Presidente disse que há “desobediência civil” por parte de estados e municípios
Depois de atropelar o trabalho do ministro da Saúde, Nelson Teich, Bolsonaro volta a insistir que a população seja jogada nos braços do coronavírus.
Ele afirmou que os governadores estão em desobediência civil e defendeu nesta quinta-feira (14), em reunião com empresários, que não importa que morram muitos brasileiros, desde que a economia volte a funcionar. Com isso, Bolsonaro tenta manipular novamente o setor produtivo, que precisa receber créditos urgentes diante da crise, para forçar o genocídio de brasileiros.
A volta precoce ao trabalho no meio da pandemia matará desnecessariamente milhares de pessoas. Mesmo que diversos empresários e economistas advoguem que a crise é mundial e é causada pela pandemia e não pelas medidas de isolamento social adotadas pelos governadores, Bolsonaro não ouve e segue atacando a quarentena.
Ele não libera os recursos que a economia demanda para sobreviver, segura o quanto pode a ajuda emergencial de R$ 600, aprovada pelo Congresso para os mais vulneráveis, não sancionou até agora a ajuda emergencial a estados e municípios aprovada no início da semana pelo Congresso, não libera os financiamentos para que a indústria possa garantir salários e segue pressionando os empresários para a volta geral ao trabalho.
Diz que quem defende a vida no enfrentamento do coronavírus quer prejudicá-lo. Bolsonaro chegou a afirmar na reunião que, “ao que parece, existe no Brasil uma questão política, com o objetivo de quebrar a economia para atingir o governo”. Com isso, ele tenta jogar os empresários de agora, assim como fez com outros no episódio da “marcha sobre STF”, para se posicionarem também contra os governadores. “É guerra, tem que jogar pesado com os governadores”, disse ele.
Como as insanidades defendidas pelo presidente têm sido barradas pela Justiça e desconhecidas pelos governadores, que adotam as medidas preconizadas pela OMS e o Ministério da Saúde, ele acusou os administradores estaduais de estarem praticando a desobediência civil. “Um homem está decidindo o futuro de São Paulo, decidindo o futuro da economia do Brasil”, afirmou Bolsonaro, referindo-se ao governador paulista João Doria (PSDB). “Os senhores, com todo o respeito, têm que chamar o governador e jogar pesado. Jogar pesado, porque a questão é séria, é guerra.”
Mas, os empresários, por seu turmo, estão percebendo cada vez mais que é Bolsonaro e a União quem têm que agir rápido para garantir os recursos necessários para salvar a economia.
As atitudes de Bolsonaro dos últimos dias têm prejudicado também o esforço do Ministério da Saúde de encontrar, junto com estados e municípios, as formas de enfrentar, com melhor efetividade, a pandemia da Covid-19. Com essas atitudes, ficou em segundo plano o esboço de projeto do Ministério da Saúde de definir estratégias de cooperação possíveis junto a estados e municípios.
O plano, em esboço, dava importância a esta cooperação nacional, assim como ao aumento de testagem da população para melhor desenvolver estratégias de combate ao vírus. Estava se construindo um consenso também sobre a urgência na montagem de leitos hospitalares, de aquisição de equipamentos, insumos e de treinamento de pessoal, como forma de definir que graus de relaxamento social poderia ser adotado em cada região.
Desde o início da pandemia, Bolsonaro, praticamente sozinho no mundo, tem negado a ciência, minimizado o impacto do coronavírus e se colocado contra medidas de distanciamento social, atitude que culminou na demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e, na semana passada, por exemplo, com a marcha com empresários para pressionar o STF cotra a quarentena. Agora ele atropela o novo ministro da Saúde, Nelson Teich.
Bolsonaro citou como bom exemplo para o Brasil a Suécia, que se atrasou em tomar medidas de combate ao vírus. Entretanto, esse exemplo é muito infeliz porque, mesmo na Suécia, onde já há um distanciamento social cultural, a ausência de medidas de proteção mais rigorosas de distanciamento social, levou a que o país tenha hoje a maior mortalidade de toda a região escandinava.
Numa afronta ao STF, que deu autonomia aos estados e municípios para definir setores essenciais, o presidente voltou a se queixar da determinação de diversos governadores, amparados por uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), de ignorar um decreto presidencial que ampliou o número de atividades consideradas essenciais. Para Bolsonaro, trata-se de um ato de “desobediência civil”.
“Nós devemos buscar cada vez mais rápido abrir o mercado. Como eu abri agora, por exemplo, o decreto colocando academias, salões de beleza e barbearia [como atividades essenciais]. Semana passada eu botei a construção civil e a questão industrial. Tem governador falando que não vai cumprir. Eles estão partindo para a desobediência civil”, disse ele.
Ele repete que as mortes ocorrerão, mas que isso “é inevitável”. Desprezando completamente as mais de 13 mil mortes que ocorreram no país até hoje, causadas pela Covid-19, Bolsonaro bate na tecla de que tem que morrer mesmo. Que tem que sair já do isolamento social. Que o remédio estaria matando mais do que a doença.
O professor Roberto Medronho, epidemiologista da UFRJ, contestou o presidente com dados. “Na pandemia da influenza de 1918, chamada de ‘Gripe Espanhola’, as populações que praticaram o isolamento social saíram da crise econômica mais rapidamente do que as que não fizeram”, citou o professor. Salvar vidas é o melhor caminho para superar a crise econômica, diz o especialista.
Bolsonaro inverte tudo. Ele acha que o que está causando a crise econômica não é a pandemia, mas sim as medidas para reduzir a transmissibilidade do vírus. Essas medidas são fundamentais para impedir o colapso no sistema público de saúde e reduzir a mortalidade. Bolsonaro não concorda. “Nós temos que mostrar a cara, botar a cara para apanhar”, diz ele.
“Porque nós devemos mostrar a consequência lá na frente. Lá na frente, eu tenho falado com o ministro Fernando [Azevedo], da Defesa… os problemas vão começar a acontecer. De caos, saque a supermercados, desobediência civil. Não adianta querer convocar as Forças Armadas porque não existe gente para tanta GLO [Garantia da Lei e da Ordem]”, acrescenta Bolsonaro, tentando colocar a culpa da crise nos governadores.