Em mais um ataque à autonomia universitária, Jair Bolsonaro editou a Medida Provisória 979, nesta quarta-feira (10) que permite ao Ministério da Educação nomear reitores e vice-reitores pró-tempore das universidades federais, institutos federais e para o Colégio Pedro II, sem qualquer consulta à comunidade acadêmica.
Ao justificar a nomeação de interventores nas instituições federais de ensino, Bolsonaro alega “o período da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia da Covid-19” Para a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), a MP “atenta de forma absurda contra a democracia em nosso país e a autonomia constitucional de nossas universidades”.
A MP foi publicada Diário Oficial da União (DOU) e já está em vigor. O texto precisa ser aprovado pelo Congresso em até 120 dias para não perder a validade.
De acordo com o texto, não serão realizadas as consultas à comunidade, escolar ou acadêmica, ou formação de lista tríplice para a escolha de dirigentes nas instituições, enquanto durar o período da emergência de saúde pública decorrente da pandemia da Covid-19.
A medida também se estende ao período subsequente necessário para realização da consulta à comunidade, escolar ou acadêmica, ou até a nomeação dos novos dirigentes pelo presidente da República. O reitor designado pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, escolherá os dirigentes dos campi e diretores de unidades pró-tempore.
“Com a urgência que o tema requer, a Andifes está tomando as providências cabíveis, mantendo contato com parlamentares, juristas e entidades, para coordenar as ações pertinentes à contestação da MP”, disse o presidente da entidade João Carlos Salles, reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
INTERVENÇÃO
Essa não é a primeira vez que Bolsonaro tenta interferir na forma de indicação de reitores, com base em sua convicção que as federais estão tomadas por “esquerdistas” que fomentam oposição a seu governo.
No final do ano passado, em meio ao feriado de Natal, o governo já havia editado a MP 914 que dava poder ao ministro da Educação de nomear interventores nas instituições federais. A MP perdeu a validade em abril sem ser votada pelo Congresso.
Com a nova MP, 11 instituições seriam diretamente afetadas pela MP pelo seu período de validade –60 dias prorrogáveis por mais 60–, seis delas cujos reitores terminam seus mandatos até o início de outubro, e outras cinco que tem hoje apenas reitores pro tempore, que podem sair a qualquer mandato. Entre elas, a Universidade de Brasília (UnB) e as federais do Rio Grande do Sul, de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, do Pará, do Paraná e do Piauí
Outras 10 instituições têm reitores que encerram seus mandatos este ano, e poderiam ser afetadas no caso de a MP ser aprovada pelo Congresso.
Uma das instituições é a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que já tinha organizado uma consulta virtual entre a comunidade acadêmica.
Ruy Vicente Oppermann, reitor da UFRGS, considera a MP uma “agressão à universidade pública”.
“Hoje acordamos com uma tragédia, um ataque inédito impetrado pelo presidente e o ministro da Educação. É uma das agressões mais contundentes de um governo brasileiro contra a universidade pública. Tecnicamente, estamos sob intervenção do MEC. Estou muito triste. Nunca imaginei que passaria por uma situação como essa, tendo passado minha vida construindo a democracia e essa universidade”, disse Ruy Vicente Oppermann, em aula pública da ADUFRGS-Sindical, por teleconferência.
O reitor gaúcho defende que não se espere a MP “caducar” no Congresso Nacional, estratégia que levaria seis meses. Se nada for feito, a UFRGS não terá eleição para reitor e ficará sob a tutela de um interventor. Para ele, é preciso que o Senado devolva a MP – gesto que avalia ser difícil acontecer – ou vote e rejeite rapidamente a medida. “Espero que essa medida seja rejeitada pelo Congresso. Ter um reitor pro tempore, um interventor, será uma vergonha para nossa democracia”, disse.
A preocupação com a MP foi igualmente destacada pelos outros reitores presentes na videoconferência, como Lucia Campos Pellanda (UFCSPA), Júlio Xandro Heck (IFRS) e Flávio Nunes (IFSUL). “Essa MP novamente vem no sentido de tirar a autonomia e ferir as nossas instituições”, criticou Flávio Nunes, reitor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense (IFSUL). “Vamos trabalhar e lutar para que ela seja rejeitada o mais rápido possível”.
INACEITÁVEL
Em nota, a ADUFRGS-Sindical repudiou o que definiu como “ato autoritário e inconstitucional” promovido por Bolsonaro. “Se trata de uma intervenção sem precedentes na autonomia universitária e na democracia brasileira. Estamos buscando na Justiça a nulidade desta medida para preservar o sistema democrático previsto na nossa Constituição”.
O presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN) Antonio Gonçalves, considerou a medida provisória é inaceitável. “Após a perda de validade da MP 914 que atacava frontalmente a autonomia das IFES públicas, o governo federal insiste na sua política de ataque à educação pública dessa vez editando uma nova MP que dá poderes ao ministro da Educação intervir nas instituições indicando gestores sem nenhuma consulta à comunidade acadêmica. É uma intervenção. Por isso inaceitável”, criticou.
Para o docente, a MP “demonstra o empenho do governo em avançar com sua agenda autoritária e neoliberal mesmo em um momento de grave crise sanitária, em que milhares de vidas são perdidas. Lutaremos em todas as frentes para derrotar essa iniciativa”.
A União Nacional dos Estudantes (UNE) repudiou o descaso de Bolsonaro, enfatizando que as decisões do MEC são tomadas sem diálogo com as instituições de ensino e entidades representativas dos segmentos da comunidade acadêmica.
Segundo Iago Montalvão, presidente da UNE, mesmo durante a pandemia seria possível conduzir um processo de escolha de reitores de forma segura ou prorrogar mandatos.
“Quem indica o novo reitor é o Conselho Universitário, que pode se reunir remotamente. As eleições também podem ser feitas de forma virtual, pelos próprios sistemas das universidades, que já tiveram experiências assim mesmo anteriormente”, afirma Montalvão. “Acreditamos que a decisão deva ser tomada no âmbito da própria Autonomia Universitária, pelos conselhos da própria instituição, e que a prorrogação de mandato pode sim ser uma opção.”
O Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) afirmou que está articulando com partidos políticos uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pela inconstitucionalidade da medida.
“O Conif rejeita o conteúdo da Medida Provisória nº 979, publicada hoje de manhã na DOU, por se tratar de uma ofensa ao princípio constitucional que garante a autonomia universitária, inclusive para a escolha de seus dirigentes. Especificamente para os Institutos Federais e para o Colégio Pedro II, o dispositivo desrespeita, ainda, a sua Lei de Criação (Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008), que garante a consulta à comunidade acadêmica e as eleições democráticas no âmbito da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.”