“Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações”, diz o trecho da fala do presidente na reunião , divulgado pela AGU
Depois de afirmar, no inicio da semana, da rampa do Palácio do Planalto, que não falou uma vez sequer na palavra Polícia Federal na reunião ministerial do dia 22 de abril, e que quem pensasse o contrário iria “cair do cavalo”, Jair Bolsonaro deparou-se com a transcrição feita pela Advocacia Geral da União (AGU), e divulgada na noite de quinta-feira (14), na qual ele aparece falando na Polícia Federal.
A própria defesa do governo desmascarou a versão (veja abaixo). Pego na mentira, Bolsonaro não teve outra opção senão admitir, nesta sexta-feira (15), que falou sim na Polícia Federal.
“Eu não posso ser surpreendido ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho a inteligência das Forças Armadas que não me dá informações, a Abin tem os seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque tá faltando realmente… temos problemas… aparelhamento, etc. A gente não pode viver sem informação”, disse o presidente, num dos trechos transcritos, que constam da manifestação da AGU.
“Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar foder minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira”, afirmou Bolsonaro, no segundo trecho.
A divulgação desses trechos da reunião só confirmam o que muita gente já sabe: que Bolsonaro não tem o menor compromisso com a verdade. Ele jurou que não falou da PF, mas é público e notório que sua ideia fixa era trocar o comando da PF do Rio. Ele deixou isso claro já em agosto de 2019.
Bolsonaro cria as versões que melhor se adaptam aos seus planos. E quando as versões são desmentidas pelos fatos, como ocorre agora, ele simplesmente muda a versão como se não tivesse dito nada. Compromisso zero com a verdade.
A primeira declaração do presidente, de que “esse vazador está prestando desserviço. Não existe no vídeo a palavra Polícia Federal, nem superintendência. Não existem essas palavras”, serviu por exemplo para sustentar a narrativa que lhe convinha, de que a pressão que exerceu na reunião dos ministros do dia 22 era sobre as falhas no esquema de segurança familiar, de responsabilidade do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e não sobre a Polícia Federal.
O ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, para reforçar a “versão oficial”, chegou a dizer, em seu depoimento à Polícia Federal, que viu o presidente olhando para Augusto Heleno, quando falou da segurança de sua família no Rio. Uma declaração bem encaixada à versão inventada pelo presidente.
Só que, apesar de afirmar que viu o presidente olhar para Heleno, o ministro Ramos, por outro lado, afirmou, no mesmo depoimento, que ouviu Bolsonaro falar na Polícia Federal. Aí, sobre essa parte da fala do general, o presidente, garantiu que houve um engano. No dia seguinte ao depoimento do ministro, Bolsonaro declarou: “o Ramos se equivocou. Mas como é reunião, eu tenho o vídeo. O Ramos, se ele falou isso, se equivocou”.
A pressão fez Ramos pedir uma retificação do depoimento. Na retificação ele disse que não se lembrava de ter ouvido o presidente falar em Polícia Federal na reunião. Augusto Heleno já tinha dito em seu depoimento que também não se lembrava de ter ouvido a palavra Polícia Federal na reunião.
Em nota, a defesa de Sergio Moro protestou e disse ter sido surpreendida com a petição da AGU, de que só a parte transcrita fosse levada em consideração e divulgada.
“A transcrição parcial revela disparidade de armas, pois demonstra que a AGU tem acesso ao vídeo, enquanto a defesa de Sergio Moro não tem. A petição contém transcrições literais de trechos das declarações do presidente, mas com omissão do contexto e de trechos relevantes para a adequada compreensão do que ocorreu na reunião –inclusive, na parte da ‘segurança do RJ’, do trecho imediatamente precedente”, disse.
Apesar de protestar pelo fato da AGU ter tido acesso unilateral ao vídeo, a defesa de Moro afirmou que a transcrição e os fatos que se sucederam confirmam as denúncias do ex-ministro. “De todo modo, mesmo o trecho literal, comparado com fatos posteriores, como a demissão do diretor-geral da PF, a troca do superintendente da PF e a exoneração do ministro da Justiça, confirma que as referências diziam respeito à PF e não ao GSI. A transcrição parcial busca apenas reforçar a tese da defesa do presidente, mas reforça a necessidade urgente de liberação do vídeo na íntegra”, completou a nota, assinada pelo advogado Rodrigo Rios.
Realmente houve, durante um certo tempo, uma insatisfação da família Bolsonaro com a atuação do GSI e da Agência Brasileira de Informação (Abin). No episódio do tráfico de cocaína no avião presidencial, em julho de 2019, Carlos Bolsonaro criticou publicamente, através de suas redes sociais, a atuação do GSI. Nesta época, segundo o ex-ministro Gustavo Bebianno, Carlos Bolsonaro informou a ele e ao general Santos Cruz que iria montar uma “Abin paralela” porque não confiava na estrutura oficial. Estava infiltrada de esquerdistas, disse ele.
Pouco tempo depois, em agosto daquele mesmo ano, após as demissões de Babianno e Santos Cruz, ambos alvejados pelo “gabinete do ódio”, comandado pelo filho do presidente, seu grande amigo, Alexandre Ramagem, que tinha sido levado para u cargo de assessoria dentro do Planalto por Bolsonaro, assume a chefia da Abin.
O plano agora era controlar as duas estruturas, a Abin e a Polícia Federal. Deixar um braço direito de Ramagem na direção da Abin e deslocá-lo para a direção-geral da Polícia Federal. Por isso a pressão na reunião era sobre Moro e não sobre Augusto Heleno. Por isso que as trocas foram feitas na PF e no Ministério da Justiça e não no Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e na segurança da família presidencial.
Ramagem só não assumiu a PF porque Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), atendeu a um pedido de liminar do PDT e barrou a nomeação. Mesmo assim, o braço direito da Remagem, Rolando Souza, seu vice na Abin, foi indicado por Bolsonaro. E a primeira coisa que ele fez foi mudar a direção da PF do Rio de Janeiro. Como dissemos, Bolsonaro nunca escondeu que queria controlar a PF do Rio.