Cada pessoa infectava outras 3,5 no início da pandemia. Depois das medidas de isolamento, cada pessoa infecta outras 1,4 pessoas, segundo o pesquisador. Índice caiu mas ainda é considerado alto
Quando o novo coronavírus chegou ao país, em 26 de fevereiro, cada pessoa que o contraía passava a doença para outras 3,5, em média. Depois das primeiras medidas de isolamento social, em 23 de março, o número caiu para 1,9. Agora, com mais estados promovendo quarentena, está em 1,4. Ou seja, cada dois brasileiros infectados transmitem o Sars-CoV-2 para outros três.
O valor é menor, mas ainda preocupante, porque alimenta um crescimento exponencial da pandemia, que dobra de tamanho a cada 9 ou 10 dias, um patamar temerário num momento em que o Brasil já tem mais de 260 mil casos. Os pesquisadores responsáveis pela estimativa são o físico nuclear Rubens Lichtenthäler Filho, professor da Universidade de São Paulo (USP), e seu filho, Daniel, médico do Hospital Israelita Albert Einstein.
Os autores publicaram na última sexta-feira (15) uma versão preliminar de seu estudo no portal MedrXiv.
Para chegar aos números, os dois trabalharam essencialmente com dados oficiais. Eles afirmam que as datas-chaves identificadas na análise coincidem com momentos em que estados implementaram medidas mais duras de isolamento.
“A gente sabe que o impacto que a gente está vendo é o de medidas progressivas de distanciamento social ao longo do tempo”, diz Daniel.
O foco dos pesquisadores na taxa de reprodução básica – tradicionalmente representada em estudos de epidemiologia pela variável R0 – se justifica porque ela é essencial para entender o futuro da pandemia, mesmo não sendo o único parâmetro necessário para isso.
Em Epidemiologia, chamamos de R0 a capacidade de contágio de um micro-organismo. Pode ser dito que uma doença infecciosa se torna endêmica quando, em média, cada pessoa infectada está infectando exatamente uma outra pessoa (em termos matemáticos, R0=1).
Um número maior que 1 (R0>1) irá fazer com que o número de pessoas infectadas cresça exponencialmente e, dessa forma, haverá uma epidemia. Por outro lado, qualquer número menor que 1 (R0<1) levará à eliminação da doença. No caso desta pandemia (epidemia com espalhamento global), o R0 é de aproximadamente 3, ou seja, cada pessoa infecta três, que infecta mais três e assim por diante, em escala exponencial.
Quando se sabe o número de leitos disponíveis numa cidade, determinar a R0 ajuda a prever quando a capacidade excede. Quando se sabe o número total de pessoas infectadas numa população, é possível calcular em tese o momento em que será atingida a “imunidade de rebanho”, que é a porcentagem de pacientes recuperados/imunizados alta o suficiente para impedir o crescimento da epidemia.
O problema, porém, é que o Brasil não sabe com precisão ainda a parcela de sua população que já foi infectada. E, qualquer que ela seja, o pico da pandemia parece estar ainda distante. Estudos que buscam a prevalência da doença por amostragem — como em pesquisas eleitorais — ainda estão em andamento. Na avaliação dos Lichtenthäler, tentar determinar quando será o pico sem essa informação em mãos é muito difícil.