“Foi a federação que garantiu com que governadores e prefeitos pudessem atuar nessa crise e evitássemos uma tragédia humanitária ainda maior, advinda do negacionismo do Bolsonaro”, disse o governador maranhense
Flávio Dino (PCdoB ), governador do Maranhão, representou, junto com Camilo Santana (PT), governador do Ceará, a voz dos governadores no debate promovido pelo movimento “Direitos Já”, no sábado (06), sobre as ameaças à democracia. Estiveram também presentes no evento o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), e Nelson Jobim, ex-presidente do STF.
Camilo e Dino, assim como os demais governadores, vêm sendo atacados por Bolsonaro por seguirem as recomendações das autoridades sanitárias e da Organização Mundial da Saúde no combate à pandemia contra o coronavírus. Ele também reforçaram a força dos estados na defesa da democracia.
Dino lembrou que “foi a federação que garantiu com que governadores e prefeitos pudessem atuar nessa crise e evitássemos uma tragédia humanitária ainda maior, advinda do negacionismo do Bolsonaro”. “Se não houvesse a forma federativa capaz de temperar, limitar e conter os efeitos deletérios desse negacionismo, nós não estaríamos com dezenas de milhares de mortos, mas com centenas de milhares de mortos ”, argumentou o chefe do executivo maranhense.
Camilo Santana falou da sabotagem bolsonarista que enfrentou em seu estado os motins insuflados por milicianos e estimulados por Brasília. Ele lembrou que foram grupos minoritários e instrumentalizados que, com os rostos escondidos como bandidos, aterrorizaram a população e também outros policiais. “Nós enfrentamos a situação que poderia ter se expandido para outros estados”, disse.
O governador Flávio Dino apresentou várias sugestões de pontos em comum para serem assumidos pela frente. Destacou a defesa da democracia e acrescentou a questão federativa que, para ele, “está imbricada na questão democrática”. Ele concordou que as tendência autoritárias extrapolam o Brasil. “A humanidade hoje vai passar por uma encruzilhada entre definir se o pós-pandemia terá mais cara de pós-Primeira Guerra Mundial ou mais cara de pós-Segunda Guerra. O primeiro caso é mais barbárie, fascista, o segundo é um caminho mais civilizacional”, disse ele.
Num momento de descontração, Dino disse que algumas ponderações de Maia sobre suas propostas apresentadas por ele eram naturais. “Até porque, se ele concordar com tudo, terá que sair do DEM e se filiar ao PCdoB”, brincou. Maia respondeu dizendo que “na Câmara há uma aliança bem conhecida, que pode ser chamada de DEMdoB ou PCdoBdoD”. Todos riram muito.
Dino prosseguiu com muita descontração, dizendo que se achava muito de esquerda, mas viu ali “Jobim falar em tese, antítese e síntese, que são conceitos heguelianos e marxistas, e FHC falar em livro vermelho”, citado pelo ex-presidente, ao se referir a um livro adotado pelo MDB em 1974. Mais risos.
Dino prosseguiu em sua análise da crise. “Há também as ameaças internas, em que uma parte das elites brasileiras, que no fundo nunca tirou o pé da casa grande e deseja submeter a população à lógica da subalternidade. Temos a vertente que tenta milicianizar as instituições. Nesse contexto muito ameaçador e muito grave, nós temos que conter esse movimento com todas as barreiras possíveis. Nós não podemos minimizar isso”.
“As ameaças à democracia não residem somente na figura do Bolsonaro ou no tipo de liderança que ele encarna hoje, há um ambiente geral em que a humanidade de um modo mais complexo, mas especialmente o Brasil, pode ser seduzida por alternativas autoritárias”, observou.
“Os fascismos se nutrem, sobretudo, de desesperança, de desespero e de caos. Assim foi nos anos 1920 e 1930. Esse debate é importante porque se insere na lógica geral de mobilização de ideias, de pensamentos e de personalidades de diferentes campos, reunidas em torno dos consensos possíveis e secundarizando os dissensos, colocando em primeiro plano a democracia política e as liberdades civis. Isso é de alta importância”, Acrescento Dino.
O governador alertou para dois equívocos: “considerar esses movimentos amplos como menos importantes; de outro lado, achar que eles são suficientes. Não são. A proteção à democracia é um problema da nação, do povo, não é um problema dos políticos. Não é um problema de estamento, é um problema de ampla mobilização social”. Aí acho que ela só vai ocorrer com a agenda certa. Nós estamos vendo uma agenda forte, surgida de tantas tragédias que se somam no cotidiano, em torno da pauta antirracista. Isso é muito importante”.
“Nós precisamos continuar a agregar outras mobilizações. Me refiro a pauta econômica, salvar as micro e pequenas empresas da quebradeira, reverter a crise de oferta e demanda que o Brasil atravessa. A pauta social do emprego, a renda básica de cidadania. E a pauta institucional, entre os quais eu situo com muito destaque a temática federativa, que foi revalorizada com o coronavírus, é um dos legados importantes dessa crise. Houve um revigoramento da noção de federação, que estava muito apagada e que agora mostrou suas virtudes em dois aspectos fundamentais. O primeiro é o de limitação de poderes absolutistas”, afirmou o governador.
Flávio Dino defendeu a emissão de moeda para o enfrentamento da crise. “Isso vai gerar inflação? Não, porque a demanda tá no chão, as cadeias produtivas destruídas. Isso vai gerar gastança? Não, desde que você tenha parâmetros normativos. Isso vai aumentar a dívida pública? Também não, porque são ficções jurídicas, Banco Central e Tesouro”.
“Para sair do momento de crise é preciso sustentar a política social. Isso é decisivo. A renda emergencial é a âncora da democracia. Nada é mais antifascista hoje do que garantir renda pro povo, pros mais pobres. Essa é a principal proteção que temos contra a ditadura”, afirmou.
Ele lembrou a política do presidente Roosevelt, dos EUA, durante a depressão dos anos 30. “Por outro lado é o que está na página dois do New Deal. O que gera emprego rápido é obra pública, infraestrutura”, argumentou Dino, ao defender os investimentos públicos. Foi nessa hora que Maia apresentou alguns pontos de preocupação com o futuro das contas públicas e que provocou a brincadeira de Flávio Dino.
Todos concordaram que o impeachment não seria o melhor caminho para a solução da crise, mas também foram unânimes em dizer que isso depende mais de Bolsonaro do que deles.