Pela segunda vez em poucos dias, o Twitter – que o próprio Trump transformou no seu principal canal de desinformação, desorientação e manipulação de sua base eleitoral e desavisados em geral -, aplicou sobre o presidente bilionário suas recém aperfeiçoadas normas de convivência e apego aos fatos.
No episódio anterior, duas postagens mentirosas de Trump de que o voto pelo correio, que é comum nos EUA há muitos anos, seria “fraudulento” foram marcadas com uma interrogação azul e questionadas, com o leitor sendo convidado a se informar sobre a questão em fontes abalizadas, por meio de um link.
Trump havia postado que “caixas de correio serão roubadas, as cédulas serão falsificadas e até impressas ilegalmente e assinadas de forma fraudulenta”.
Trump, que fez das redes sociais, dos robôs, das fake news e do manual da Cambridge Analytical seu modo de vida pública, e sem o qual sua reeleição fica bastante prejudicada, ficou furibundo e anunciou que vai acabar com essa história de que suas mentiras, difamações, exageros e deformações sejam conferidas ou desmascaradas.
Apesar de todos os escândalos seguidos com gabinetes de ódio, ‘fazendas’ de robôs e apologia das coisas mais bizarras envolvendo sua trupe, Trump vive trombeteando que são as “vozes conservadoras” que estariam sendo “silenciadas” nas redes sociais.
E por ordem executiva, mandou agências federais analisarem formas de alterar regra sobre as redes sociais em vigor desde 1996, para que possam ser devidamente pressionadas a fazerem exatamente o que ele quiser.
Com os protestos desencadeados pelo assassinato do cidadão negro George Floyd por um policial racista, Trump voltou à carga, para atacar as manifestações e pressionar o governador democrata de Minnesota e o prefeito democrata de Minneapolis.
“… Esses bandidos estão desonrando a memória de George Floyd, e eu não permitirei que isso aconteça. Acabei de falar com o governador Tim Walz e disse a ele que o Exército está pronto. Qualquer dificuldade e assumiremos, mas, quando os saques começam, os tiros começam. Obrigado!”.
Apesar do evidente cinismo de um xenófobo de quatro costados e supremacista branco manjado se arvorar em falar em nome da memória de um cidadão negro assassinado por policiais brancos racistas, a poucos meses da eleição Trump não iria deixar passar em branco a oportunidade de taxar líderes democratas de “frouxos” e animar as bases dele, prometendo restaurar a “ordem” a tiros.
Mas a vontade de dar tiro saiu pela culatra. Simplesmente, em plena comoção nos EUA por mais um negro desarmado assassinado balbuciando “não consigo respirar”, a frase tuitada por Trump não é dele, mas plágio de uma célebre ameaça, de um chefe de polícia racista de Miami, em 1967, no auge da luta pelos direitos civis, prometendo acabar a tiros com os então chamados “distúrbios” raciais.
Quarenta anos depois, “quando os saques começam, os tiros começam”: uma ameaça direta de mandar soldados balearem manifestantes, o que foi amplamente percebido no país inteiro.
A postagem de Trump foi marcada pelo Twitter e agora só pode ser lida clicando em um aviso que diz: “este tweet violou as regras do Twitter sobre glorificar a violência”. E continua: “no entanto, o Twitter concluiu que pode ser do interesse público que o tweet permaneça acessível”.
O Twitter indicou que agiu no tuíte de Trump “no interesse de impedir que outros sejam inspirados a cometer atos violentos”. As pessoas ainda poderão “retuitar com comentários, mas não poderão dar ‘likes’, responder ou retuitar”.
Horas mais tarde, Trump teve de pedir penico, esclarecendo que a frase de tanta repercussão não significava “uma ameaça” – como praticamente todo mundo entendeu -, só teria sido falada como “um fato, não uma conclamação”.
“Saques levam a tiroteios, e isso porque um homem foi baleado e morto em Minneapolis”, tuitou Trump, acrescentando que “eu não quero que isso aconteça, e é isso o que a expressão postada na noite passada significa”.
A explicação pode ter convencido alguém, mas não o Twitter. Horas mais tarde, a Casa Branca repostou uma citação do controverso comentário de Trump, registrou a CNN, para notar em seguida que também essa tuitada foi marcada pelo Twitter por glorificar a violência.