(ou Festa de arromba sem COVID)
EDUARDO AZEREDO COSTA (*)
“Confusão desbragada. E ainda me repreenderam por abrir a boca, pô! Só mostrei que tinha corpo demais para ser enterrado naquele dia. E na Bahia descobri que muita gente não está seguindo as ordens. Escondem os dados, ou confirmam, atrasam. Nada foi intuição, que não me falta, é verdade. Mas, fiz minha iniciação em numerologia no curso da escola maior. O coronel Lato era um ótimo professor, passei direto com louvor. Vejo número torto ou mal arrumado, aplico a regra certa e pá no erro. Aí é só ajustar para a soma ser boa. Elementar. Ofereci uma ajuda pro “Panuelo”, aliás meu colega de turma. Ele preferiu apelar prá bruxaria, chamou um mago metido a inglês, que no primeiro berro escapuliu. Com esse tipo de gente não se vai longe…
De qualquer modo, a ASNIN me destacara para o rastreamento do caso da santa que sumiu. “Clouseau” com suas fontes de informação estrangeiras me indicara que devia estar no Rio. E o bilhete também era claro: ‘Se quiser encontrá-la, não vá na Ilha Fiscal’. Era isso, mas tudo pode ser pelo contrário, como” Clouseau” sempre alertou: tipo coisa de país de maravilhas de Alice. Melhor anotar esse pensamento.
Pois fui para a Ilha Fiscal, no Rio. Nem foi necessário pedir autorização ao capitão. Expliquei que seria depois das 19h. Os crimes sempre são ocultados à noite. Os roubos e os seqüestros e outras sacanagens, nem se fala, também são na calada da noite. Instalado no hotel aeroporto, na hora certa o sinal soou na folhinha: 12 de Marco. Apliquei a numerologia: dia 1+2=3, mês 3, resto zero!
– É hoje, exclamei, já com minha roupa branca à paisana, para homenagear a marinha, lupa e binóculo-câmera na mochila.
Lá estava eu a vasculhar a Ilha fiscal, com a ajuda do sargento da Marinha, quando aí pelas 21 horas (2+1=3!), ouço barulho de música, quase tudo escuro, vejo à sudoeste uma área iluminada. Vou para as pedras numa posição favorável e eis o que se descortinou no meu binóculo! Click, click, tirei várias fotos, lá estava; só podia ser a tal Santa Barbara dos Trovões!
Vestida de baiana e de máscara! Muita gente em redor. “Preciso me infiltrar”, pensei. Virei o binóculo ao contrário, regra fundamental, e fotografei meus próprios olhos para mostrar quem olhou: eu mesmo!
Vesti o traje de sapador que pedi ao sargento, e fui. Também queria dar uma olhada ao contrário para ter certeza, sabe como é a coisa das maravilhas de Alice.
Pulei na água e foi só chuá, chuá, que nem um sapo. Nas pedras acabei rasgando o traje e arranhei o joelho, nada demais. Me livrei da borracharia e vesti minha roupa. (o sargento que fora a pé trazia minha mochila.)
O local estava bem disfarçado e não dava para chegar na portaria sem ser visto. Fui direto à guarda local, mostrei a carteira e perguntei onde a festa era e tal.
– Aniversário de cineasta?! Sílvio Tendler?!
Aqui tem treta! Despachei um zap para a ASNIN, pedido informações. Fui chegando, umas meninas pediram meu ingresso, vi que o negócio estava bem disfarçado: tinha um ‘70 anos’ grande prateado. Falei que era ‘amigo do Sílvio’, mostrando familiaridade, e logo acenei para o cara numa cadeira de rodas de barba branca. Ele respondeu ao aceno e fui entrando. Festa animada.
Do lado dele, estava a santa. Assim de perto já deu um arrepio. Me levou a cumprimentá-lo, a jovem Fabiana. Com a câmera na mão fui dizendo que o admirava muito, e que tinha sido contratado para fotografar a festa. Puxei conversa sobre a santa, que segundo ele recebera de presente. Contei que sabia que era Omulu, pois estava com uma máscara. Até me apresentou a Dona Val que a trouxera pela mão (como é festeira essa Iansã!).
Não achei mesmo que ele tivesse cara de sequestrador, mas sabe como é? Aparências enganam nem sempre.
Me misturei na festa que estava boa, gente fina e alegre. Acabei, depois de umas goró, também caindo no samba. Na hora dos parabéns, taças de champanhe, a santa abençoou todo mundo (e a mim também!).
Senti que estava com o corpo fechado! Final de festa, fui me despedir do anfitrião, e planejei levar uma dama para casa. A essa altura eu já pensava em paquera e considerei que depois da meia-noite havia acabado meu serviço. Por norma abri o zap para avisar e lá vi a resposta à consulta que eu fizera antes: ‘Cuidado; ambiente perigoso, indivíduo é agente da cultura, tem amizade com depravados, comunistas, trabalhistas e maconheiros.’
Mandei meu zap de volta: Peço demissão da ASNIN. Vou ser amigo dessa turma boa! CULTURA ACIMA DE TUDO!
Gal. Costa Leve demissionário, 08/06/2020.”
PS – No dia 14 de março foi decretado o isolamento social para controlar a transmissão do Coronavirus. Foi a última festa das boas com mais de uma centena de pessoas aglomeradas. Segundo o amigo Silvio Tendler, ninguém pegou a COVID-19. A Santa é milagreira mesmo! Mas, onde estará a Santa? Comigo ninguém foi pro aeroporto!
(*) Eduardo de Azeredo Costa é médico sanitarista.
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