
Procuradores-gerais de oito estados do Nordeste entraram com ação no Supremo Tribunal Federal pedindo a suspensão do corte de recursos do programa Bolsa Família para serem utilizados em publicidade do governo federal.
O Ministério Público (MP) também apresentou ao Tribunal de Contas da União (TCU) representação pedindo a suspensão do remanejamento da verba do programa para a Secretaria Especial de Comunicação da Presidência (Secom).
A transferência foi determinada em portaria do Ministério da Cidadania, publicada no Diário Oficial do dia 2 de junho, e especifica o corte de 83,9 milhões do Bolsa Família exclusivamente da região Nordeste.
430 MIL FAMÍLIAS ESPERAM NA FILA
A justificativa do governo é a de que a maior parte das famílias inscritas Bolsa Família recebeu, em abril, o auxílio emergencial de R$ 600. Todos os inscritos no Bolsa Família foram automaticamente incluídos no programa do auxílio, passando assim a receber os R$ 600 por não poder acumular os dois benefícios. Segundo o governo, isso teria gerado uma “sobra” nos recursos do programa.
No entanto, governadores e parlamentares da região denunciam que ainda há uma fila de 430 mil famílias que esperam ser atendidas pelo programa Bolsa Família. “O Bolsa Família vem sendo reduzido sistematicamente, sobretudo nas regiões mais pobres como Norte e Nordeste, onde a fila de espera para recebimento do benefício chega a mais de 400 mil famílias”, afirmou o deputado federal José Guimarães (PT-CE).
Em uma live, realizada na quinta-feira, 4, Bolsonaro admitiu que há fila de espera, mas disse que isso não é problema, pois essas pessoas estariam recebendo o auxílio emergencial. “Quando é que vocês vão aprender… Não vão aprender, vou cansar de falar aqui, a ter vergonha na cara? Fazer uma matéria decente? Vocês podem até falar ‘tem tantos na fila, mas foram contemplados com auxílio emergencial de R$ 600”.
Para o procurador de Contas do TCU, Lucas Rocha Furtado, o argumento é questionável devido às inúmeras dificuldades encontradas por milhões de brasileiros que não conseguiram obter o benefício. Com isso, sem o Bolsa família e sem o auxílio, milhares de famílias estão sem qualquer assistência.
CORTES
Na ação, os procuradores-gerais do Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Maranhão, Ceará, Paraíba e Piauí pedem que o governo justifique a concentração dos cortes no programa especificamente na região Nordeste e recomponha o valor transferido para a Secom. Segundo cálculos dos governos, o valor de R$ 83,9 milhões poderia atender a cerca de 70 mil famílias carentes.
De acordo com liminar do ministro do STF Marco Aurélio Mello, de 23 de março, todos os cortes do programa estão suspensos enquanto durar a pandemia do coronavírus. Em sua decisão, o ministro também determinou que a União disponibilize dados que justifiquem a concentração de cortes de benefícios na região Nordeste, exigindo “tratamento isonômico em relação aos beneficiários dos demais entes federados”.
“Esses dados nunca foram apresentados pelo governo federal e agora nos deparamos com essa transferência de recursos do programa para a publicidade. Pedimos que o STF determine que a União faça a recomposição dos R$ 83,9 milhões ao Bolsa Família e disponibilize os dados que justifiquem a concentração de cortes no programa no Nordeste, além de explicar por que os cortes continuam ocorrendo a despeito da liminar do ministro Marco Aurélio Mello”, afirma o procurador-geral do Estado de Pernambuco, Ernani Medicis.
“É inadmissível o desrespeito à ordem do ministro Marco Aurélio, para que fosse explicada pelo Governo Federal a odiosa concentração no Nordeste dos cortes dos benefícios do Bolsa Família. A decisão do ministro do STF também determinou que a população nordestina tivesse tratamento isonômico em relação aos beneficiários dos Estados de outras regiões. Não fosse a flagrante iniquidade da postura do Governo Federal, assombra o conteúdo da recente Portaria do Ministério da Fazenda que anula a dotação de quase R$ 84 milhões do Bolsa Família, transferindo, abrindo crédito para o Governo Federal gastar em comunicação institucional”, afirmou o procurador-geral do Estado da Bahia, Paulo Moreno Carvalho.
Para o procurador do TCU, existem ainda “outros atos e fatos que mostram a política discriminatória do atual governo em relação ao Nordeste brasileiro”, que estão sendo apurados no TCU. Furtado vê “aparente voluntarismo em penalizar apenas a Região Nordeste”, e afirma que, se confirmado, isto seria “flagrante desvio de finalidade pública”.
“Parece nítido o atentado ao princípio da moralidade quando se remaneja recursos destinados à segurança alimentar de famílias nordestinas em extrema pobreza para a realização de publicidade institucional da Presidência da República”, diz o procurador.
O corte de recursos de um programa social que atende as pessoas mais vulneráveis, no momento da pandemia do coronavírus, em que milhões de famílias perderam renda e muitas não têm nem o mínimo para sobreviver, é completamente descabida e injustificável.
Ainda mais se esta transferência for para um órgão que, como a Secom, está sendo investigado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Fake News, do Congresso Nacional, que identificou uso político da secretaria, que alocou mais de dois milhões de anúncios do governo federal em sites de notícias falsas, investimentos ilegais e pornografia.