Com uma forte queda na arrecadação e o aumento na demanda por serviços públicos, efeitos da pandemia da Covid-19, a situação financeira dos municípios se agrava. Para a Frente Nacional de Prefeitos (FNP), só há uma saída para que os atendimentos à população não entrem em choque, “é o governo federal liberar logo a primeira parcela do auxílio financeiro aos estados e municípios”.
De acordo com a FNP, a primeira parte, de quatro parcelas, dos R$ 60 bilhões aprovados pelo Congresso Nacional em 6 de maio, já deveria estar no caixa dos estados e prefeituras no mês passado. Mas como Bolsonaro demorou quase um mês para sancionar o Projeto Lei, a primeira parcela do recurso ficou para junho.
“A demora na sanção de fato foi exagerada, porque o projeto foi aprovado no Congresso no dia 6 de maio e a sanção só ocorreu na data limite, que foi 27 de maio. Essa demora do repasse tem uma consequência muito prática: o repasse dos recursos aos municípios foi postergado em um mês. O que isso significa? A primeira parcela será paga em junho e não em maio como previa o projeto. Isto aumentou a angústia dos prefeitos porque os déficits nas contas dos municípios só aumentam e, certamente, os atrasos nos pagamentos, que já estavam acontecendo, vão ser muito maiores, o que é pior, atrapalha a economia do País”, disse o secretário-executivo da FNP, Gilberto Perre, em entrevista à Hora do Povo.
O governo diz que o recurso aos entes federados será depositado no dia 9 de junho. No entanto, desde a sanção da lei, se passaram 7 dias e até agora Bolsonaro não enviou ao Congresso Nacional a medida provisória que autoriza o crédito extraordinário de R$ 60 bilhões aos entes federados.
“Por enquanto, só são anúncios de que os recursos serão liberados. Estamos torcendo para que o pagamento seja na data que estão prometendo. Mas veja, a pandemia começou em meados de março, são três meses para começar a chegar o recurso de maneira mais focada para as grandes e médias cidades. Foi muito lento o processo de tomada de decisões, de combate à economia, com as consequências sociais e econômicas graves ocorrendo”, criticou Perre.
A FNP alerta que se a liberação demorar tanto quanto foi a sanção, os pagamentos para fornecedores e salários dos funcionários vão atrasar muito.
“O governo tem defendido muito a retomada da atividade econômica, mas a retomada da atividade só acontece na medida em que a pandemia seja adequadamente enfrentada, por exemplo, socorrendo os estados e municípios”, disse. “Estados e municípios não podem emitir papel-moeda, o único ente no país que pode emitir moeda é a União. Se não socorrer estados e municípios eles vão atrasar o pagamento de fornecedores e salários dos funcionários e a economia vai parar de girar”.
A FNP alerta para uma queda generalizada nos serviços públicos
O secretário-executivo da FNP explicou que muitos municípios já estavam em dificuldade no mês de maio.
“A situação financeira dos estados e municípios é dramática. Como é que você lida com uma pressão sobre as despesas com diminuição abrupta das receitas? Não há milagre à vista para prefeitos e governadores, uma vez que eles não podem emitir papel-moeda. A forma de financiamento dos entes subnacionais no Brasil é rolando dívida, fazendo dívida. Então, se você não tem de onde tirar dinheiro quando há aumento de dívida e diminuição da sua receita, ou seja, vai ter que atrasar o pagamento de fornecedores e o pagamento de salários. Na virada de junho, os municípios já estavam contando moedas para fazer o pagamento da folha”, declarou Perre .
Segundo dados da entidade, até o final deste ano, as cidades com 500 mil habitantes terão perdas financeiras de R$ 23,4 bilhões. Dos R$ 60 bilhões que serão disponibilizados aos entes federados, apenas R$ 23 bilhões serão distribuídos entre os 5.570 municípios.
“As ajudas que foram aprovadas até o momento são bem-vindas, mas não resolvem. Esse déficit vai se processar no tempo. Vamos ver até quando os secretários de Fazenda conseguem por meio do atraso de pagamentos de fornecedores manterem os salários em dia. Mas daqui a pouco isso vai afetar o pagamento de salários, pode ocorrer uma inadimplência generalizada dos entes subnacionais”, enfatizou.
Para o dirigente da FNP, “a saúde pública pode entrar em colapso no futuro, tendo em vista a situação atual da pandemia e pelo represamento de outras demandas que estão suspensas”. “Muito das pessoas estão precisando ir ao médico neste momento, mas estão adiando em função da pandemia. Passada pandemia a demanda continuará elevadíssima. Após o fim da pandemia, o novo momento educacional será tensionado por conta de novos critérios rígidos que serão adotados, como afastamento entre os alunos dentro das salas de aula e critérios de higiene, por exemplo”.
“Situação é dramática”
“Combine isto com uma nova demanda no sistema de saúde e educação em função do desemprego. Aqueles que estavam abrigados nos planos de saúde e aquelas famílias que mantinham seus filhos em escolas particulares, eles irão migrar para o sistema público em função da crise econômica. O sistema de transporte público de ônibus está deficitário e pode entrar em colapso nos próximos meses, uma vez que está atuando com uma baixíssima demanda e a frota colocada na rua não é proporcionalmente à diminuição da demanda, e isto pode se repetir no próximo semestre. Ou seja, não é um cenário fácil que temos daqui para frente para resolver”, avaliou Perre.
Vetos
Os prefeitos estão articulando com os parlamentares a derrubada de alguns vetos de Bolsonaro na Lei de ajuda financeira aos estados e municípios que perderam arrecadação com a crise da pandemia do novo coronavírus. Entre os dispositivos vetados está o que prevê a proibição do Tesouro Nacional de executar as garantias e contragarantias de dívidas estaduais e municipais.
O PL aprovado no Congresso suspende o pagamento de dívidas com a União e com instituições financeiras nacionais e internacionais, sendo R$ 49 bilhões através da suspensão e renegociação de dívidas com a União e com bancos públicos, e outros R$ 10,6 bilhões, pela renegociação de empréstimos com organismos internacionais, que têm aval da União.
Perre diz que os prefeitos foram surpreendidos com o veto a esse dispositivo, já que foi mais um compromisso que foi negociado no Congresso, e que contou com o apoio da base parlamentar do governo em sua aprovação.
“Estamos em um momento em que a situação fiscal está muito desequilibrada, você tem que tomar medidas para melhorar a capacidade de receita, o que é muito difícil neste momento, o cinto está apertado a onde pode, e a maneira encontrada é adiar o pagamento de dívidas, rolar as dívidas para mais adiante. Então, o Executivo, ao invés de facilitar esta possibilidade, o que ajudaria a aliviar estados e municípios, complica ao vetar o dispositivo e torna essa situação mais difícil, especialmente para negociar as dívidas com organismos internacionais”.
“Com a Caixa Econômica Federal, que os prefeitos têm uma quantidade de volume de contratos, nós ainda aguardamos uma regulamentação, um esclarecimento por parte do governo, para que sejam suspensas essas parcelas nos próximos meses. Porém, o texto foi aprovado no Congresso em 6 de maio, e a pandemia está aqui há 3 meses, já deu tempo para o governo ter visto isto, não foi uma surpresa para o governo a aprovação do projeto, já deveria ter ajeitado essa regulamentação do aditamento de contratos de estados e municípios, mas infelizmente isto não foi feito”, lamentou.
Renúncia de ações ajuizadas na Justiça contra a União está sendo questionada no STF
O governo está exigindo dos entes federados declarações de renúncia de ações contra a União após o dia 20 de março tendo como motivo, direta ou indiretamente, a pandemia. Essa foi uma das principais exigências do governo nas negociações no Congresso para que estados e municípios recebam a ajuda financeira. Diante da urgência de socorrer os entes federados em dificuldades, este dispositivo foi aprovado no Projeto de Lei. Cerca de 3.600 municípios já enviaram as declarações informando que desistiram ou não ajuizaram contra a União a respeito do tema.
Conforme a Lei Complementar 173/2020, os entes federados têm até o próximo domingo para enviar tais declarações ao Tesouro, e quem não enviar ficará sem receber os recursos dos auxílios.
O partido Rede Sustentabilidade entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) afirmando que “as contrapartidas estabelecidas pelos parágrafos 6º do art. 2º e 7º do art. 5º não têm natureza financeira, e violam o direito ao devido processo legal, de acesso à justiça e de ação dos entes federativos, em desacordo com a Constituição Federal”.
ANTONIO ROSA