A tentativa de Trump de dar a volta por cima em sua campanha à reeleição, depois dos protestos de costa a costa contra o racismo e dos números decepcionantes das pesquisas – em meio à pandemia, derrocada da economia e desemprego em massa – acabou em fiasco, com uma presença no comício de Tulsa muito aquém do que a campanha vinha apregoando.
Na impossibilidade de ocultar as arquibancadas superiores vazias e os claros na platéia diante do púlpito, Trump buscou animar seus “guerreiros” – como os chamou -, repetindo que era o “presidente da lei e da ordem”, condenando a derrubada de estátuas confederadas e os ‘esquerdistas radicais’, chamando de “vírus chinês” ao coronavírus e convocando a derrotar o Sonolento Biden em novembro.
A menção racista ao “vírus chinês” foi entusiasticamente acolhida pela plateia do comício, onde não faltavam bonés MAGA (Make America Great Again, Faça a America Grande de Novo), dísticos Trump 2020 e cartazes de ‘defenda a polícia’.
Por falta de público, também foram cancelados a apresentação de Trump na área externa e outro evento que seria encabeçado pelo vice, Mike Pence.
Como registrou Político, Trump há uma semana dissera que “nunca tivemos um assento vazio. E certamente não iremos em Oklahoma”.
Porta-vozes da campanha chegaram a falar em ter recebido ‘1 milhão’ de adesões ao comício, mas era só um tipo de trote pelas redes sociais; o governador republicano de Oklahoma, mais ponderado, visualizou “100 mil pessoas” no BOK Center. “Faltaram 985.000”, divertiu-se o HuffPost. O porta-voz da campanha Tim Murtaugh culpou os “manifestantes radicais” e o “ataque implacável da mídia”, que “tentaram assustar os partidários do presidente” com seus avisos sobre o risco pandêmico.
Para o New York Times, o discurso de quase duas horas foi “desconexo”. Onde Trump se superou foi quando apresentou como ‘solução’ para o escândalo dos EUA serem recordistas mundiais absolutos de doentes de Covid-19 nada menos que a redução da testagem.
“O teste é uma espada de dois gumes”, disse Trump à multidão em Oklahoma. “Aqui está a parte ruim: quando você faz testes nessa medida, você vai encontrar mais pessoas, você vai encontrar mais casos.” Diagnosticado o problema, a solução, a jato. “Eu disse ao meu pessoal: ‘Diminuam os testes, por favor’”. Uma fonte da Casa Branca asseverou, depois, ao Wall Street Journal, que Trump estava “claramente brincando”.
O comentário de Trump sobre a diminuição da testagem foi respondido por Joe Biden: “Este vírus matou quase 120.000 americanos e custou dezenas de milhões de seus empregos, em grande parte porque este presidente não pôde e não mobilizou testes tão rapidamente quanto precisávamos. É terrível ouvi-lo dizer esta noite que ordenou que os testes diminuíssem – uma tentativa escancarada de fazer os números parecerem melhores.”
Não passou despercebido o caráter de provocação da decisão de realizar em Tulsa, cidade onde houve o maior massacre de negros na história norte-americana, e justo no dia em que se comemora o fim da escravidão nos EUA, o 19 de junho, o comício de retomada da campanha de Trump, depois das mais amplas manifestações antirracistas e contra a brutalidade e impunidade policial em cinquenta anos.
O local do comício, o BOK Center, fica a 1,6 quilômetros do local do massacre de 1921, em que 300 negros foram mortos por uma turba racista, 1200 casas e estabelecimentos queimados, 10 mil desabrigados. Uma semana antes do comício, Trump recuou e adiou para o dia seguinte.
Outro aspecto do comício de Trump foi que passou acintosamente por cima das próprias orientações emanadas do comitê da Casa Branca contra a pandemia. Na semana que antecedeu o comício, o número de casos em Oklahoma aumentou 91%. Seis integrantes da campanha de Trump de Tulsa testaram positivo para o coronavírus.
Quem se registrou para ir ao comício teve de assinar um termo se comprometendo a não entrar na justiça contra a campanha, o local ou qualquer envolvido na preparação, caso se contagiasse. Um grande número de pessoas que estava no comício não fez uso da máscara facial, nem obedeceu às normas de distanciamento.
Com os Estados Unidos, com 119 mil mortos, já tendo superado o total de norte-americanos mortos na I Guerra Mundial, Trump conseguiu a façanha de declarar ter feito “um trabalho fenomenal” contra o coronavírus. “Salvei centenas de milhares de vidas”.
Em paralelo ao comício de Trump, no país inteiro se comemorou o Juneteenth na sexta-feira, com manifestações em dezenas de cidades e a paralisação dos 29 portos da costa oeste em solidariedade.