atingiu seu atual estágio.
CAMPANHAS MILIONÁRIAS
As corporações farmacêuticas rapidamente souberam como lucrar sem parar com esse sofrimento, o que foi facilitado pela obscena monopolização e privatização da saúde nos EUA. Montaram campanhas milionárias e agressivas para convencer as pessoas a se entupirem de opióides sintéticos, com a cumplicidade de médicos e dos “moinhos de pílulas” (clínicas para panfletagem de receitas). Porque escolheram os opioides e não outro veneno qualquer, talvez possa ser explicado pela longa ocupação do Afeganistão pelas tropas dos EUA, que fez do país invadido recordista mundial do antecessor da heroína, o ópio.
A indústria da “heroína sintética” se tornou um negócio de US$ 10 bilhões anuais. Foi assim que, com 5% da população mundial, os EUA consomem 80% dos remédios opióides produzidos no planeta. Sob o governo Obama, o número de ações da DEA contra as distribuidoras de pílulas de opióides sintéticos caiu 69,5%.
No ano passado, aumentou a pressão contra os moinhos de pílulas, cujo resultado ficou patente nos números melhores de Vermont e Massachusetts. Agora Trump diz que mandou o Departamento de Justiça agir contra os fabricantes de opióides sintéticos e estabelecer limites de produção. Em dezembro do ano passado, relatórios do CDC advertiram que, sob o impacto das mortes por overdose, mais o aumento dos suicídios (que chegaram a 45 mil), um dos parâmetros que mede a evolução de uma sociedade, a expectativa de vida, declinou nos EUA pelo segundo ano consecutivo.
ANTONIO PIMENTA