Na Internet, parece, alguém escreveu – ou falou – que Hitler se apresentava, na Alemanha, como “médico do povo”.
Seria, portanto, um antecessor direto de Bolsonaro, na sua obsessão por enfiar cloroquina pela boca dos brasileiros, algo muito mais nocivo e perigoso do que o óleo de rícino que os camisas pretas de Mussolini, sem pretensões médicas, forçavam pela garganta de quem não se submetia ao fascismo.
Pelo menos cinco amigos me telefonaram ou enviaram mensagens – maldita Internet! – perguntando se era verdade que Hitler se apresentava como “médico do povo”.
Bem, leitores, não foi bem assim. Mas foi quase isso.
Hitler era um sujeito muito ignorante, um bandido e um psicopata assassino (como, aliás, disse, também, Mussolini, em conversa com seu genro, Conde Ciano; apesar disso, Mussolini, após a derrota da França, apoiou Hitler na guerra, pois, disse ele a Ciano, “a Alemanha vencerá” a Guerra Mundial…).
Apesar disso, Hitler não era tão imbecil quanto Bolsonaro.
A frase “Hitler é o médico do povo alemão” não é dele. Foi dita por Bernhardt Rust, ministro da Educação da Alemanha nazista.
Esse Rust, lembra o historiador francês Eric Michaud, tomou algumas providências muito importantes para o ensino alemão. Por exemplo, instituiu o “Heil Hitler!” como obrigatório para os estudantes dentro e fora da escola:
… Erika Mann, citada por Michaud, relata que ‘O jovem alemão […] fazia a saudação hitlerista de cinquenta a 150 vezes por dia: ao deixar a casa familiar de manhã saudava com um “Heil Hitler!” o “chefe da célula” com quem cruzavam na escada, seus camaradas encontrados na rua e o fiscal do bonde; repetia essa mesma saudação transformada em lei com seus professores, no começo e no fim de cada hora de curso, com o padeiro ou com o dono da papelaria à saída da escola, com seus pais quando voltava na hora do almoço.
… sua saudação por Hitler, o ‘médico do povo alemão’, o Salvador da Alemanha cuja ‘visão’ ou ‘ideia’ do Reich eterno e puro um dia se tornaria realidade’, aquele que não a correspondesse estava sujeito a delação e consequente punição, visto isto ser considerado um grave delito. Ninguém encontrava-se a salvo, pais e demais familiares, professores, todos estavam sujeitos à denúncia. O perigo de delação se fazia tão presente, que os professores viviam em constante estado de vigilância, e não apenas em relação a saudação nazista, mas também, em suas falas durante as aulas. Esse temor era plenamente justificado” (cit. in Cleri Aparecida Brandt, “Regime nazista: as teorias ideológicas e educacionais moldando a formação do indivíduo nazi”, UNESP, Rio Claro, 2011).
Vejamos o testemunho de alguém que estava lá, o jornalista norte-americano William L. Shirer, autor de “Ascensão e Queda do Terceiro Reich”.
O trecho abaixo foi extraído do primeiro volume da obra (Editora Civilização Brasileira, 5ª edição, 1967, pp. 369-381).
A tradução é de Pedro Pomar.
Vejam só como o ministro da Educação do Hitler era parecido com o Weintraub.
(CARLOS LOPES)
A Educação no Terceiro Reich
WILLIAM L. SHIRER
A 30 de abril de 1934, Bernhardt Rust, um Obergruppenführer das S.A., antigo Gauleiter de Hanôver, membro do Partido Nazista e amigo de Hitler desde o início da década dos vinte, foi nomeado Ministro da Ciência, Educação e Cultura Popular do Reich.
No mundo bizarro e em desordem do Nacional-Socialismo, Rust estava precisamente talhado para a missão. Desde 1930 havia sido um mestre-escola provincial desempregado, demitido naquele ano pelas autoridades republicanas de Hanôver por algumas manifestações de debilidade mental, embora seu fanatismo pelo nazismo tenha sido em parte responsável por sua destituição. Pois o Dr. Rust preconizava o evangelho nazista com o ardor de um Goebbels e a confusão de um Rosenberg. Nomeado ministro de Ciência, Arte e Educação da Prússia, em fevereiro de 1933, ele alardeava que conseguira da noite para o dia “a liquidação da escola como instituição de acrobacia intelectual”.
A um homem dessa indigência intelectual confiava-se agora o controle ditatorial da ciência, das escolas públicas, das instituições de altos estudos e das organizações juvenis.
O desprezo de Hitler pelos “professores” e pela vida acadêmica intelectual pontilhava as páginas de Minha Luta, nas quais ele lançara suas ideias sobre educação. “A educação total por um Estado nacional” escreveu, “não deve primordialmente visar a transmitir o simples conhecimento, mas a construir corpos que sejam fisicamente saudáveis até a medula”. Mas, de maior importância ainda, acentuou no seu livro a significação de atrair e depois treinar a juventude para o serviço “de um novo Estado nacional”. Voltou a esse tema frequentemente depois que se tornou ditador. “Quando um adversário afirma ‘não desejo ir para o vosso lado’”, disse num discurso, a 6 de novembro de 1933, “digo, calmamente, vossos filhos já nos pertencem (…) Que representais? Haveis de seguir vosso caminho. Vossos descendentes, entretanto, encontram-se agora no novo campo. Brevemente eles nada conhecerão além da nova comunidade”. E a 1° de maio de 1937, declarou: “O novo Reich não entregará sua juventude a ninguém, mas toma-la-á e lhe dará sua própria educação e criação”. Não era vã presunção, e sim precisamente o que vinha acontecendo.
As escolas alemãs, do primeiro grau até as universidades, foram rapidamente nazificadas. Os manuais foram reelaborados precipitadamente, os currículos modificados, Minha Luta [“Mein Kampf”, o livro de Hitler] convertida — nas palavras do Der Deutsche Erzieher, órgão oficial dos educadores — em “nossa infalível estrela polar pedagógica”. E os professores que não conseguissem ver a nova luz eram postos na rua. A maioria dos docentes era constituída de nazistas nos sentimentos, quando não diretamente membros do partido. Para fortalecer sua ideologia, foram enviados a escolas especiais de treinamento intensivo nos princípios nacional-socialistas, nos quais eram destacadas as doutrinas raciais de Hitler.
Todos os professores de profissão, desde os jardins-de-infância até as universidades, eram obrigados a associar-se à Liga dos Professores Nacional-Socialistas. Pela lei, ela era “responsável pela execução da coordenação ideológica e política de todos os professores, de acordo com a doutrina nacional-socialista”. A Lei do Funcionalismo Civil, de 1937, exigia que os professores fossem “os executores da vontade do partido apoiado no Estado” e prontos, “a qualquer momento, a defender sem reservas o Estado nacional-socialista”. Um decreto anterior os classificara como servidores civis e dessa forma sujeitos às leis raciais. Os judeus, evidentemente, eram proibidos de ensinar. Todos os professores prestavam o juramento “de serem leais e obedientes a Adolf Hitler”. Depois, ninguém poderia ensinar sem que tivesse primeiro servido nas S.A., na Cooperação de Trabalho ou na Juventude Hitlerista. Os candidatos a professores nas universidades tinham de aguardar durante seis semanas num campo de observação, onde suas opiniões e seu caráter eram estudados por técnicos nazistas e depois apresentados ao Ministério da Educação, que emitia as licenças para ensinar, com base na confiança política dos candidatos.
Antes de 1933, as escolas públicas alemãs estavam sob a jurisdição das autoridades municipais e as universidades dos Estados, separadamente. Agora todas ficavam sob a direção de ferro do ministro da Educação do Reich, que também indicava os reitores e decanos das universidades, os quais eram formalmente eleitos por todos os professores das faculdades. Ele também designava os dirigentes das uniões estudantis universitárias, às quais todos os estudantes deviam pertencer, das uniões de lentes, que abrangiam todos os professores. A Associação Nacional-Socialista dos Lentes Universitários, sob a firme liderança dos elementos nazistas antigos, tinha um papel decisivo na seleção de quem devia ensinar e na verificação de se o ensino ministrado estava de conformidade com as teorias nazistas.
O resultado de semelhante nazificação foi catastrófico para a educação e o ensino alemães. A história foi tão falsificada nos manuais e pelos professores, em suas aulas, que chegou a ficar ridícula. O ensino das “ciências raciais”, exaltando os alemães como raça dominadora e apresentando os judeus como causadores de quase todos os males existentes no mundo, era mais ridículo ainda. Só na Universidade de Berlim, onde tão grandes sábios haviam ensinado no passado, o novo reitor, elemento das tropas de assalto e veterinário de profissão, instituiu 25 novos cursos de Rassenkunde — ciência da raça — e, na época em que tomou realmente a direção da universidade, criara 86 cursos relacionados a sua própria profissão.
O ensino das ciências naturais, no qual a Alemanha durante gerações ocupara lugar proeminente, deteriorou-se rapidamente. Grandes mestres, tais como Einstein e Frank, na física, Haber, Willstatter e Warburg, na química, foram despedidos ou se afastaram. Dos que permaneceram, muitos deles se entusiasmaram pelas aberrações nazistas e tentaram aplicá-las à ciência pura. Começaram a ensinar o que denominavam de física alemã, química alemã, matemática alemã. Realmente em 1937, surgiu uma revista chamada Deutsche Mathematik. E seu primeiro editorial proclamava solenemente que qualquer ideia que julgasse a matemática não racialmente conduzia “dentro de si os germes da destruição da ciência alemã”.
As alucinações desses cientistas nazistas eram inacreditáveis, mesmo para um leigo. “Física alemã?”, perguntava o professor Philipp Lenard, da Universidade de Heidelberg, que era um dos mais ilustres e internacionalmente respeitados cientistas do Terceiro Reich. “Mas”, se responderia, “a ciência é e continua universal”. “Isto é falso. Na verdade, a ciência, como toda e qualquer criação humana, é racial e condicionada pelo sangue.” O professor Rudolphe Tomaschek, diretor do Instituto de Física de Dresden, foi mais longe. “A física moderna”, escreveu, “é um instrumento [do mundo] judaico para a destruição da ciência nórdica (…) A verdadeira física é produto do espírito alemão (…) Na realidade, toda a ciência europeia é criação do ariano, ou melhor, do pensamento alemão”.
O professor Johannes Stark, chefe do Instituto Nacional Alemão de Ciências Físicas, também assim julgava. Pode-se verificar, dizia, que os “fundadores das pesquisas na física, e os grandes descobridores, de Galileu e Newton até os pioneiros da física moderna, foram quase exclusivamente arianos, predominantemente da raça nórdica”.
Havia também o professor Wilhelm Müller, do Colégio Técnico de Aachen, que viu, num livro intitulado O judaísmo e a ciência, uma conspiração mundial dos judeus para conspurcar a ciência e, com isso, destruir a civilização. Einstein, com sua teoria da relatividade, era para ele o maior dos patifes. A teoria de Einstein, sobre a qual se baseia grande parte da física moderna, era, para esse singular professor nazista, “do começo ao fim, algo que tinha por objetivo transformar o mundo vivo — isto é, não judeu —, o mundo constituído de coisas vivas, nascido da mãe natureza e feito de sangue, e enfeitiçá-lo com uma abstração espectral em que todas as diferenças entre povos e nações e todos os limites raciais estão perdidos na irrealidade, e na qual apenas uma insubstancial diversidade de dimensões geométricas sobrevive, produzindo tudo e todos da compulsão de sua ímpia sujeição e leis”. O professor Müller proclamou que a aclamação mundial tributada a Einstein, pela publicação de sua teoria da relatividade, não era mais que um regozijo pelo “próximo domínio do mundo pelo judaísmo, que visava submeter a gente alemã irremediável e eternamente à condição de impotente escravidão”.
Para o professor Ludwig Bieberback, da Universidade de Berlim, Einstein era “um charlatão estrangeiro”.
Ainda para o professor Lenard, “o judeu evidentemente não tem capacidade de compreender a verdade (…) sendo neste sentido o oposto à pesquisa científica ariana com sua atenta e séria procura da verdade (…) A física judaica é, pois, um fantasma e um fenômeno de degenerescência da física fundamental alemã”.
Entretanto, de 1905 até 1931, dez judeus alemães haviam sido agraciados com o Prêmio Nobel por suas contribuições à ciência.
Durante o Segundo Reich [o Império do Kaiser, encerrado com a derrota alemã na I Guerra Mundial] os professores universitários e o clero protestante apoiaram cegamente o governo conservador e seus propósitos expansionistas, e as salas de aulas se transformaram em fonte de virulento nacionalismo e antissemitismo.
A República de Weimar insistiu na completa liberdade acadêmica, e uma das consequências disso foi que a vasta maioria dos professores universitários, antiliberais, antidemocráticos, antissemitas, como eram, ajudaram a minar o regime democrático. A maioria dos professores constituía-se de nacionalistas fanáticos, que desejavam a volta da Alemanha monárquica e conservadora. E embora para muitos deles os nazistas fossem muito arruaceiros e violentos para ganhar sua confiança, suas prédicas facilitaram a preparação do terreno para a subida do nazismo. Em 1932, a maioria dos estudantes parecia entusiasmada por Hitler.
Para alguns é surpreendente o fato de tantos membros das faculdades universitárias se terem submetido à nazificação do ensino superior depois de 1933. Apesar de as cifras oficiais apontarem como sendo de 2.800 o número de professores e instrutores demitidos durante os primeiros cinco anos do regime — perto de um quarto do total —, a proporção dos que perderam seus postos, por terem desafiado o nacional-socialismo, foi “excessivamente pequena”, como disse o professor Wilhelm Ropke, ele próprio demitido da Universidade de Marburg, em 1933. Embora poucos, havia nomes famosos no mundo acadêmico alemão: Karl Jaspers, E. I. Gumbel, Theodor Litt, Karl Barth, Julius Ebbinghaus e uma dúzia de outros. A maioria deles emigrou, a princípio para a Suíça, Holanda e Inglaterra, e posteriormente para os Estados Unidos. Um deles, o professor Theodor Lessing, que fugiu para a Tchecoslováquia, foi descoberto pelos assassinos nazistas e morto em Marienbad, a 31 de agosto de 1933.
Uma grande maioria de professores, entretanto, permaneceu em seus postos, e, ao começar o outono de 1933, uns 960 deles, liderados por sumidades como o professor Sauerbruch, o cirurgião, Heidegger, o filósofo existencialista, e Pinder, o historiador de arte, manifestaram publicamente apoio a Hitler e ao regime nacional-socialista.
“Foi um espetáculo de prostituição que manchou a honrosa história da cultura alemã”, escreveu mais tarde o professor Ropke. E como disse o professor Ebbinghaus, em 1945, rememorando os anos anteriores: “As universidades alemãs não conseguiram, enquanto ainda era tempo, opor-se publicamente, com todas as suas forças, à destruição do conhecimento e do Estado democrático. Fracassaram em conservar o facho ardente da liberdade e do direito durante a noite da tirania.”
O preço desse fracasso foi enorme. Depois de seis anos de nazificação, o número de estudantes universitários caiu mais da metade — de 127.920 a 58.325. O declínio nas inscrições para os institutos de tecnologia, de onde a Alemanha tirava seus cientistas e engenheiros, foi ainda maior — de 20.474 a 9.554. O nível acadêmico caiu assombrosamente. Por volta de 1937 ocorria não somente escassez de jovens nas ciências e na engenharia, mas também queda na qualidade. Muito antes da irrupção da guerra, a indústria química, ocupada em manter para o futuro rearmamento nazista, queixava-se, por intermédio de seu órgão, Die Chemische Industrie, que a Alemanha estava perdendo sua liderança na química. Não só a economia mas a própria defesa nacional estava em perigo, lamentava-se e responsabilizava a qualidade inferior dos colégios técnicos pela escassez de jovens cientistas e sua medíocre preparação.
A perda da Alemanha nazista, mais tarde ficou demonstrado, representou o ganho do mundo livre, especialmente na corrida pela primazia da posse da primeira bomba atômica. A história dos contínuos esforços dos dirigentes nazistas, dirigidos por Himmler, para estropiar o programa da energia atômica, é bastante longa e complexa para ser relatada aqui. É uma ironia do destino o fato de que o desenvolvimento da bomba nos Estados Unidos se devesse tanto a dois homens que foram exilados, por motivos raciais, das ditaduras nazista e fascista: Einstein, da Alemanha, e Fermi, da Itália.
Hitler não contava tanto com as escolas públicas, das quais ele próprio saíra tão precocemente, mas com organizações da Juventude Hitlerista para educar a juventude da Alemanha para as finalidades que tinha em mente. Nos anos da luta do Partido Nazista pelo poder, o movimento da Juventude Hitlerista não crescera muito. No último ano da república, em 1932, o alistamento total atingia apenas a 107.956, número insignificante quando comparado aos dez milhões de jovens pertencentes às diversas organizações unificadas no Comitê do Reich das Associações da Juventude Alemã. Em nenhum país do mundo houvera um movimento juvenil de tal vitalidade e tão numeroso como na Alemanha republicana. Hitler, compreendendo isso, estava decidido a se apoderar da juventude e nazificá-la.
Seu principal auxiliar nessa tarefa foi um simpático jovem de espírito fútil, mas de grande capacidade de direção, Baldur von Schirach, que, encantado com Hiter, aderira ao partido em 1925, com 18 anos, e que em 1931 fora nomeado líder da Juventude do Partido Nazista. Entre os arruaceiros e desfigurados camisas pardas, tinha a curiosa aparência de colegial americano, novo e imaturo. Isto talvez se devesse ao fato de ter tido, como vimos, antepassados americanos (incluindo dois signatários da Declaração da Independência).
Schirach foi nomeado “líder [führer] da Juventude do Reich Alemão” em junho de 1933. Imitando a tática dos dirigentes mais velhos do partido, sua primeira providência foi mandar um bando armado de cinquenta homens taludos da Juventude Hitlerista para ocupar a sede nacional do Comitê do Reich das Associações da Juventude Alemã, de onde um velho oficial do exército prussiano, o general Vogt, chefe do comitê, foi desbancado. Schirach em seguida enfrentou um dos mais celebres heróis navais da Alemanha, o almirante von Trotha, que fora chefe do Estado-maior da principal esquadra na Primeira Guerra Mundial e agora era presidente das Associações da Juventude. O respeitável almirante também foi posto à margem e sua posição e organização foram extintas. Propriedades no valor de milhões de dólares, representadas principalmente por centenas de pensões para jovens espalhadas por toda a Alemanha, foram confiscadas.
O acordo de 20 de julho de 1933 tinha especificamente previsto que a Associação da Juventude Católica continuaria sem obstáculos. No dia 1º de dezembro de 1936, Hitler promulgou uma lei que a bania, assim como todas as organizações de juventude não-nazistas.
(…) Toda a juventude alemã do Reich está organizada nos quadros da Juventude Hitlerista.
A juventude alemã, além de ser educada na família e nas escolas, será forjada física, intelectual e moralmente no espírito do nacional-socialismo (…) por intermédio da Juventude Hiterista.
Schirach, cujo cargo até então estava subordinado ao Ministério da Educação, tornou-se responsável diretamente perante Hitler. Tolo jovem de 29 anos, que escreveu versos sentimentais em louvor de Hitler (“este gênio que toca as estrelas”) e seguiu Rosenberg no seu estrambólico paganismo, e Streicher em seu antissemitismo virulento, convertera-se no ditador da juventude do Terceiro Reich.
Da idade de 6 a 18 anos, quando o recrutamento para a Cooperação pelo Trabalho e para o exército começava, os rapazes, tanto quanto as moças, eram organizados em várias formações da Juventude Hitlerista. Os pais julgados culpados de tentarem afastar seus filhos da organização eram submetidos a pesadas sentenças de prisão, ainda que, como em alguns casos, eles apenas objetassem terem suas filhas ido trabalhar em lugares onde casos de gravidez haviam alcançado proporções escandalosas.
De seis a dez anos, um rapaz fazia uma espécie de aprendizado para a Juventude Hitlerista, como um Pimpf. A cada jovem era fornecido um livro de registro, no qual seria anotado seu progresso durante todo o movimento da juventude nazista, inclusive seu desenvolvimento ideológico. Aos dez, depois de passar por testes consecutivos de atletismo, de acampamento e de história nazificada, recebia o grau de Jungvolk (Jovem Camarada), quando fazia o seguinte juramento:
Diante desta bandeira de sangue, que representa nosso Führer, juro devotar todas as minhas energias e forças ao salvador de nossa pátria, Adolf Hitler. Estou disposto e pronto a dar minha vida por ele, com a ajuda de Deus.
Aos 14, o rapaz entrava na Juventude Hitlerista propriamente dita e nela ficava até completar 18 anos, quando era transferido para a Cooperação pelo Trabalho e o exército. Era uma imensa organização, instituída em linhas paramilitares semelhantes às S.A. e na qual os jovens de caráter recebiam treinamento sistemático, não apenas em acampamento, esportes e ideologia nazista, mas de arte militar. Em muitos fins de semana, nos arredores de Berlim, este autor seria interrompido em seu piquenique pelos Jovens Hitleristas arrastando-se por entre as árvores e por cima das urzes, com os rifles engatilhados e mochilas de armas pesadas nas costas.
Algumas vezes as moças também deviam fazer experiências com a arte militar, pois o movimento da Juventude Hitlerista não as menosprezava. De 10 a 14 anos, as jovens alemãs eram alistadas como Jungmaedel — literalmente “jovens donzelas” —, tinham uniforme, composto de uma blusa branca, saia toda azul, meias e sapatos pesados de marcha (o mais antifeminino). Seu treinamento era como o dos rapazes da mesma idade, constando de longas marchas, nos fins de semana, com pesadas mochilas e costumeira doutrinação da filosofia nazista. Dava-se ênfase, porém, ao papel da mulher no Terceiro Reich: serem mães sadias de filhos sadios. Isto era ainda mais acentuado quando as moças se tomavam, aos 14, membros da B.D.M. — Bund Deutscher Maedel (Liga das Moças Alemãs).
Aos 18, milhares de moças da B.D.M. (elas ficavam lá até os 21) prestavam um ano de serviço nas fazendas — as denominadas Land Jahr, equivalente à Cooperação pelo Trabalho, dos rapazes. Sua tarefa consistia em ajudar tanto em casa como nos campos. Certas vezes, as moças viviam em chácaras e frequentemente em pequenos acampamentos nos distritos rurais, onde eram apanhadas por caminhões nas primeiras horas da manhã e conduzidas às fazendas. Logo surgiram problemas morais. A presença de uma bela moça da cidade algumas vezes dissolvia o lar camponês, e queixas coléricas dos pais, por causa de suas filhas terem ficado grávidas nas fazendas, começaram a ser ouvidas. Mas não foi o único problema. Comumente os acampamentos de moças eram localizados próximos aos da Cooperação pelo Trabalho, dos rapazes. Esta proximidade parece ter contribuído também para muitos casos de gravidez. Um verso — paródia do movimento “A Força pela Alegria”, da Frente do Trabalho, mas aplicada especialmente à Land Jahr, das moças, corria pela Alemanha:
Nos campos e nas charnecas
Perdi a força pela alegria
Problemas morais semelhantes surgiram também durante o Ano do Lar para Moças, no qual umas quinhentas mil moças da Juventude Hitlerista passavam um ano fazendo trabalhos domésticos num lar da cidade. Na realidade, os nazistas mais sinceros não os consideravam problemas morais. Em mais de uma ocasião ouvimos preleções das dirigentes femininas das B.D.M. — invariavelmente eram tipos muito simples e geralmente solteiras — às jovens, responsáveis pelo dever moral e patriótico de terem filhos para o Reich de Hitler: casadas, se possível, mas sem casamento, se necessário.
No fim de 1938, a Juventude Hitlerista somaria 7.728.259 membros. Apesar disto, é evidente que uns quatro milhões de jovens permaneciam fora da organização. Em março de 1939, o governo promulgou uma lei recrutando todos os jovens para a Juventude Hitlerista, nas mesmas condições em que o eram para o exército. Os pais recalcitrantes foram advertidos de que seus filhos lhes seriam tomados e colocados em orfanatos ou outros locais, caso não se alistassem.
A última escala da educação no Terceiro Reich surgiu com a criação de três tipos de escolas para aperfeiçoamento da elite: as Escolas Adolf Hitler, sob a direção da Juventude Hitlerista, o Instituto Nacional de Educação Política e os Castelos da Ordem, os dois últimos sob a égide do partido.
As Escolas Adolf Hitler recebiam os jovens mais promissores da Jungvolk, na idade de 12 anos, e os submetiam a seis de preparação intensiva para a direção do partido e dos serviços públicos. Os alunos viviam na escola sob uma disciplina espartana e depois de formados eram escolhidos para a universidade. Havia dez escolas desse tipo, fundadas depois de 1937, sendo a principal a Akademie, de Brunswick.
A finalidade dos institutos de educação política era a de restabelecer o tipo de educação antigamente ministrado nas academias militares da velha Prússia. Segundo a opinião oficial, elas cultivavam “o espírito de solidariedade, com seus atributos de coragem, sentido do dever e simplicidade”; a isso somava-se um treino especial nos princípios nazistas. As escolas encontravam-se sob a supervisão das S.S., que forneciam os seus diretores e a maioria dos professores. Três dessas escolas foram estabelecidas em 1933 e chegaram a 31 antes da irrupção da guerra. Delas, três eram para mulheres.
No topo da pirâmide achavam-se os chamados Castelos da Ordem, as Ordensburgen. Neles, com seu ambiente dos castelos dos Cavaleiros da Ordem Teutônica, dos séculos XIV e XV, era preparada a elite nazista. A ordem fora baseada no princípio da obediência absoluta ao Mestre, a Ordensmeister, e dedicada à conquista alemã das terras eslavas do Oriente e à escravização dos nativos. Os Castelos da Ordem nazistas possuíam disciplina e propósitos similares. Exclusivamente os jovens nacional-socialistas mais fanáticos eram escolhidos, em geral das mais altas fileiras de graduados das Escolas Adolf Hitler e dos institutos políticos. Havia quatro Castelos, e o estudante passava sucessivamente por todos eles. O primeiro dos seis anos era empregado numa especialização das “ciências raciais” e de outros aspectos da ideologia nazista. Acentuava-se o treinamento da mente e da disciplina, sendo a preparação física subordinada a ele. O segundo ano do Castelo era radicalmente o inverso, vindo primeiramente o atletismo e os esportes, incluindo subida de montanhas e saltos de paraquedas. O terceiro Castelo, onde os estudantes passavam aproximadamente um ano e meio, proporcionava instrução política e militar. Finalmente, no quarto e último estágio de sua educação, ficavam perto de ano e meio na Ordensburg de Marienburg, na Prússia Oriental, junto da fronteira polonesa. Aí, dentro das paredes do próprio Castelo da Ordem, que fora uma fortaleza dos Cavaleiros Teutônicos há cinco séculos, sua preparação política e militar se concentrava na questão oriental e na necessidade (e direito!) da Alemanha de expandir-se para as terras eslavas, na sua eterna luta pelo Lebensraun. O que mais tarde revelou ser um excelente preparo para os acontecimentos de 1939 e dos anos seguintes.
Assim eram preparados, no Terceiro Reich, os jovens para a vida, para o trabalho e para a morte. Apesar de suas mentes terem sido envenenadas, seu curso escolar interrompido, seus lares abandonados enquanto eram educados, os rapazes e as moças, homens e mulheres, jovens, pareciam imensamente felizes, cheios de amor pela vida, na Juventude Hitlerista. Não há dúvida de que a prática de reunir as crianças de todas as classes e fazê-las passar a vida em comum, onde as que tivessem vindo da pobreza ou da aristocracia partilhavam das mesmas tarefas, era boa e sadia em si mesma. Em muitos casos não havia mal em que um rapaz ou moça da cidade passassem seis meses obrigatoriamente na Cooperação pelo Trabalho, onde viviam fora de casa e aprendiam o valor do trabalho manual e da companhia dos que ocupavam diferentes posições. Ninguém que viajasse por toda a Alemanha, naqueles dias, e conversasse com os jovens em seus acampamentos e observasse seu trabalho, seus jogos e canções, podia deixar de verificar que, apesar do ensino pernicioso, havia ali um movimento da juventude tremendamente dinâmico.
O jovem no Terceiro Reich crescia para ter corpo forte e sadio, fé no futuro de sua pátria e em si mesmo e um sentido de solidariedade e camaradagem que destroçasse todas as barreiras sociais e econômicas. Pensei a este respeito, nos dias de maio de 1940, quando ao longo da estrada de Aachen a Bruxelas se verificava o contraste entre os soldados alemães, de pele bronzeada e limpa, de uma juventude que vivia ao sol e com uma alimentação adequada, e os primeiros prisioneiros de guerra britânicos, de peitos encovados, ombros encurvados, a cor pálida e dentes estragados — exemplos trágicos de juventude que a Inglaterra negligenciara tão irresponsavelmente no período entre as duas guerras.