ISO SENDACZ (*)
É voz corrente que não se deve fazer na esfera pública o mesmo que se faz na privada. Mas não parece ser a prática de Salim Mattar, que ocupa a Secretaria vinculada ao Ministério da Economia encarregada de “reduzir o tamanho do Estado”.
Requentando antigas, para não dizer caducas, ordens liberais de Guedes de privatizar para “colocar o Brasil no caminho da prosperidade”, Mattar se escuda no chefe para dispor de algo que não é seu, mas da sociedade. Se a intenção já não é das melhores, os argumentos apresentados nas redes sociais em 20.6.2020 guardam distância de fontes sérias.
Talvez seja correto dizer que o retorno do Estado aos contribuintes após 500 dias de governo seja o pior da OCDE, como registra o Secretário. No entanto, o governo da República Federativa do Brasil tem outros números.
De acordo com o Tesouro Nacional, a carga tributária brasileira em 2017 era inferior a 33% e teve leve aumento nos dois anos seguintes. Quando se acresce o déficit de R$ 124 bilhões, o resultado final fica próximo de 34,2% do PIB de então, insuficiente para aparecer na tabela.
O Relatório de Gestão Fiscal da União, os dados estaduais e do DF no Tesouro Transparente e do Siconfi, relativo aos municípios, falam de despesa com pessoal em bilhões de reais de 225, 354 e 37, respectivamente.
No total da esfera pública, R$ 616 bilhões, ou 8,4% do PIB de R$ 7,3 trilhões. Semelhante ao Reino Unido, que também provê saúde pública nos moldes do SUS a seus habitantes; e aos EUA, que emprega mais de 5 milhões de pessoas no Pentágono.
Para além da redução do atendimento social que Mattar persegue, o funcionário leva a sério a ordem de privatizar o bem público.
Segundo eles, a administração privada é mais eficiente, gera emprego e distribui riqueza. Tomemos o exemplo da Vale do Rio Doce, vendida em 1997 por módicos R$ 3,3 bilhões – seu último investimento no Amapá havia sido de R$ 5 bilhões.
Se corretos os dados apresentados, em 20 anos o resultado avançou, descontada a inflação, 6,7 vezes, enquanto o quadro funcional cresceu 13,4 vezes – a metade da eficiência anterior. Sim, o quadro próprio reduziu, proporcionalmente, uns 3%, mas isso supondo-se não haver terceirização sob controle do Estado e desconsiderando o avanço da tecnologia da informação e da mineração experimentado nas últimas décadas.
Mas há outra faceta mais grave, do ponto de vista do interesse público.
Em 2019, o lucro da Vale foi de R$ 20 bilhões, obtido na operação com as reservas minerais nacionais, bem público concedido ao uso privado.
Se só essa empresa ficasse em poder da União, os resultados de vinte exercícios como esse seriam capazes de fazer frente ao impacto fiscal registrado na apresentação.
Sobre o que se convencionou chamar de privataria no século passado, poderíamos trazer muitas histórias que desrecomendam a intenção atual: dois meses depois da venda do Banespa por R$ 1,7 bilhão (descontados os créditos tributários), a Justiça mandou republicar o balanço e ações de R$ 3 passaram a valer R$ 57; a Usiminas vendida manteve-se sob controle estatal, só que japonês, sob o comando da mesma pessoa física como seu presidente, alterando apenas o destino dos seus lucros.
(*) Engenheiro Mecânico pela EESC-USP, Especialista aposentado do Banco Central, diretor do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central e do Instituto Cultural Israelita Brasileiro, membro da direção estadual paulista do Partido Comunista do Brasil. Nascido no Bom Retiro, São Paulo, mora em Santos.