
Os militares acusados dos homicídios do músico Evaldo Rosa e do catador Luciano Macedo, com 257 tiros de fuzil, em Guadalupe, na Zona Norte do Rio de Janeiro, mudaram os depoimentos à Justiça Militar para acusar uma das vítimas de ser um “assaltante” que teria disparado contra a patrulha do Exército.
Nenhuma arma e nem vestígio de pólvora foram encontrados junto ao corpo de Luciano Macedo, catador de recicláveis que, ao ver o carro da família de Evaldo Rosa ser alvejado, saiu de perto de sua esposa grávida e tentou socorrer as vítimas.

O músico Evaldo Rosa estava com sua esposa, Luciana Nogueira; seu filho de sete anos, Davi; seu sogro, Sérgio Araújo; e uma amiga da família, Michelle Neves.
Evaldo Rosa foi atingido por nove balas de fuzil, todas elas nas costas
Luciano ajudou a retirar as vítimas de dentro do carro. Morreu depois de levar três balas nas costas.
Agora, oito meses após o crime que ficou conhecido como “80 tiros”, devido às balas que acertaram o carro, a defesa dos soldados acusa Luciano de ser um assaltante que atirou contra a patrulha.
Veja o vídeo:
Em suas declarações iniciais, os militares afirmaram que o carro de Evaldo Rosa teria sido utilizado para a fuga de criminosos de um bloqueio em Guadalupe e que os 257 disparos ocorreram após eles terem ouvido tiros.
No dia da morte de Evaldo e Luciano, no primeiro depoimento, que foi colhido na 1ª Divisão de Exército, em Deodoro, também Zona Norte do Rio de Janeiro, por um major que decretou a prisão em flagrante dos agentes na época, o comandante da patrulha, tenente Ítalo Nunes, disse à Justiça Militar que a tropa foi atacada pelo catador Luciano no momento em que o carro de Evaldo já estava parado, próximo à Avenida Brasil.
O tenente disse que não viu o catador atirar contra os militares. Ele garantiu ter “ouvido disparos de arma de fogo, aproximadamente sete”, mas “não conseguiu identificar de onde vinham os tiros”. No primeiro relato, Ítalo não afirma que atirou na direção de Luciano e sustentou que “realizou aproximadamente quatro disparos de fuzil na direção do veículo, por ser idêntico ao veículo onde os criminosos empreenderam fuga”.
Segundo o tenente, ele havia atirado na direção de Luciano para ‘revidar’ os tais disparos.
ASSALTANTE
Agora, oito meses após a morte do catador e do músico, Ítalo e os outros militares ou mudaram suas versões. As informações dos depoimentos foram obtidas com pelo jornal ‘O Globo’.
“Quando a gente se aproxima do carro, a cerca de 50 metros, a gente avista o assaltante saindo do banco do motorista, ele abandona o veículo atirando na gente e se esconde rapidamente no capô do carro. A gente já atira nele para neutralizar a ameaça”, afirmou o tenente, nesta segunda-feira, 16.
Assim como o tenente Ítalo, o soldado Gabriel de Barros mudou sua versão sobre os fatos. No dia dos crimes, disse que “não soube precisar de onde vinham os disparos” que teriam sido feitos mirando a patrulha, afirmou que “realizou disparos contra o carro”. Agora, para a Justiça, disse que disparou contra o “meliante que estava atrás do carro, atirando contra os militares”.
O soldado Leonardo Delfino disse no dia do crime que “realizou um único disparo com seu armamento” quando presenciou um assalto, minutos antes do músico ser encontrado morto. Agora, para a Justiça, se contradisse e afirmou que não atirou durante todo aquele dia.
Na ocasião, ele também afirmou que viu quando um “elemento que empunhava a arma apontou-a na direção da viatura e realizou disparos”. Na audiência desta terça-feira, Leonardo Delfino disse que não conseguiu ver a ação.
PRÉDIO
Os militares também acrescentaram uma nova história nos relatos que deram à Justiça. Todos os agentes mencionaram que ouviram ou foram alvo de disparos do alto de um prédio localizado à frente do local em que o carro de Evaldo parou após o músico ser atingido. Nenhum deles havia fornecido essa informação no depoimento ao Exército.
Nenhum deles também havia dito, no dia do crime, que ouviu uma rajada de tiros enquanto se encaminhava para o local onde o carro de Evaldo parou. Já na audiência na Justiça Militar, esse detalhe foi “lembrado” nos depoimentos de todos os acusados. Alguns afirmaram ter ouvidos uma rajada de tiros, outros disseram somente terem sido informados por colegas que a rajada existiu.
Os militares acusaram o catador Luciano de atirar contra os homens do Exército e de ter assaltado um carro momentos antes de ser baleado. Todos eles negaram ter visto Evaldo, ou sua família, dentro do carro fuzilado.
Os militares afirmaram à Justiça que os protestos de parentes do músico após o crime eram uma “artimanha do tráfico”.
Todos os militares respondem em liberdade pelos crimes de homicídio doloso e omissão de socorro. O caso é julgado pela Justiça Militar. A previsão da juíza Mariana Aquino, que preside o Conselho de Justiça, integrado por mais quatro juízes militares, é de que a sentença saia no primeiro semestre de 2020.
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