MAMEDE SAID (*)
O Brasil é hoje um pandemônio político. À crise sanitária oriunda da Covid-19, com os mortos que se multiplicam a cada dia, soma-se o atrito entre os Poderes da República, a crise econômica e social que se acentua, as agressões à imprensa, a tentativa de controlar politicamente instituições de Estado como a Polícia Federal, a horda de fascistas que pede intervenção militar e a volta do AI-5 – e ainda monta acampamento em Brasília dizendo que tem como propósito “invadir o STF e o Congresso” (e escarnece dizendo que possui armas) etc. etc.
No centro das polêmicas, como maior responsável pelo achincalhe à Constituição e ao convívio democrático está Jair Bolsonaro, que com seu despreparo e belicosidade cria brigas diárias – ora com o Congresso, ora com o STF, ora com os governadores, ora com a OMS, ora com seus próprios ministros. Intempestivo e instável, o presidente é incapaz de assumir a posição de liderança que vimos outros governantes adotar no combate à pandemia que aflige todo o planeta. Todos os dias, Bolsonaro abre atritos desnecessários, fala asneiras à porta do Palácio da Alvorada e em suas lives “dirigidas” pelos filhos, anuncia remédios milagrosos de forma irresponsável, joga por terra toda a liturgia que deveria pautar a função que ocupa.
Nesse quadro caótico, o que faz o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão? Escreve um artigo em tom desafiador no qual alerta para o perigo do “caos”, critica a “polarização” e os governadores, a “usurpação de prerrogativas do Poder Executivo”, a “maneira desordenada como foram decretadas as medidas de isolamento social”, o “prejuízo à imagem do Brasil” decorrente, segundo ele, de manifestações de personalidades que se sentem “inconformadas” com o resultado das eleições de 2018. Sobre o presidente que todo dia cria confusão e instabilidade, nenhuma palavra. A culpa é do Legislativo, do STF, da imprensa, dos que foram derrotados pela chapa Bolsonaro/Mourão. Ora, francamente! Se o vice-presidente não pode, publicamente, tecer críticas ao presidente trapalhão, que fique então em silêncio. Se, por outro lado, não reconhece que Bolsonaro é o busílis do caos no qual estamos mergulhados, então não há mesmo como ele ser artífice de qualquer entendimento ou diálogo com os que pensam diferente.
Com seu artigo, Mourão acabou por se equiparar a Bolsonaro nos reclamos e queixas que acreditávamos que eram só fantasia do presidente e dos seguidores de Olavo de Carvalho. É muito ruim que faltem interlocutores no lado governista. Pior ainda é saber que não há quem seja capaz de aconselhar Bolsonaro e reconheça a necessidade de frear seu ânimo autoritário e desagregador. Nossa jovem democracia merecia lideranças e homens públicos de maior envergadura e espírito público…
(*) Diretor da Faculdade de Direito da UnB