Depois de dezenas de milhares de pessoas participarem na véspera da inauguração da “Black Lives Matter Plaza”, e antes que vire moda a Casa Branca ficar sitiada por multidões, o presidente Donald Trump anunciou neste domingo (7) a retirada das tropas federais da capital, Washington, menos de uma semana depois de prometer “dominar” os protestos no país inteiro chamando os militares “fortemente armados” sob a folha de parreira de uma lei de 1807.
Foram imagens históricas no sábado: a multidão se espalhando do Memorial de Lincoln ao Capitólio, e a Black Lives Matter Plaza apinhada de gente, bradando “diga o nome dele: George Floyd” e “Sem Justiça, Sem Paz”.
A retirada das tropas de Washington vinha sendo exigida pela prefeita Muriel Bowser, que inclusive na quinta-feira (4) abolira o toque de recolher, e de quem partiu a ideia de dar um melhor proveito para o trecho da 16 Street diante da Casa Branca.
Sem toque de recolher e sem a polícia caçando e espancando manifestantes pacíficos, não houve confrontos nem arruaças.
Também a presidente da Câmara de Deputados, a democrata Nancy Pelosi, havia enviado na sexta-feira carta a Trump, advertindo contra a militarização a que a capital estava sendo submetida.
O envio das tropas federais à capital, inclusive efetivos de uma das principais forças de ataque norte-americana, a 82ª Divisão Aerotransportada, e o ultimato a governadores para “dominarem” os manifestantes ou o próprio Trump mandaria tropas, depois do show de truculência para uma foto do presidente com a bíblia diante de uma igreja protestante, desencadeou uma reação que uniu quatro ex-secretários do Pentágono, de governos democratas e republicanos, e ex-altos mandos militares contra a repressão aos manifestantes com forças militares.
Cuja síntese foi a carta do general James Mattis, ex-secretário do Pentágono de Trump, acusando-o explicitamente de dividir os norte-americanos, conforme a cartilha dos nazistas, reiterando o juramento que cada militar faz de respeitar a constituição e repudiando o envio de soldados contra os manifestantes.
O próprio secretário da Defesa de Trump, Mark Esper, acabou ficando contra o envio das tropas federais exigido por Trump. O chefe do Estado-Maior Conjunto, general Mark Milley, depois da declaração de Mattis, enviou carta a todos os comandos dizendo que as forças armadas estavam comprometidas com seu juramento à constituição e com os valores norte-americanos.
Até ser forçado a recuar pela força e amplitude dos protestos e pelo rechaço do Pentágono, Trump ensaiou tornar a Casa Branca uma verdadeira fortaleza medieval, aumentando o perímetro, trazendo mais forças e aparato bélico, e instalando cercas.
Causou indignação a presença de paramilitares não identificados na ‘proteção’ da Casa Branca.
A revista Time chamou a atenção para um detalhe da operação de segunda-feira (1), através da qual Trump tentava se apresentar como “o presidente da lei e da ordem” – seu novo slogan da reeleição -, após tirar da tumba o grito de guerra segregacionista dos anos 1960 de “depois dos saques, os tiros [nos manifestantes]”.
A exibição de helicópteros Black Hawk e UH-72 Lakota “pouco acima das árvores sobre as ruas da capital” e que se deslocou sobre a multidão fazendo a típica manobra de zona de combate de usar “uma lavagem de ar, detritos e exaustão de combustível” para “assustar insurgentes”.
Nas redes sociais, os fanáticos de Trump começaram a chamar a ida de Trump até a igreja episcopal Saint John, acompanhado do secretário de Defesa Esper e do chefe de Estado Maior conjunto Milley, de “Marcha a Jericó”, em referência ao episódio bíblico em que as muralhas desabam após o soar das trombetas.
À parte a cólera genuína, depois de um linchamento ao vivo, em que a vítima negra agoniza e suplica por quase nove minutos, havia provocadores supremacistas brancos, alguns ligados à policia, e gangues atuando à solta, até que os manifestantes e as lideranças conseguiram isolar e deter esse tipo de coisa.
Na sexta-feira, onde o toque de recolher havia sido levantado, a situação era de calma (Washington e Los Angeles), enquanto em Nova Iorque, onde havia sido mantido, cenas deprimentes se repetiram, a mais notórias delas o idoso – branco – sendo jogado no chão pelos policiais da tropa de choque e deixado sem socorro na cidade de Buffalo.
Também jogou um papel muito importante a confraternização buscada com as forças de polícia, de parte dos manifestantes, e significativamente aceita em muitos lugares, em que os agentes da lei ajoelhavam respeitosamente, como no protesto antirracista iniciado pelo jogador de futebol americano Collin Kaepernick, em contraposição ao joelho do racista de distintivo estrangulando gratuitamente um cidadão negro algemado e dominado, após suspeita de pagar um maço de cigarros com uma nota falsa de 20 dólares.
Neste domingo, pelo décimo terceiro dia prosseguem as manifestações nos EUA contra o racismo e a impunidade dos policiais racistas que assassinam cidadãos negros desarmados. Atos de solidariedade também acontecem em Londres, Madri e outras capitais. Na segunda-feira e na terça-feira, as homenagens finais a Floyd em Houston, Texas, onde foi criado e viveu a maior parte de sua vida.