Ele e “Anjo” alteraram provas, tramaram fugas e impediram que testemunhas falassem. Mãe de Adriano da Nóbrega foi orientada a se esconder no interior de Minas Gerais
A desembargadora Suimei Cavaleiri, da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, negou na madrugada deste sábado (20) o pedido de habeas corpus feito pela defesa de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), para substituir a prisão preventiva por prisão domiciliar. A defesa de Queiroz alegou problemas de saúde e a pandemia de coronavírus para justificar o pedido.
A decisão negando o HC é considerada lógica já que o MP comprovou com riqueza de detalhes a forte atuação de Fabrício Queiroz e de sua mulher Márcia Oliveira, no sentido de impedir o avanço das investigações sobre o esquema de lavagem de dinheiro montado dentro da gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Há também fortes evidências de que estava sendo preparada, por “apoiadores externos”, uma operação de fuga para toda a família Queiroz, caso as investigações prosseguissem.
“ANJO” QUERIA ESCONDER TODO MUNDO
As trocas de mensagens de Fabrício Queiroz, obtidas pelos investigadores com a apreensão dos telefones de Márcia Oliveira, revelam que o advogado de Flávio Bolsonaro e também de Jair Bolsonaro, Frederick Wassef, chamado por eles de “Anjo”, o mesmo que mantinha Queiroz escondido em sua casa no município de Atibaia, pretendia esconder toda a família em São Paulo, caso se confirmasse a queda, no Supremo, da liminar que impedia investigações com base em relatórios do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
Isso ficou evidente num dos diálogos ocorridos poucos dias antes do plenário do Supremo decidir sobre a liminar.
Márcia diz a Queiroz que só aceitaria essa “solução” se estivessem com prisão decretada. Márcia pergunta: “está na casa do anjo?” “Estamos”, responde Queiroz. “Resume, ele falou alguma coisa?”, pergunta Márcia. “Querendo mandar todos para São Paulo se a gente não ganhar”, informa Queiroz. “Aquela conversa de sempre”, retruca Márcia. “Morar aí? Acho exagero”, prossegue. “Não vamos entrar no mérito agora”, diz Queiroz. “Sim. Mas só se estivéssemos com prisão decretada. Sabe que isso não é impossível, né”, respondeu Márcia.
QUEIROZ CONSEGUIU ALTERAR PROVAS NA ALERJ
Os investigadores tiveram acesso, através de interceptações telemáticas, à informações detalhadas sobre a atuação de Queiroz na alteração de provas. Conversas da ex-funcionária fantasma Luíza Souza Paes com seu pai e namorado mostram que ela foi convencida a adulterar a folha de ponto da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Com a ajuda do advogado de Flávio Bolsonaro, Luiz Gustavo Boto Maia, dos servidores da Alerj, Matheus Azeredo Coutinho e da ex-assessora de Flávio Bolsonaro, Alessandra Esteves Martins, Luíza Souza Paes foi levada à Alerj em 24 de janeiro 2019 para assinar uma folha de frequência de 2017.
TESTEMUNHAS NÃO COMPARECERAM
Ficou comprovado também que Fabrício Queiroz orientou testemunhas e impediu que muitas delas comparecessem ao Ministério Público para prestar esclarecimentos aos investigadores sobre as irregularidades ocorridas no gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro.
MÃE DE ADRIANO DA NÓBREGA FOI ORIENTADA A FUGIR PARA O INTERIOR DE MG
O caso mais emblemático envolveu Raimunda Veras Magalhães, mãe do miliciano Adriano da Nóbrega, ex-capitão do Bope e chefe do Escritório do Crime, morto em fevereiro deste ano numa operação policial. Raimunda Veras, assim como a ex-mulher de Adriano, Danielle Nóbrega, eram funcionárias fantasmas no gabinete de Flávio Bolsonaro e repassavam recursos para o esquema do deputado e para o miliciano.
Segundo o MP, Raimunda Veras nunca compareceu à Alerj. Ela era sócia de dois restaurantes no bairro do Rio Comprido. Registros bancários de Fabrício Queiroz revelam que o Restaurante e Pizzaria Rio Cap, administrado por Raimunda Veras Magalhães, e o Restaurante e Pizzaria Tatyara, administrado por Adriano Magalhães, transferiram R$ 69.250,00 para a conta de Queiroz mediante cheques e TED.
Entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, segundo o MP, foram efetuados 17 depósitos em espécie na conta de Queiroz no valor total de R$ 91.796,00 na agência Rio Comprido do Banco Itaú, localizada na mesma rua dos restaurantes administrados por Raimunda Veras e por seu filho.
Os investigadores estimam que Adriano da Nóbrega possa ter transferido mais de R$ 400 mil para as contas de Fabrício Queiroz.
O MP revelou que, por orientação direta de Fabrício Queiroz, Raimunda Veras Magalhães, mãe de Adriano, saiu do Rio de Janeiro e foi se esconder numa cidadezinha de Minas Gerais chamada Astolfo Dutra, a 400 km do Rio. A fuga se deu depois que o plenário do Supremo Tribunal Federal derrubou a liminar que paralisava as investigações e favorecia Flávio Bolsonaro.
QUEIROZ FEZ CONTATO COM ADRIANO DA NÓBREGA
Há também provas, obtidas através das mensagens contidas no telefone de Márcia Oliveira, de que Fabrício Queiroz e o advogado de Flávio, Luiz Gustavo Boto Maia, mantiveram contato com o então foragido da Justiça, Adriano da Nóbrega, por intermédio de sua mãe, Raimunda Veras Magalhães.
Em conversa cifrada, Queiroz avisou Márcia que Luiz Gustavo Boto Maia iria procurá-la para passar instruções sobre o contato que seria feito com a mãe de Adriano. “Faz contato pra ele, na frente dele”, disse Queiroz a Márcia.
Após o encontro com o advogado, Márcia ligou para Raimunda Veras para falar sobre a proposta feita pelo advogado. Reunida com Raimunda Veras, com a esposa de Adriano da Nóbrega e com o advogado Luiz Gustavo Boto Maia em Astolfo Dutra-MG, Márcia Oliveira manda uma foto para Queiroz e é advertida a apagar para não deixar rastro.
O encontro ocorreu no dia 4 de dezembro de 2019 no local em que Raimunda Veras Magalhães se escondeu no interior de Minas Gerais.
ENCONTRO COM MÃE DE ADRIANO FOI PLANEJADA COM A PRESENÇA DE ANJO EM ATIBAIA
No dia 2 de dezembro há uma troca de mensagens entre Márcia e Queiroz revelando que antes de ir para Astolfo Dutra, o advogado Luiz Gustavo Boto Maia, estava reunido com Queiroz e o Anjo em Atibaia. “Anjo já foi?“, pergunta Márcia. “já”, responde Queiroz. “Gustavo já foi embora”, pergunta Márcia que já estava em Minas Gerais. Dia 4, a mulher de Queiroz e o advogado estavam no esconderijo de Raimunda Veras Magalhães em Minas Gerais, com ela e a esposa do miliciano fugitivo. O que conversaram ninguém sabe. Adriano morreu em fevereiro de 2020.
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