A MP 966/20 determina que agentes públicos só poderão ser responsabilizados por falhas no combate ao coronavírus se agirem ou se omitirem intencionalmente ou por “erro grosseiro” no enfrentamento emergencial à Covid-19 e aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia
Jair Bolsonaro editou mais uma medida provisória (MP), desta vez para impedir a punição a agentes públicos – inclusive ele próprio – por decisões que possam causar prejuízos irreparáveis à sociedade no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus.
A Medida Provisória 966/20, publicada na edição de quinta-feira (14) do Diário Oficial da União, determina que agentes públicos só poderão ser responsabilizados por falhas no combate ao coronavírus se agirem ou se omitirem intencionalmente ou por “erro grosseiro” no enfrentamento emergencial à Covid-19 e aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia.
A proteção legal também se estende às “opiniões técnicas” dos agentes públicos, desde que tenham agido de boa-fé. A MP 966 é assinada pelo presidente Jair Bolsonaro e pelos ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário.
Para o deputado Marcelo Calero (Cidadania-RJ), a MP é “uma verdadeira aberração jurídica”. “É inconstitucional, típica de ditaduras e faz parte do repertório autoritário que Bolsonaro tenta impor ao país. Deve ser devolvida ao Executivo pelo Congresso. Não podemos sequer tomar conhecimento de uma peça tosca como essa”, afirmou em sua rede social. O partido também avalia a possibilidade de acionar o STF contra a medida.
A medida provisória já está sendo chamada de “excludente de ilicitude” da Covid-19. O instrumento, que foi rejeitado pelo grupo de trabalho da Câmara dos Deputados que analisou o pacote anticrime, previa que o agente público não pode ser culpado quando age sob “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. Pela MP 966, os agentes públicos “somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro” pela prática de atos relacionados ao combate da pandemia.
A medida provisória define como grosseiro o erro “caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”.
Para verificar a existência do erro grosseiro serão considerados cinco fatores: os obstáculos reais do agente público; a complexidade da matéria e das atribuições exercidas por ele; a presença ou não de informações completas sobre a situação de urgência ou emergência; as circunstâncias práticas que obrigaram ou limitaram a ação; e o contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas e suas consequências, inclusive as econômicas.
Bolsonaro quer se blindar, mas não pode alegar boa-fé ou que suas ações – sabotando a quarentena e estimulando aglomerações – não são intencionais, pelo contrário, porque avisos e recomendações técnicas de que não pode fazer isso não faltam. Ele as desobedece intencionalmente. Faz isso publicamente apesar dos alertas.
“Além de se proteger se isentando da omissão desde o início da pandemia, Bolsonaro abre precedentes para responsabilizar gestores por um suposto caos econômico decorrente do coronavírus. Esse governo é imoral, ilegal e perigoso”, reagiu a deputada federal Alice Portugal (PCdoB-BA) em seu Twitter.
Esta é a segunda vez este ano que trata da responsabilização de agentes públicos por meio de medida provisória. Publicada em março, a MP 930/20 previa a não responsabilização da diretoria e dos servidores do Banco Central em relação aos atos praticados como resposta à pandemia, ressalvados os casos de dolo ou fraude. Devido á rejeição da proposta, inclusive entre parlamentares da base aliada, a proteção legal foi revogada por outra medida provisória (MP 951/20).
O deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA) disse que o governo deveria estar mais preocupado em proteger o povo brasileiro do contágio do coronavírus. “Bolsonaro é insuperável no cometimento de absurdos que agridem o Brasil. Com a nova MP ele quer se proteger preventivamente dos erros que comete todos os dias”, afirmou.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) considerou a edição da MP “um absurdo” e avisou que vai acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubar os efeitos da medida do governo. “As mortes e os efeitos negativos da omissão de Bolsonaro estão aumentado, e o próprio não quer ser responsabilizado por isso. E pior: ele quer utilizar o Estado para submeter mais pessoas à morte e aos efeitos deletérios da crise”, escreveu em uma rede social.
O senador avaliou ainda que a medida provisória é mais um aceno do presidente da República na tentativa de consolidar o apoio dos políticos do Centrão. “Como bem sabemos, o Centrão comanda uma série de prefeituras no país. E, a partir de agora, os prefeitos e demais agentes, mesmo que cometam erros e improbidades administrativas, passarão a ser responsabilizados de modo muito mais difícil”, observou.