Lula e suas estações repetidoras decidiram fazer da frente democrática contra o fascismo bolsonarista o alvo dos seus ataques – aliás, cada vez mais desavergonhados, pois tais ataques à efetiva oposição a Bolsonaro são feitos… em nome da oposição a Bolsonaro.
A recente diatribe da ex-presidenta Dilma Rousseff, em seu site, contra o PSDB – ou, supostamente, contra o PSDB – é um exemplo dessa falta de vergonha (v. a íntegra em “PSDB adere a Bolsonaro e traz de volta a ‘velhinha de Taubaté’”).
Por mais que seja difícil falar desse modo em relação a um texto assinado por uma mulher, nesse caso somos obrigados a fazê-lo, pois a expressão “falta de vergonha” é a mais suave que pudemos encontrar para alguém que, com o seu estelionato eleitoral de 2014-2015, escancarou os portões do poder para Bolsonaro e seus sequazes.
Se existe alguém que deveria ficar quieta quando o assunto é oposição a Bolsonaro, deveria ser Dilma. Entretanto, como é sabido há muito, seu desconfiômetro é incapaz de atingir índices perceptíveis para si mesma.
Diz Dilma:
“No momento em que as forças de oposição concordam que o afastamento de Bolsonaro é condição indispensável para que o Brasil seja capaz de enfrentar a epidemia da Covid19, reduzir e gerir o impacto econômico e social sobre a população e afastar do horizonte a ameaça de uma ruptura definitiva com a democracia, o PSDB anuncia que, por ele, Bolsonaro será protegido de um impeachment e mantido no cargo até o fim do mandato.”
O PSDB não anunciou tal coisa. Mas Dilma se refere à entrevista do presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, no dia 12 deste mês, ao jornal “Folha de S. Paulo”.
Nessa entrevista, Bruno Araújo declarou que “o impeachment não é para ser banalizado. Preferimos, respeitando a grave crise que o país vive, permitir que o diálogo, a serenidade, a maturidade das instituições possam nos levar a superar primeiro esse grave momento. O preferível é que possamos chegar com um grau de naturalidade ao processo das eleições de 2022” (v. a íntegra da entrevista em “Impeachment de Bolsonaro é potencializar uma crise, diz Bruno Araújo, presidente nacional do PSDB”, FSP 12/06/2020).
Existe uma diferença entre “preferimos” ou “o preferível”, tal como declarou Bruno Araújo, e “o PSDB anuncia que, por ele, Bolsonaro será protegido de um impeachment e mantido no cargo até o fim do mandato”, como escreveu Dilma.
Deve ser a famosa dissociação cognitiva dilmista.
A questão verdadeira, portanto, é: a posição manifestada pelo presidente nacional do PSDB, impede o partido de participar – isto é, ser um dos constituintes – da frente democrática, da frente de oposição ao fascismo bolsonarista?
Não deve impedir, pois essa era a posição pública e declarada de Lula e do PT até há bem pouco tempo (v., por exemplo, HP 01/03/2020, “Lula não vê insanidade nos atos de Bolsonaro e aconselha ‘esperar 4 anos’”).
Porém, é interessante que Dilma apresente essa mesma posição, quando se trata do presidente do PSDB, como prova da adesão (e definitiva!) de seu partido a Bolsonaro…
E isso não é tudo: essa posição continua sendo a de Lula e do PT, apesar de sua suposta adesão ao impeachment de Bolsonaro, que, todo mundo sabe, é mera encenação.
Lula e o PT sabem muito bem que não existem, ainda, condições políticas para o impeachment, e, menos ainda existe como um pedido de impeachment de Bolsonaro ser aceito pela Câmara, se for um pedido do PT – ou, o que é a mesma coisa, se for um pedido onde outros apenas são figurantes em relação ao PT.
Portanto, essa “adesão ao impeachment” é puro jogo de cena, com o PT tentando outra vez representar o papel de espadachim a la Errol Flynn, mas agora com o físico do Boris Karloff.
A prova mais cabal desse fato (às vezes, fatos precisam de provas) é o próprio artigo de Dilma Rousseff.
Se Dilma quisesse mesmo aprovar o impeachment de Bolsonaro, estaria preocupada em ganhar o PSDB para a sua causa. Porque, sem o PSDB, é impossível sequer pensar em impeachment no Congresso. Entretanto, todo o seu esforço, nesse artigo, está dirigido a jogar o PSDB no colo de Bolsonaro. É verdade que esse esforço é baldado, porque ela não manda no PSDB, que tem vontade própria.
Mas esse inútil gasto de energia histérica não torna menos nítida a tentativa ou o seu objetivo. Pelo contrário, esse objetivo aparece com seus contornos mais definidos ainda – se assim se pode dizer, com seus traços ainda mais exacerbados.
Não fosse Dilma, quando presidente, uma bajuladora decidida dos tucanos – desde a política econômica do primeiro governo (v. HP 27/11/2013, Sobre as causas do insucesso econômico do governo Dilma) à entrega da economia aos cuidados (?!) de Joaquim Levy, no segundo governo, passando pelo baboso elogio a Fernando Henrique, quando este completou 80 anos de idade.
Agora ela esqueceu tudo isso, pois seu problema é atacar a frente democrática contra Bolsonaro.
Resumindo: o que caracteriza, hoje, a posição de Dilma e do PT é que, precisamente no momento em que o PSDB se soma às demais forças democráticas do país para constituir uma ampla frente democrática contra o fascismo bolsonarista, é que ele se torna o seu alvo.
Na mesma entrevista, Bruno Araújo diz que “o caminho do PSDB é a oposição”. E relata que o PSDB tentou colaborar com o governo Bolsonaro, até mesmo assumindo as relatorias, na Câmara e no Senado, da famigerada “reforma da Previdência”, de Paulo Guedes, mas não conseguiu outro percurso, senão ir para a oposição.
Por quê?
“… o governo não conseguiu nem fazer as entregas de ordem econômica muito menos de ordem social. Num capítulo à parte, há todos os destemperos em relação a posicionamentos autoritários e passar a quebrar linhas institucionais. A manutenção do ministro da Educação e do presidente da Fundação Palmares é um atestado do perigoso desapreço de Bolsonaro pelas instituições democráticas. A história vai comprovar que os erros, a dubiedade e atitude muitas vezes terraplanista do governo ou do presidente agravou e aprofundou parte das vítimas do Covid-19. Um presidente que tem a necessidade de se digladiar com algo ou com alguém, instituições ou pessoas, para se manter ativo no seu segmento eleitoral, não vai mudar nossa compreensão de serenidade, de que precisamos ser o mais responsável possível para passar por esse gravíssimo momento. E se manter vigilante, não para que o presidente se sinta tutelado, mas limitado pela lei, pela ordem constitucional, pela delimitação dos Poderes.”
Está claro, aqui, a fronteira que o presidente do PSDB e seu partido estabelecem em relação a Bolsonaro: a questão da democracia, mais especificamente, a questão da defesa da democracia, a questão dos ataques e ameaças de Bolsonaro, e sua quadrilha miliciano-familiar, à democracia, isto é, às instituições democráticas, e, até mesmo, à ciência.
Para qualquer democrata, é evidente que este é o risco principal para o país e o nosso povo, desde a eleição de Bolsonaro.
Porém, Dilma quer que o PSDB manifeste “adesão a Bolsonaro”, e não à frente democrática contra Bolsonaro, mesmo quando o presidente do partido diz “o caminho do PSDB é a oposição“.
Não é muito diferente do que Lula e o PT fizeram na época do combate à ditadura, quando seu principal alvo era Ulysses Guimarães, Tancredo Neves e demais democratas do histórico PMDB, além daqueles que descolavam da ditadura e se somavam à frente anti-ditatorial.
Já lembramos, em outras oportunidades, essa época. Se dependesse do PT, a ditadura teria se mantido no Colégio Eleitoral que elegeu Tancredo. Graças ao povo brasileiro, não dependeu de Lula nem do PT. E nem falemos da Constituição de 88, que o PT se recusou a assinar – essa mesma Constituição que Bolsonaro, hoje, quer rasgar, e que tornou-se a primeira trincheira de defesa da democracia.
O artigo de Dilma tenta, como Lula na questão do impeachment, repetir essa malfadada política (v. HP 23/04/2020, “Lula inventa campanha pró impeachment para excluir PT da frente contra os desmandos do mito”).
No caso de Dilma, essa política de conciliação com o fascismo bolsonarista é tingida pelo ressentimento pessoal, porque o presidente do PSDB foi a favor de seu impeachment (como se ela não tivesse feito nada para ser destituída apenas um ano e pouco após se eleger – e se eleger com maioria no Congresso).
Daí, a sua afirmação de que “a democracia do PSDB é casada com o neofascismo”, no mesmo momento em que ataca quem se coloca na oposição ao fascismo, isto é, na oposição a Bolsonaro.
CARLOS LOPES