A economista Monica de Bolle, ex-FMI, que atuou como diretora do Instituto de Estudos de Política Econômica da Casa das Garças, afirmou que o Brasil “tem um encontro marcado com a modificação do teto de gastos”. De acordo com a atual pesquisadora do Peterson Institute e da Johns Hopkins University, a insistência de Paulo Guedes em manter a agenda do estado mínimo através do controle de gastos do governo representa uma desconexão com a realidade.
“Porque uma crise como essa precisa de mais Estado e não menos Estado, simplesmente por força das circunstâncias: a economia não consegue funcionar da mesma maneira e o único ator que consegue suprir a lacuna é o Estado”, disse a economista em live promovida pela Revista Época.
“Quando pensamos nas necessidades da saúde, de investimentos públicos, educação – quanto não terá que ser gasto para que as crianças tenham aula online -, isso não casa com o teto de gastos como existe hoje. Temos um encontro marcado com a modificação do teto de gastos”, comentou.
De Bolle critica a posição do governo brasileiro diante de crise e afirma que a resposta à pandemia, complicada em um âmbito global, foi pior no Brasil – já que o coronavírus chegou com força no país quando já se sabia, pela experiência de outros países, que não se tratava de apenas uma gripe.
“O Brasil teve meses para se preparar e, a partir de um ponto, já se sabia da gravidade. Não se fez nada. Não me esqueço do ministro Paulo Guedes em meados de março, quando os números já começavam a assustar, ele dizendo que o Brasil iria crescer, que 2020 seria um ano ótimo, que as reformas andariam. Houve uma desconexão da realidade muito grande por parte do governo que não dá para explicar simplesmente por ‘não sabíamos o que era’”.
O caos econômico e social derivado da pandemia demandava uma resposta rápida no que diz respeito à garantia de renda para as famílias. De Bolle considera acertada e “essencial” a adoção da política do auxílio emergencial de R$ 600 aprovado pela Câmara – “embora a execução tenha sido complicada” por conta das tentativas de sabotagem do governo. “Foi extremamente importante. O auxílio emergencial foi um exemplo de medida feita com celeridade não por causa do governo brasileiro, mas a despeito do governo brasileiro. Na segunda quinzena de março, Paulo Guedes falava em R$ 200 por dois meses”.
A economista se diz “absolutamente favorável” à prorrogação do pagamento do auxílio, que segundo ela deveria durar ao menos por quanto estivermos em estado de emergência, decretado até dezembro de 2020.
Além da garantia de alguma renda para a população extremamente desamparada, Monica de Bolle cita que o pagamento dos R$ 600 ajudou a levantar, inclusive, a arrecadação de estados e municípios. “As pessoas recebem e gastam aquela renda e aquilo volta em arrecadação”.
INVESTIMENTO PÚBLICO
Na esteira da lógica de que não é possível manter uma política de austeridade durante e pós crise, Mônica afirmou que o país terá de contar com o Estado para a reconstrução econômica, a despeito de Guedes, que afirma que a recuperação virá através do setor privado, investimentos estrangeiros e de privatizações.
“Quando vier a base de reconstrução, inevitavelmente a reconstrução econômica terá de contar com a ajuda do Estado. Não vamos ter como contar com investimento externo para nos ajudar. Cada investidor está preocupado com seu próprio país. Em algum momento, teremos que ter uma discussão sobre investimento público e obras de infraestrutura, que é um pouco a discussão do Pró-Brasil, embora sem detalhamento”, ressaltou.
Sobre o momento atual, a especialista respondeu se há alguma “receita” para garantir que as empresas, especialmente micro e pequenas, consigam atravessar a crise, citando como exemplo os Estados Unidos, onde mora atualmente.
“Aqui nos Estados Unidos, por exemplo, onde poderia ter sido um enorme problema, não foi. O governo fez esse programa para pequenos negócios, que incluiu micro empresa. Acabou sendo bem-sucedido, foi o que segurou o mercado de emprego. Para aquelas pequenas empresas que atuam no setor de serviço e no de comércio, no Brasil, foi um banho de sangue”.
“O curioso e um pouco trágico é que, no Brasil, há ferramentas para fazer isso. Temos bancos públicos, BNDES, Banco do Brasil, Caixa. Aqui não estamos falando de dar crédito subsidiado, apenas de fazer o crédito chegar aonde tem de chegar. Há diversas formas que o governo brasileiro poderia pensar para melhor utilizar principalmente o BNDES, que vem sido completamente subutilizado nesse momento, o que é uma pena. Não há uso do BNDES por razões muito mais ideológicas do que pragmáticas”, opinou.