Em meio ao anúncio de retomada de atividades nos principais estados do país, o coronavírus avança pelo interior do Brasil. A área já registra um terço de todos os casos confirmados de Covid-19 no País e tem ritmo de crescimento mais acelerado do que o observado em capitais e suas regiões metropolitanas.
O novo coronavírus já causou mais mortes no interior de alguns estados brasileiros do que nas regiões metropolitanas das capitais, segundo levantamento realizado pela GloboNews, com dados do IBGE e da plataforma colaborativa Brasil.io. Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Tocantins e todos os estados do Sul do país: Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina.
De acordo com a atualização desta segunda-feira (15) da plataforma criada pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), o Brasil tem até o momento, 43.959 mortes em decorrência do novo coronavírus e 888.271 casos confirmados da doença. Nas últimas 24h, foram registrados mais 627 óbitos e 20.647 diagnósticos positivos. O Brasil é o segundo país do mundo em falecimentos e em registros de pessoas infectadas pela Covid-19, ficando atrás apenas dos Estados Unidos.
O vice-diretor do Icict/Fiocruz, Christovam Barcellos, alertou que o Brasil não conseguiu conter a disseminação da doença dos grandes centros para as cidades menores, e isso vai gerar uma pressão sobre os sistemas de saúde.
“Se a gente já tem algumas dessas cidades maiores sobrecarregadas, com a interiorização podem começar a aparecer nelas muitos casos vindos do interior, como uma segunda onda. Por isso Itália e China tentaram reter o fluxo entre regiões para limitar a epidemia”, disse o pesquisador, lembrando os bloqueios em Wuhan, na China, e na região da Lombardia, na Itália.
Segundo a Fiocruz, já é possível identificar que, a partir da expansão nas capitais e cidades maiores, a transmissão da doença avança agora em direção a cidades médias e pequenas. Entre as regiões que somam 100 mil a 500 mil habitantes, 92,1% já anotam casos e 39,6%, mortes. Na primeira semana da pesquisa, os percentuais eram de 34,7% e 3%, respectivamente.
A expansão da doença também foi percebida em 68,4% das regiões de 50 mil a 100 mil habitantes, e em 48,4% das que concentram 20 mil a 50 mil habitantes. Antes, só havia casos confirmados em 15,8% e 7,3% dessas regiões.
Nas regiões com até 20 mil habitantes, a presença da doença aumentou de 3,7% para 22,2%. Duas dessas regiões já registraram óbitos, o que representa 3,7% do total.
Em Santa Catarina os números são os mais altos do país: 91% das mortes registradas estão fora da metropolitana de Florianópolis. No Rio Grande do Sul, 68% dos óbitos se encontram no interior do estado. No estado do Paraná, a taxa chega aos 60%.
No Tocantins 82% das mortes ocorreram fora da Palmas e da região metropolitana. Na região Centro-Oeste, Mato Grosso do Sul foi o único estado onde a maior parte das mortes ocorreu no interior: 67%. Os outros 33% das mortes ocorreram na capital, Campo Grande.
Em Minas Gerais, são 71% dos óbitos registrados são no interior. Em Minas há 454 mortos pela doença. A falta de leitos fora das regiões metropolitanas é latente. O coronavírus está avançando rapidamente em Minas e atualmente, 3,3 milhões de pessoas estão sem leitos de UTI em 154 municípios do estado. Considerando os municípios à beira do esgotamento, o total de desassistidos pode chegar a quase 10 milhões de pessoas, metade da população do estado.
A última macrorregião a ter vagas de tratamento intensivo esgotadas foi a Nordeste, que reúne 57 cidades com população total de 832.829 habitantes. Ela se junta a Jequitinhonha (407.213 habitantes), Triângulo do Norte (1.294.816) e Vale do Aço (839.344), que desde sexta-feira já não dispunham de locais para internar doentes, segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde (SES-MG).
Em São João del Rei (MG), também houve um súbito aumento no número de casos confirmados após a reabertura, há duas semanas.
“É como se tivéssemos enfrentando uma segunda onda em cima de uma primeira que ainda nem quebrou”, diz Tatiana Teixeira de Miranda, médica de família e comunidade e professora na Universidade Federal de São João del Rei.
Segundo ela, atualmente há uma contradição em relação ao início da epidemia no Brasil: quando não havia casos, houve a tentativa de isolar a cidade com barreiras. Agora que eles aumentam, a pressão é para que São João del Rei e outras cidades históricas como Tiradentes reabram o mais rápido possível.
O Paraná, que estava até então numa situação mais confortável, viu os casos confirmados de Covid-19 passarem de 2.139, em 15 de março, para 9.716 até esta segunda-feira, 15. O salto foi de 354%. No mesmo período, o número de mortos pela doença aumentou 176% — passou de 121 para 334.
75% dos municípios paranaenses já possuem registros de casos de Covid-19.
Parte deste aumento foi atribuído à reabertura parcial de shoppings, centros comerciais, igrejas e templos religiosos. “O número crescente dos casos de covid-19 indica a necessidade de revisão”, disse ao jornal Estado de S. Paulo, o secretário estadual da Saúde, Beto Preto.
O titular da pasta confirmou que os técnicos estudam a possibilidade de restrição total dos serviços não essenciais, o chamado lockdown. No entanto, ele defende o caminho do equilíbrio e da moderação. “Se nós pudermos avançar sem (o lockdown), será melhor, mas a possibilidade não pode ser descartada”, resumiu.
Para o infectologista Bruno Almeida, que coordena a unidade de vigilância em saúde do Hospital de Clínicas de Curitiba (HC), é preciso aumentar o número de exames antes de determinar o relaxamento das medidas de restrição de circulação. O médico afirma que o Paraná conseguiu postergar a curva de contágio impondo medidas amplas de restrição.
No entanto, a providência paliativa perdeu força com o passar do tempo. “Quando você faz mais testes, identifica os infectados precocemente e consegue isolá-los, o que diminui a taxa de transmissibilidade do vírus”, explicou Almeida.
Segundo Suzana Margareth Lobo, presidente da Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), a chamada interiorização da Covid-19 vai sendo engrossada pelo fim do isolamento nessas cidades.
O centro de tratamento intensivo que Lobo comanda no Hospital de Base de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, teve de abrir novos leitos nos últimos dias para atender à demanda da cidade e de municípios vizinhos que retomaram as atividades econômicas. “Onde existem, as UTIs de cidades menores começam a ficar cheias rapidamente”, diz Lobo. “Vamos ver se os municípios maiores aguentam.”