“Querem tentar tirar o troglodita para quê?”, disse na reunião do Diretório Nacional do PT, na segunda-feira, 01/06
Os ataques de Lula, na reunião de segunda-feira (01/06) do Diretório Nacional do PT, à ampliação da luta pela democracia no Brasil – no momento em que Bolsonaro e sequazes agridem as instituições democráticas e querem o fechamento do STF e do Congresso – mostram que, se algum dia o povo e o país tiveram alguma importância para ele, hoje deixaram de ter, completamente.
O que interessa a Lula é a sua ambição de voltar à Presidência. O “resto” – o povo, o país, os trabalhadores – têm que estar a serviço dessa sua ambição.
Se não estão a seu serviço, então, que se danem.
Porém, a possibilidade de realizar essa ambição desaparece à medida que se amplia a frente democrática contra Bolsonaro. É isso o que faz com que Lula não consiga mais do que queixar-se de quem está contra Bolsonaro.
“As pessoas acabaram de cometer um ato ilícito, tirando uma presidente democraticamente eleita pelo povo, e aí perceberam que o troglodita que eles elegeram não deu certo. Eles agora querem tentar tirar o troglodita para quê?”
Segundo Lula, são os que votaram em Bolsonaro que querem tirá-lo da Presidência. Ele, Lula, não. Nem mesmo tem responsabilidade alguma na ascensão de algo tão tosco quanto Bolsonaro. O problema é dos outros.
Mas ele não está a favor de “tirar” Bolsonaro.
Daqui se depreende a sinceridade das proclamações do PT pelo impeachment de Bolsonaro. Mera encenação. É o chefe petista que está dizendo: “querem tentar tirar o troglodita para quê?”.
Segundo Lula, porque “há um interesse muito grande da elite brasileira em voltar a governar o país sem o PT” (ou seja, “sem Lula”, pois, como é corriqueiro, ele sempre achou, não sem uma certa razão, que era o PT).
Quanto ao que é “elite brasileira”, esse termo designa, no vocabulário luleano, quem não se submete a Lula (sobretudo quem não quer – até como profilaxia para que, depois, não haja outro Bolsonaro – que ele volte à Presidência).
Fora isso, o que é “elite” para Lula?
O Temer, o Maluf, o Eduardo Cunha, o Sérgio Cabral, o Odebrecht, o Eike, aqueles sujeitos do Friboi?
Mas esses foram os seus – e do PT – aliados…
A CLASSE? QUE CLASSE?
“Tem pouca coisa de interesse da classe trabalhadora nesses manifestos [em defesa da democracia]”, disse Lula, na segunda-feira.
A democracia, portanto, não interessa à “classe trabalhadora”.
Que “classe trabalhadora” é essa para a qual é indiferente se o país vive uma democracia ou se está sob uma ditadura fascista, obscurantista e entreguista até à servidão absoluta a desclassificados como Trump?
Para que uma ditadura, no Brasil, se não for para saquear o país, e, sobretudo, aqueles que trabalham?
Como, então, a democracia pode não interessar (ou, na expressão de Lula, ter “pouco interesse”) para os trabalhadores?
Que “classe trabalhadora” é essa?
“Classe trabalhadora” era uma ficção petista de três décadas atrás:
“… professores transformam-se em ‘trabalhadores em educação’, médicos em ‘trabalhadores em saúde’, funcionários públicos em ‘trabalhadores em administração pública’ e artistas em ‘trabalhadores em artes cênicas’. Através desse artifício desapareceram as camadas médias e a classe operária, e, em seu lugar surge, imaculada e sacrossanta, a ‘classe trabalhadora’. O que, bem analisadas as coisas, representa enorme hostilidade tanto à classe operária, quanto às camadas médias, a que pertencem” (v. HP nº 55 – dezembro/1989).
Hoje, 30 anos depois, tudo tornou-se mais simples: pode-se dizer que a “classe trabalhadora” de Lula possui um único membro: Lula.
Daí, o uso de certas expressões, na última segunda-feira:
“O PT tem que discutir com muita profundidade, para a gente não entrar numa coisa em que outra vez a elite sai por cima da carne seca, e o povo trabalhador não sai na fotografia.”
Não há muita dúvida possível sobre essa queixa de Lula: quem é o “povo trabalhador” que está ameaçado de “não sair na fotografia”?
Esse “povo trabalhador” só pode ser o próprio Lula.
Quem mais?
Tanto é assim que, quanto à “elite”, jamais ela saiu tão “por cima da carne seca” quanto no governo Lula. Desde os bancos, a Odebrecht, o Eike Batista, até o Collor, para não falar das multinacionais, essa gente, disse o próprio Lula, “nunca ganhou tanto dinheiro” (v. HP 24/12/2019, Os governos Lula e Dilma: a caminhada para o desastre).
É verdade que Dilma, Temer e Bolsonaro tentaram bater o seu recorde, mas, apesar da vontade de seus sucessores, Lula pegou um período de vacas gordas – com a transformação do país em exportador de soja e minério de ferro a preços altamente especulativos. Os outros, pegaram a rebarba do festim das commodities, pois é claro que esses preços especulativos não iriam durar muito tempo.
Que Lula haja ficado nos limites do que o setor financeiro imperialista determinava – até mesmo entregando o Banco Central a esse setor; que haja aumentado a desindustrialização do país com a primarização das exportações e uma taxa de câmbio criminosa, que subsidiava importações e atraía ondas de dólares vadios para dentro do país, desnacionalizando empresas por atacado; que o setor público, durante o governo lula, tenha entregue aos bancos, em reais corrigidos pela inflação (IPCA), +26% em juros do que o recorde anterior, do governo Fernando Henrique; que os bancos lucraram oito vezes mais no governo Lula do que no governo anterior (isto é, no governo dos tucanos), tudo isso, hoje, não é mais estranho ao leitor.
Portanto, é de um cinismo muito desenxabido a suposta preocupação de Lula com que a elite não “saia outra vez por cima da carne seca”.
Diz Lula que “o PT não é uma coisa qualquer que pode ser menosprezada. Eu vejo uma tentativa muito grande de isolar o PT, de fazer com que o PT desapareça do cenário político”.
Mas quem está menosprezando o PT, forçando o seu isolamento e colocando em risco a sua existência, é ele, Lula, ao submetê-lo exclusivamente ao seu interesse pessoal – e nada mais.
Para os democratas e patriotas deste país, seria melhor se o PT estivesse integrado na frente democrática contra o fascismo bolsonarista.
Entretanto, é exatamente isso o que Lula não quer. Aliás, quem disse isso foi ele.
E não quer porque não é em torno dele que se pode formar – e está se formando – a resistência democrática.
HISTÓRIA
Segundo a imprensa, Lula reclamou que se está querendo repetir a estratégia das “diretas-já”, que depois permitiu a eleição de Tancredo Neves, derrotando a ditadura em seu próprio colégio eleitoral – e derrubando aquele regime, que nos infelicitou durante tanto tempo.
Um belo exemplo, que apenas ressalta que entre a ditadura e Tancredo, Lula não preferiu Tancredo.
Assim como jamais aprovou nem assinou a Constituição de 1988, a Constituição que Bolsonaro, agora, tenta rasgar.
Lula e o PT não fizeram parte da frente que encerrou a ditadura – e não porque a frente não quisesse a sua participação.
Entretanto, Lula pretende repetir essa triste experiência.
Então, vejamos.
Por que Lula e o PT não apoiaram Tancredo Neves contra o então candidato da ditadura, Paulo Maluf?
O ex-deputado Airton Soares, que foi expulso do PT porque decidiu votar em Tancredo Neves, tem uma resposta insofismável: porque o candidato a presidente não era Lula, nem podia ser.
“Votei [em Tancredo Neves]”, disse o ex-deputado Airton Soares, “para evitar o Paulo Maluf, que representava o general Silvio Frota (ministro do Exército demitido em 1977 pelo presidente Geisel; o programa de Frota, que pretendia suceder Geisel, consistia na manutenção do AI-5, portanto, da ditadura baseada nas torturas e nos assassinatos de democratas; Frota tinha como um de seus ajudantes de ordem o sr. Heleno Augusto, atual ministro de Bolsonaro).
“Embora aparecesse em cena desvinculado de qualquer esquema, Maluf era o homem do Frota. O candidato do general Figueiredo, derrotado por Maluf no interior do PDS, era o coronel Andreazza, que representava a continuidade do processo de abertura política do Geisel. A vitória de Maluf era o recrudescimento do regime, a argentinização do processo brasileiro.
“[O PT], diz Airton Soares, desprezou os riscos do revés que teria ocorrido com a eleição de Maluf e Silvio Frota.
“Aquela eleição possibilitou um racha na base política de sustentação do regime e também entre os militares. Muitos deles queriam se livrar do peso da ditadura. Os militares decentes, que eram a maioria nas Forças Armadas, se incomodavam com o fato de serem vistos como algozes e torturadores. O grande trunfo do Tancredo foi a sua capacidade para costurar um acordo com esses grupos no qual o processo de abertura podia fluir normalmente” (v. “PT ignorou realidade”, diz ex-petista sobre eleição de Tancredo, OESP, 15/01/2015).
Lula e o PT, no entanto, expulsaram os deputados Airton Soares, Bete Mendes e José Eudes por se recusarem a seguir uma política que jogava água no moinho da ditadura, porque o candidato a presidente não era Lula.
Dizia o Eclesiastes – isto é, a Bíblia – que “o que foi tornará a ser, o que foi feito se repetirá; nada há de novo sob o sol” (I:9).
Porém, nesse caso, há uma novidade: em 1985, quando a ditadura caiu, ninguém no país tinha a experiência de um governo Lula.
Hoje, todos no país já viveram essa experiência – e sabem onde ela desaguou.
O que significa uma situação inteiramente diferente daquela de 35 anos atrás.
CARLOS LOPES