Alencar Furtado: “Urge conter-se o acelerado processo de desnacionalização das nossas riquezas, bem como o clamoroso e preocupador empobrecimento popular”
ALENCAR FURTADO
A Nação, sofrida e represada nos seus anseios, apoiou aqueles que por ela falavam, identificados com a democracia social, o nacionalismo e a liberdade.
Mas o Governo imprescinde do apoio popular, que neste pleito não recebeu, para enfrentar os gigantescos problemas que atormentam o País.
As poderosas oligarquias, unidas ao capital forâneo, influenciam, doutrinam, controlam e sustentam o regime. Os grandes grupos econômicos multinacionais apropriaram-se dos pontos estratégicos da nossa economia oferecendo riscos à segurança do País e transformando-se, inexoravelmente, na maior força antinacional.
O SR. J.G. de ARAÚJO JORGE: V. Exa. chamou a atenção para o problema básico de que o Governo colocou o povo como pedinte do estrangeiro. O nobre colega referiu-se também às multinacionais. Disponho de dados que provam que apenas seis grandes firmas estrangeiras instaladas no Brasil tiveram um faturamento de 3 bilhões e 300 milhões de cruzeiros no ano de 1973; que apenas 20 firmas estrangeiras têm um faturamento correspondente a 50% das 2.345 principais empresas brasileiras. A posição que o Governo ocupa, de costas para o povo, a solicitar cada vez mais empréstimos ao estrangeiro, a atitude de deixar o País e a população trabalhadora asfixiada com o achatamento salarial, levou-nos à situação de descalabro em que nos encontramos. E como consequência desse quadro tivemos o aumento assustador da mortalidade infantil. Segundo o IBGE, morreram anualmente, nos últimos 10 anos, de 64 para cá, cerca de 500 mil crianças brasileiras de 1 a 5 anos de idade. E desapareceram porque subnutridos, sem condições de sobrevivência. A Comissão de Saúde da OEA, pesquisando em São Paulo, chegou à conclusão de que 69% das mortes das crianças decorriam de seu estado de subnutrição. Todas as consequências sócio-políticas podem ser tiradas do pleito que se realizou, como lições para que o Governo e nós, do MDB, unidos, partamos para uma nova tese, a da anistia, a do perdão, a fim de que todos os brasileiros possam participar da vida política do País. Não nos podemos dar ao luxo de alijar do quadro político da Nação tantos homens, sem que se lhes tivesse dado sequer o direito de defesa e a possibilidade de saberem as razões por que foram banidos da vida pública, num ostracismo perpétuo, incompatível com qualquer processo democrático.
O SR. ALENCAR FURTADO: Muito obrigado pelo precioso e oportuno aparte de V. Exa.
Nesta Pátria que todos estremecemos, um Governo jamais pode ser tido como Comitê Executivo do capitalismo internacional, nem ser concebido como o braço armado das oligarquias.
Urge conter-se o acelerado processo de desnacionalização das nossas riquezas, bem como o clamoroso e preocupador empobrecimento popular.
Nesta década, a tese da concentração de riquezas, para só depois pensar-se em distribuição de renda, transformou-se em filosofia do Governo, condenada pela Oposição. Destacamos, por isso, a nova postura do Governo no II Plano Nacional de Desenvolvimento, repelindo aquela teoria nos termos candentes seguintes:
“… o Governo não aceita a colocação de esperar que o crescimento econômico, por si, resolva o problema da distribuição de renda, ou seja a teoria ‘de esperar o bolo crescer’.
“Há necessidade de, mantendo acelerado o crescimento, realizar políticas redistributivas ‘enquanto o bolo cresce’. A verdade é que, de um lado, o crescimento pode não resolver o problema da adequada distribuição de renda, se deixado à simples evolução dos fatores de mercado. E, de outro lado, a solução através do crescimento, apenas, pode demorar muito mais do que a consciência social admite, em temos de necessidade de melhorar rapidamente o nível de bem-estar de amplas camadas da população.
“A estrutura da distribuição de renda é insatisfatória e com ela a Revolução não se solidariza”.
É o novo pensamento filosófico do Governo que veio, em parte, ao encontro das teses oposicionistas, que sempre pregaram o humanismo do desenvolvimento econômico.
SITUAÇÃO
Em verdade, incorporar 80 milhões de brasileiros à sociedade de consumo seria a grande meta de um Governo em termos de valorização do homem e de recuperação do mercado interno.
Desenvolvimento é feito com trabalho e participação – e não com trabalho e marginalização.
De 1960 a 1970, a participação dos 50% mais pobres da população caiu para 14% enquanto a dos 5% mais ricos subiu para 36%.
A renda total cresceu 34%, mas já em 1970 os 80% mais pobres ficaram com 8,4% da renda, enquanto 5% mais ricos ficaram com 77,6%. A locupletação nem sóbria é, porém sobeja.
A concentração da renda nacional encontra-se, majoritariamente, em mãos dos grupos econômicos, que nesses dez anos remeteram de lucros para o exterior cerca de três bilhões de dólares, mais do que toda a moeda em circulação neste País.
Os interesses do Brasil não se podem submeter aos donos do poder econômico, educados e conduzidos para a permanente consolidação dos capitalistas internacionalizados.
O nacionalismo que pregamos é protetor da soberania na esfera política e do desenvolvimento no campo econômico.
Os grupos dominantes necessitam de matérias-primas da economia dependente, esquivando-se, portanto, de oferecer dinâmica de crescimento a esta. Daí o domínio colonial fascista, impeditório de mudanças sociais, as quais, para terem uma economia autônoma, necessariamente procurariam libertar-se do jugo colonial locupletador, antiprogressista e absorvente.
Há, assim, um conflito de estruturas: a colonial contra a nacional, fornecendo impasses formidáveis e desvãos terríveis.
A nossa economia, portanto, está garroteada e submissa. Os nossos produtos não poderão competir nos mercados mundiais se o cruzeiro não se desvalorizar continuamente. E a cada perda de substância da nossa moeda entregamos mais sacas de café e mais toneladas de minérios, em troca do que precisamos adquirir, a par da erosão salarial interna e dos reflexos psicológicos sobre o custo de vida.
Estamos transferindo para o estrangeiro os benefícios do esforço que fazemos para progredir.
Exportar não está sendo mais do que trabalharmos para dar a outros povos o conforto que a nós mesmos devemos. Compramos lá fora sapatos e veículos fabricados aqui, e até o nosso café, a preço menor que o mesmo vendido no Brasil.
O esforço que temos realizado para aumentar as exportações é econômica e socialmente penoso. Exportar é uma imposição, mas não em prejuízo das necessidades internas, pois ensinam os economistas que só se deve vender o que excede do consumo doméstico.
Nem por isso a nossa balança comercial deixa de ser deficitária, e neste exercício o deficit excede de 5 bilhões de dólares, fato de suma gravidade e indicador de maior desequilíbrio financeiro.
Nesse consórcio Governo-grupos multinacionais, povo e Nação se prejudicam e a própria Segurança Nacional é afrontada.
O Governo exibe índices de crescimento nacional à base de um endividamento de 20 bilhões de dólares, de empréstimos compensatórios onerosos ou de outros impositórios, que nos chegam na forma de bens duráveis, de interesse dos grupos externos para competirem ou esmagarem a indústria nacional.
Indústria nacional que, em verdade, é predominantemente estrangeira, como sejam: a de veículos automotores e seus acessórios, a indústria de minérios, de alta importância militar, que está, preponderantemente, sob o controle de grupos internacionais; a petroquímica, a do vidro, a da soda cáustica, a da construção de máquinas, a naval, a do aço, cimento, metais não ferrosos, potássio, maquinaria leve, farmacêutica, eletrotécnica, química, telecomunicação, borracha, papel e celulose, alimentícia, plástica, securitária, comercial, hoteleira, cinematográfica, armazenagem, exportação de produtos agropecuários, sem falarmos na distribuição de gasolina, na influência no setor financeiro, investimentos e serviços públicos. São ainda favoritos dos financiamentos dos nossos organismos de créditos e manipuladoras da poupança popular.
A nosso ver, a economia nacional sob tal domínio é o maior problema que enfrenta o Brasil.
Num mundo em depressões, crises ou recessões, país em desenvolvimento, como o Brasil, não pode submeter a sua economia ao domínio de outros países, sob pena de padecer guerra psicológica adversa por parte de terroristas do imperialismo, que agem violando fronteiras sem tropas visíveis, mas através do endividamento do país, da opressão econômico-financeira, do controle do comércio exterior, do estrangulamento da indústria nacional, da desnacionalização das riquezas, da remuneração à grande imprensa, da opressão política e da repressão policial. Se tais fatos acontecem, em perigo se encontra a soberania nacional, e não havendo um sentido de libertação contra esse jugo, ficam interditados os caminhos do desenvolvimento, as crises sociais se aprofundam e a mística nacional é destruída.
O SR. LYSÂNEAS MACIEL: Nobre Deputado, quando V. Exa. mostra as garras das multinacionais sobre todos os setores da vida nacional, gostaria apenas de lembrar um detalhe de máxima importância. Há pouco tempo, foi realizada, nos Estados Unidos, uma reunião da “American Management Association” ou seja, uma organização que reúne todas as grandes companhias multinacionais, notadamente as norte-americanas. E o Presidente nessa entidade colocou tranquilamente em seu curriculum vitae: formado em Harvard, representante do Grupo ULTRA do Brasil e de outros organismos multinacionais e também – vejam V. Exa. – assessor da CIA. E no seu discurso inaugural, proferido na presença de representantes das grandes multinacionais para estudar o ambiente de negócios na América Latina, notadamente no Brasil, o Sr. H. L. Hoffemberg defendeu claramente, na presença do embaixador brasileiro, do embaixador argentino, de vários representantes diplomáticos, do Sr Daniel Szabo, Subsecretário de Estado e do Secretário de Comércio Norte-americano e até de um observador da União Soviética, o ponto de vista de que, em nível governamental, Washington deveria considerar a hipótese de intervenção militar nesses países, ainda que mantivessem reputação de nação repressiva, desde que eles conservassem razoável desenvolvimento econômico. Nível governamental… Vejam V. Exª a gravidade do que foi dito na presença de representantes diplomáticos de diversos países da América Latina e também do representante oficial do Governo norte-americano: intervenção para manter a repressão. E o mais grave, Srs. Deputados, é que aquela reunião foi precedida de ampla distribuição de material sobre a repressão, a tortura, a violação dos direitos humanos no Brasil. Tal distribuição não foi feita pela imprensa socialista ou européia, mas pela imprensa norte-americana, a insuspeita imprensa norte-americana. Aquelas decisões, portanto, que determinaram estarem as autoridades brasileiras submissas aos interesses internacionais, não foram sequer tomadas em nosso País. Foram objeto de discussão num plano quase oficial em outra Nação. Decisões que nos afetaram e nos estão afetando profundamente, ao ponto de vermos, por exemplo, no mesmo dia em que se condecorava o chefe dos bandidos do “Esquadrão da Morte “, o Delegado Fleury, de São Paulo, dar entrada na prisão o Deputado Francisco Pinto.
O SR. ALENCAR FURTADO: O aparte de V. Exa. denuncia uma trama internacional, que deve ser constante contra os países em desenvolvimento. Os grupos econômicos multinacionais que assaltam a economia desses países dominam-nos também politicamente, em regra. Agrava-se e até se qualifica o delito político-econômico, quando sabemos que não têm interesse na preservação dos princípios éticos da vida. Seu Deus e sua pátria é seu lucro. Por isso mesmo, a denúncia que V. Exa traz é apenas a reiteração de um comportamento que tem muito de delinquente no trato desses grupos com os países em desenvolvimento.
OBJETIVO
As Forças Armadas do Brasil têm tradição legalista e formação eminentemente nacionalista. Já se recusaram a servir de capitães-do-mato em defesa do regime escravagista. Não se prestam a pretorianismo meramente policial, até porque sua verdadeira função precípua consiste em serem guardiãs dos interesses nacionais.
Todos contraímos grandes responsabilidades: Partidos, Governos e Forças Armadas. O povo exige mudança de comportamento do Governo, o revolver de estruturas alienadas e uma diretriz filosófica nacionalista.
A Nação é organismo vivo, e nas suas palpitações anseia por segurança voltada para a valorização do homem no processo do desenvolvimento e por Liberdade assegurada pelo Estado de Direito.
O Governo, à sua vez, há de submeter os grupos econômicos multinacionais à vontade e aos interesses do povo brasileiro.
Necessita oxigenar as liberdades, oferecendo inclusive à imprensa carta de alforria, em face do guante da censura prévia.
Precisa palmilhar os caminhos das instituições democráticas, banindo-se tanto a super como a sublegalidade.
São propósitos, sugestões e análises que patrioticamente oferecemos acordes com as posições com que sempre nos identificamos, demonstrando desarmamento de espírito na disponibilidade em que nos encontramos permanentemente, para servir ao Brasil.
Era o que tinha a dizer. (Aplausos.)
Na vizinha Argentina, se escreve na mesma linha. Ver site: http://www.relacionesdeltrabajo.fsoc.uba.ar/prod/Desmalvinizacion.pdf