“FFAA não tem nada a ver com o que está acontecendo. Puxaram essa conversa de intervenção militar por conveniência”, afirma o general. Debate abordou os passos comuns que podem ser dados na defesa da democracia
O sociólogo Fernando Guimarães, coordenador do movimento “Direitos Já”, conduziu na tarde do sábado (13), um debate que reuniu o general Santos Cruz, ex-ministro do governo Bolsonaro, o deputado Alessandro Molon (RJ), líder do PSB na Câmara, o empresário e apresentador de TV, Luciano Huck (PPS), e a ex-senadora e ex-ministra Marina Silva (Rede). A ministra Cármem Lúcia, do STF, que também era esperada, teve problemas técnicos e não pôde participar.
O general Santos Cruz brincou, logo no início do debate, dizendo que alguns amigos comentaram com ele por telefone que, quando viram os participantes, estranharam o fato do general participar de uma reunião composta de “gente tão diferente”.
HÁ MUITAS CONVERGÊNCIAS, AFIRMA MOLON
E foi exatamente esse o aspecto levantado pelo coordenador do evento, Fernando Guimarães, e pelo primeiro debatedor, o deputado Alessandro Molon, ao responder a uma pergunta sua sobre as ameaças à democracia.
“Convergimos em muita coisa, mas também divergimos em muitas outras. Nem por isso somos inimigos. É importante desenhar aquilo que nos une: somos democratas, pessoas comprometidas com a democracia. O Brasil está precisando do nosso esforço de juntar quem pensa diferente”, disse Molon.
O deputado disse que líderes mundiais que uniram seus países para combater o coronavírus tiveram sucesso. “Havia tudo para juntar o país todo, os governadores, tudo”, disse. “Aqui foi esse desastre, aqui e nos Estados Unidos. Não por acaso já estamos em segundo lugar e subindo aceleradamente no número de mortes, sem saber para onde isso vai. Ele [Bolsonaro] alimenta essas crises. Lamentavelmente, a personalidade dele é quase que incompatível com a democracia”, acrescentou o parlamentar.
GENERAL APONTA “CONFLITO PERMANENTE” NO GOVERNO
O general Santos Cruz também ressaltou a importância do encontro e chamou a atenção para o fato de que as crises do país estão sendo causados por um “problema comportamental”. “Depois de passadas as eleições, onde é natural o clima de disputa, é necessário que se chegue a uma paz social para que, quem ganhou, possa governar para todos”, argumentou. “Mas não é isso o que está acontecendo atualmente. Não atingimos essa paz social que a população tanto cobra. É um clima de conflito permanente, causado por um grupo pequeno, mas radical, que cerca o presidente e também pela personalidade do próprio presidente”, acrescentou o general.
“O que eu quero dizer aqui é que as Forças Armadas não têm nada a ver com isso”, destacou Santos Cruz. “Nossas Forças Armadas têm uma formação excelente. Há nelas um profissionalismo que é reconhecido internacionalmente. Nossas tropas ajudam em várias áreas, como na Covid-19, por exemplo”, acrescentou.
“Puxaram essa conversa de intervenção militar por conveniência”, observou o general.
“A SOCIEDADE PODE CONFIAR NO NOSSO PESSOAL”
“Não falo oficialmente, já estou fora há mais de cinco anos, mas sei como funciona e tenho certeza que os integrantes das Forças Armadas não se envolverão na política. A sociedade pode confiar no nosso pessoal”, garantiu.
“É óbvio que quem exerce o poder moderador em nosso país é a Constituição. Essa discussão é fora de propósito”, destacou o militar.
“A realização de manifestações em frente a quartéis não é bom e confunde a sociedade. Muitos militares da ativa participando do governo, também confunde a sociedade, mas é bom deixar claro que, quando estão no governo, essas pessoas não estão ali como instituição. Eles estão servindo individualmente ao governo. Seria bom que eles fossem para a reserva, como acontece com outras áreas”, disse Santos Cruz, dando como exemplo o ex-ministro Sérgio Moro que, quando entrou para o ministério, teve que se afastar da magistratura.
Ele concordou com a senadora Marina Silva de que “os governantes têm que ter princípios, mas nunca podem esquecer a questão social”.
Sobre a decisão do governo de pressionar o Exército para a revogação das portarias internas da instituição que foram criadas pelo órgão militar responsável pelo controle de armas e munições, Santos Cruz mostrou-se insatisfeito com o desfecho. Ele lembrou que quem faz esse controle no país é a Polícia Federal e o Exército.
“Não tem sentido levar essa fiscalização, que é necessária e altamente técnica, para o lado político”, disse. O cidadão de bem não se importa que uma arma que ele possua seja rastreada e controlada pelo Exército. “Quem não quer isso são os criminosos e as milícias. Acho que esses decretos deveriam ser mantidos”, afirmou Santos Cruz.
HUCK: DESIGUALDADE SOCIAL NO PAÍS É IMORAL
O apresentador Luciano Huck mostrou-se bastante inconformado com a desigualdade social no Brasil. “A desigualdade no país é imoral”, disse ele. Huck acrescentou que é importante um projeto para o país. “Não há um projeto”. Em sua opinião, “o momento não é para a discussão política, mas, sim, o enfrentamento da pandemia”, que está, segundo ele, “tirando vidas e agravando a desigualdade”. Ele também criticou duramente o comportamento de Bolsonaro.
“Há falta de liderança num momento em que o país mais precisava de uma. A negação da ciência, a negação da pandemia, a negação de tudo, é angustiante”, afirmou. “O que está acontecendo no Ministério da Educação é um absurdo e uma vergonha”, disse Huck.
“Nosso povo é maravilhoso, nós temos aqui pessoas com grandes habilidades, mas o direito de sonhar com o futuro está sendo destruído”, prosseguiu.
“Já tivemos vários tipos de governo, governo de coalizão, governo de cooptação, mas o que nós estamos vendo hoje é um governo de colisão”, completou o empresário.
Ao se dirigir ao general Santos Cruz, Luciano Huck lembrou que o general é conhecido nas tropas como o “João sem medo” por sua sua coragem e destemor. Santos Cruz é um dos militares mais respeitados do país exatamente por sua bravura nos campos de batalha por onde andou.
GOVERNO TEM DESPREZO PELA DEMOCRACIA, DESTACA MARINA
A ex-senadora Marina Silva afirmou que “esse é um governo que tem desprezo pela democracia, que não respeita direitos humanos, é um governo majoritariamente negacionista, que nega o princípio da realidade. E agora, além de uma crise política e institucional, uma grave crise econômica e social, produz uma crise sanitária”.
“A Covid-19 é um problema que o mundo inteiro não sabia como lidar, mas aqui no Brasil o problema ficou maior, porque esse é o pior governo na condução de um problema dessa magnitude, que já ceifou a vida de mais de 40 mil pessoas”, denunciou.
Quanto à política ambiental: “mesma atitude de desprezo pela verdade, desprezo pela ciência e de não atenção com um setor estratégico para o equilíbrio do planeta.”
“O desmatamento na Amazônia está fora de controle. Hoje, o desmatamento da Amazônia já é equivalente ao que aconteceu ano passado e nós ainda temos muito chão pela frente, porque o período de muito desmatamento e em que chegarão as queimadas está para começar”, acrescentou a ex-ministra do Meio Ambiente.
“Combater o desmatamento na Amazônia não é para amadores, quanto mais para amadores que não têm compromisso ético e capacidade técnica. É por isso que estamos nessa situação de descontrole. O governo deliberadamente estimula a grilagem, a ocupação ilegal de áreas na Amazônia e a violência contra as populações locais”, acrescentou Marina.
“Esse governo desmontou a governança ambiental brasileira, cortou orçamento, enfraqueceu o Ibama e o Instituto Chico Mendes, desmontou o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e, diante da grande repercussão, o Brasil, além dos prejuízos sociais e ambientais, já sofre retaliações econômicas”, prosseguiu.
“Quando o governo decidiu punir os diretores do Ibama que fizeram aquela operação de fiscalização em uma Terra Indígena queimando equipamentos de quem estava fazendo garimpo ilegal, é um sinal de que está do lado do contraventor e não do lado das vítimas”, observou.
“O ministro do Meio Ambiente que, pela primeira vez na história do Brasil, teve que ser excluído do Conselho que rearticula o Fundo Amazônia para não atrapalhar. Eu não vejo nenhuma política ambiental, só vejo desmonte do orçamento, das instituições, das competências e a perseguição aos servidores. Isso não é diferente do que é feito na Saúde, na Educação ou em relação a outros setores. Esse ano vamos ter uma situação pior do que tivemos ano passado”, apontou Marina Silva.
SÉRGIO CRUZ E PEDRO BIANCO
Assista a íntegra do debate aqui