Dr. Fauci adverte sobre “casos e mortes evitáveis” e retrocesso na busca da recuperação econômica
Em depoimento por videoconferência ao Senado norte-americano na terça-feira (12), o principal infectologista dos EUA, o Dr. Anthony Fauci, advertiu sobre o perigo de “tentar reabrir o país prematuramente”, o que desencadearia uma reincidência da Covid-19 caso as salvaguardas sejam retiradas abruptamente.
“Há um risco real de desencadear um surto que não possamos controlar”, enfatizou o integrante da força-tarefa anticoronavírus da Casa Branca. “Se pularmos os pontos de controle nas diretrizes de ‘Abra a América de Novo’, então corremos o risco de vários surtos em todo o país”.
“Isso não só resultará em sofrimento desnecessário e mortes, mas nos faria retroceder em nossa busca para voltar ao normal”, destacou.
Ainda segundo Fauci, falta colocar em prática essas salvaguardas – que estado algum cumpre, apesar de mais da metade deles já ter enveredado por tal atalho. Que incluem casos e mortes em declínio por 14 dias, preservação da capacidade hospitalar (leitos de UTI e respiradores), testagem, detecção dos enfermos, com isolamento e tratamento, e rastreamento dos contatos para quebrar a cadeia de transmissão.
Também participaram da audiência à distância o chefe dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), Dr. Robert Redfield, e o Dr. Stephen Hahn, da agência federal sanitária (FDA).
“Ainda não estamos fora de perigo”, afirmou o Dr. Redfield, embora “mais preparados”. O presidente do comitê de saúde do Senado, o republicano Lamar Alexander, comandou a reunião de sua casa no Tennessee. A maioria dos senadores também participou por videoconferência e só uns poucos estavam no Capitólio.
Fauci e Redfield estão em isolamento, após a porta-voz do chefe da força-tarefa, o vice Mike Pence, ter testado positivo para a Covid-19 (além de um serviçal de Trump).
Com 79 anos de idade, Fauci lidera o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas desde 1984 e é mundialmente reconhecido por suas contribuições na contenção do HIV.
Na véspera, o presidente Trump, como ironizou o jornal inglês Guardian, “declarou vitória sobre o ‘inimigo invisível’”, asseverando que os EUA “tinham prevalecido” no combate à Covid-19 – mais tarde ele remendou que estava falando de seu programa de testes -, enquanto conclamava as empresas e escolas a reabrirem já.
PORTA-VOZ MACABRO
Coube ao senador republicano Rand Paul a duvidosa honra de fazer a apologia do vem pra rua morrer, cobrando “humildade” do cientista quanto a saber “o que é melhor para a economia” e defendendo reabrir as escolas. Ele também asseverou que “há pessoas do outro lado dizendo que não haverá uma onda.”
O Dr. Fauci respondeu ser “cientista, médico, especialista de saúde pública” e que dava orientações “de acordo com a melhor evidência científica” e que “não dava conselhos sobre economia, apenas sobre saúde pública”.
Quanto à questão da humildade, ele lembrou ao senador que o fato é que não se sabe tudo sobre esse vírus, e é preciso ser “muito cauteloso”, especialmente com relação às crianças.
Como – citou – os novos casos de síndrome inflamatória que estão matando crianças, quando até então se pensava que elas eram relativamente imunes aos efeitos deletérios da Covid-19. Questão que – como destacou – deveria ser levada em conta na discussão sobre a reabertura das escolas.
IMUNIDADE DE REBANHO
O senador Paul também insistiu na tese da “imunidade de rebanho”, citando a Suécia como suposto caso bem sucedido e acabou sendo lembrado que o país tem a pior taxa de mortalidade (319 por milhão), pior ainda do que a dos EUA (242 por milhão).
Por comparação, essas taxas para outros países escandinavos são 40 por milhão na Noruega, 48 por milhão na Finlândia e 91 por milhão na Dinamarca (países que adotaram quarentena). A propósito, à taxa sueca, o número de mortos nos EUA subiria para 105 mil.
Apesar das expectativas do senador republicano sobre essa modalidade de suposta imunização, as poucas pesquisas de anticorpos disponíveis nos EUA indicam que pouco menos de 5% da população norte-americana já foi exposta e pode ter anticorpos, exceto em Nova Iorque e em Los Angeles. O que significa que a imensa maioria dos norte-americanos continua vulnerável ao coronavírus.
SUBNOTIFICAÇÃO
Em resposta a uma pergunta do ex-pré-candidato a presidente, Bernie Sanders, o infectologista admitiu a subestimação do número de mortos da pandemia nos EUA, oficialmente 80 mil.
“A maioria de nós sente que o número de mortes é provavelmente maior do que esse número”, disse ele. Ele citou o caso de Nova Iorque, em que pode ter havido “pessoas que morreram em casa que tinham Covid, que não foram contados como Covid porque nunca chegaram ao hospital”.
Sanders se referia à estimativa do CDC de 24 mil mortes em excesso do meio de março a fins de abril em Nova Iorque, o que implicaria em uma subestimação de 50% no total de óbitos, dado obtido pela comparação com os enterros registrados no período e a média histórica.
VACINA: “CAUTELOSAMENTE OTIMISTA”
O Dr. Fauci também entrou na discussão sobre a vacina para a Covid-19, dizendo que apesar da rapidez com que os estudos vêm avançando, “não vemos uma vacina jogando um papel na habilidade de indivíduos de voltarem à escola este semestre”.
Ele defendeu a necessidade de ter múltiplas propostas de vacina, para torná-la disponível no mundo inteiro e se disse “cautelosamente otimista” de que seria desenvolvida uma, embora não haja qualquer garantia de que isso vá ocorrer.
Como ressaltou, a vacina precisa induzir uma resposta imune “que se mostre protetora, e duravelmente protetora”. “Então, a grande incógnita é se será efetiva”. Outra preocupação é com o “reforço da doença”, a possibilidade que a vacina possa induzir uma resposta imune que faria a doença piorar ao invés de proteger as pessoas do vírus.
Sobre a questão da vacina, o senador Sanders reiterou que todos os cidadãos norte-americanos deveriam ter acesso gratuito a ela, o que ainda não está garantido.
“CRIMINOSAMENTE VAGAS”
O senador democrata Chris Murphy interpelou Redfield, classificando as orientações prévias da Casa Branca – aquelas que nenhum estado que reabriu cumpre – de “criminosamente vagas”.
A principal salvaguarda era que o número de testes positivos ou de casos confirmados estivesse em declínio por 14 dias, mas, sob as bênçãos de Trump, já virou letra morta. O Texas, por exemplo, reabriu no dia em que o total de mortes bateu recorde.
Murphy, que é de Connecticut, estado cuja data do fim do distanciamento social está próxima, cobrou de Redfield orientações aos estados sobre as salvaguardas.
O especialista asseverou que “logo” seria lançado um guia ampliado de orientações para os estados sobre como reabrir escolas, negócios e igrejas. Mas se esquivou de falar sobre o provável veto da Casa Branca, noticiado pela mídia. Sob o pretexto de que uma orientação mais detalhada atrapalharia os negócios e tolheria a liberdade religiosa, o que o governo Trump prefere á alguma coisa ainda mais genérica e cheia de furos.
“SEGUNDA ONDA” NO OUTONO
Respondendo à senadora democrata Elizabeth Warren, o Dr, Fauci afirmou que a pandemia nos EUA “não está sob controle” e voltou a repetir seu alerta sobre a ameaça de uma “segunda onda” da Covid-19 no país.
“Nas últimas 16 semanas, mais de 1,3 milhão de americanos foram infectados pelo coronavírus, 80 mil morreram e 30 milhões perderam seus empregos. Dr. Fauci você aconselhou seis presidentes, temos o coronavírus contido?”, questionou Warren.
“Se você quer dizer ‘temos isso sob controle?’, não”, apontou o infectologista.
Ele destacou que conquanto os novos casos e mortes estejam diminuindo em Nova Iorque, o ponto de maior gravidade do coronavírus do país em abril, “em outras partes do país estamos vendo picos”.
Fauci confirmou Warren citando que os EUA estão tendo 25 mil novas infecções por dia e 2 mil mortes diárias.
O iminente risco sobre o qual o Dr. Fauci vem alertando suscitou em Warren a preocupação de que “estamos ficando sem tempo para salvar vidas, o tempo do pensamento mágico acabou”.
“Já se passaram três meses e continuamos a estabelecer recordes de casos e mortes”, reiterou. “É possível controlar esse vírus”, reafirmou Warren, que apontou a Coreia do Sul como exemplo disso (259 mortos).
De acordo com o Dr. Fauci, se até o outono [setembro] não houver sistemas suficientes colocados em prática para testes, rastreamento de contato e outras medidas, haverá “inevitavelmente” uma segunda onda da Covid-19 nos EUA.
Já Trump, na véspera, acusou os governadores democratas, que buscam manter medidas mínimas de distanciamento e contenção do coronavírus, de retardarem a recuperação econômica nos seus próprios estados para prejudicá-lo nas eleições de novembro.