A transcrição parcial da reunião de Bolsonaro com ministros no dia 22 de abril entregue pela Advocacia-Geral da União (AGU) ao Supremo Tribunal Federal (STF) prova que ele anunciou sua interferência na Polícia Federal do Rio de Janeiro e ameaçou demitir o ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, caso não conseguisse.
A transcrição contradiz a versão de Bolsonaro, de que não cita a PF no vídeo da reunião ministerial.
“Não existe no vídeo a palavra Polícia Federal e nem superintendente. Não existem as palavras superintendente e nem Polícia Federal”, disse o presidente na última terça-feira. “Não tem investigação. Não tem família. Não tem palavra investigação”, declarou Bolsonaro.
O ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, também divergiu e, em seu depoimento à PF, confirmou que Bolsonaro mencionou a PF na reunião. Bolsonaro não gostou do depoimento do seu ministro e disse que ele “se equivocou”. “Ramos se equivocou. Mas como é reunião, eu tenho o vídeo. O Ramos, se ele falou isso, se equivocou”, disse Bolsonaro.
Ao anunciar sua saída do governo, Sérgio Moro disse que o fazia por conta das tentativas de Jair Bolsonaro de interferir na PF e trocar seu diretor-geral e o superintendente do Rio de Janeiro. Ele afirmou que Jair Bolsonaro chegou ameaçar demiti-lo.
A defesa de Moro apontou que a transcrição da AGU omite o contexto e “trechos relevantes”, mas, mesmo assim, “confirma que as referências diziam respeito à Polícia Federal e não ao GSI [Gabinete de Segurança Institucional]”.
De acordo com a transcrição da AGU, Jair Bolsonaro disse: “Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho a inteligência das Forças Armadas que não têm informações; a ABIN tem os seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque tá faltando realmente… temos problemas… aparelhamento etc. A gente não pode viver sem informação”.
Bolsonaro, nessa frase, cita a Abin e outros serviços de inteligência para reforçar que precisa interferir. E ele quer interferir na PF.
“Eu não vou esperar [que] fodam minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança da ponta de linha que pertence à estrutura. Vai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira”.
“Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou”.
No ano passado, ele já tinha tentado trocar o então superintendente da PF no Rio, Ricardo Saadi, por um nome da sua preferência. O delegado Saadi saiu depois, mas não foi substituído pelo nome que Bolsonaro queria, que era próximo da família, o delegado Alexandre Saraiva, da superintendência do Amazonas.
O presidente também queria nomear para a direção-geral da PF, Alexandre Ramagem, amigo dos filhos, e não conseguiu porque o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, suspendeu a nomeação.
Bolsonaro enfatiza que “por isso, vou interferir”, mostra a transcrição da AGU.
“O serviço de informação nosso – todos – é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá para trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final. Não é ameaça, não é extrapolação da minha parte. É uma verdade”, disse Bolsonaro durante a reunião.
De acordo com a transcrição, Bolsonaro fez uma alusão à criação de filhos para explicar porque quer receber informações da PF.
“Quem é que nunca ficou atrás da… da… da… porta ouvindo o que seu filho ou sua filha tá comentando? Tem que ver para depois… depois que ela engravida não adianta falar com ela mais. Tem que ver antes. Depois que o moleque encheu os cornos de droga, não adianta mais falar com ele: já era. E informação é assim. [referência a Nações amigas] Então essa é a preocupação que temos que ter: ‘a questão estratégia’. E não estamos tendo”, completa a transcrição.
A tese do governo é de que Bolsonaro estava preocupado com a “segurança” da família no Rio de Janeiro. Mas quem cuida da segurança de Bolsonaro e da família é o Gabinete da Segurança Institucional (GSI), dirigido pelo ministro Augusto Heleno. E foi o superintendente da PF no Rio, Carlos Henrique Oliveira, que foi substituído e não houve troca no GSI.
Aliás, a cúpula da PF foi trocada por pressão de Bolsonaro. Se o problema não era a PF, por que então pressionou Moro, contra a vontade deste, a demitir o diretor-geral da instituição, Maurício Valeixo?
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