O reitor da Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul, coordenador do maior estudo epidemiológico sobre Covid-19 no Brasil, afirmou que “a prioridade número um é que possamos pegar cada positivo e rastrear os cinco ou dez contatos mais próximos dessa pessoa para poder bloquear a transmissão do vírus”
A falta de uma coordenação nacional no combate à pandemia do coronavírus no Brasil tem colaborado decisivamente para a expansão descontrolada do vírus nas diversas regiões do país.
Iniciativas como a do professor Pedro Curi Hallal, reitor da Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul, que coordena o maior estudo epidemiológico sobre Covid-19, apontam a dimensão e a dinâmica da pandemia, e revelam a necessidade de medidas urgentes para o enfrentamento deste que é um dos maiores flagelos sanitários de nossa história.
O estudo conduzido por Pedro Hallal e sua equipe é reconhecido nacional e internacionalmente, mas, para infelicidade dos brasileiros, não consegue sensibilizar os atuais ocupantes do Ministério da Saúde e nem alterar a paralisia que toma conta do governo federal.
A segunda fase da pesquisa que reúne dados sobre o coronavírus no país indica que, em duas semanas, a proporção de pessoas com anticorpos para a doença – ou seja, que já foram ou estão infectadas – aumentou 53% no Brasil. “O que mais nos chamou atenção é o aumento no número de casos, que é espantoso. Mesmo que o Brasil tenha saído atrás de muitos países em relação à doença, hoje, certamente, somos o que tem maior velocidade de expansão da Covid-19 no mundo”, alerta Pedro Hallal.
Em entrevista ao HP, o reitor e coordenador da pesquisa, afirmou que o desdobramento natural de seu estudo epidemiológico, feito inicialmente no Rio Grande do Sul, e depois expandido para todo o país, deveria ser o aumento da testagem molecular (RT-PCR), que identifica a presença do vírus no organismo, “para que pudesse ser feita a busca dos contatos da pessoas positivas e fazer um rastreamento ativo”.
Para ele, “essa é a prioridade numero um”. Falta, segundo ele, uma “política de testagem”. Questionado sobre os motivos que levam a que o Brasil seja um dos países que menos fazem teste diagnóstico em todo o mundo, Pedro Hallal disse que “no começo faltavam testes, agora não é este o problema, não faltam testes, falta uma política de testagem que diga, cada positivo nós vamos rastrear os cinco ou dez contatos mais próximos dessa pessoa para poder bloquear a transmissão do vírus”.
Nós perguntamos como ele vê o isolamento social feito até aqui no Brasil e quais seus efeitos na pandemia. Pedro Hallal respondeu que considera que o distanciamento social que está sendo feito no Brasil atualmente “é um distanciamento meia boca”. “Ele é melhor do que se não estivesse fazendo nada e pior do que o ideal”, argumentou. “A sensação que eu tenho é que o momento seria de um lockdown rigoroso (restrições rigorosas de movimentação social) por uns quinze dias, para que possamos colocar a curva na descendente”, afirmou o pesquisador.
A cidade de Pelotas, com cerca de 200 mil habitantes, cuja prefeita Paula Mascarenhas conta, entre outras pessoas, com a presença do professor Pedro Hallal no comitê responsável pelo combate à pandemia do novo coronavírus, apresenta pouco mais de 200 casos confirmados e dois óbitos pela Covid-19.
O estudo, que é feito nacionalmente pela Universidade Federal de Pelotas, tem a sua versão estadual que contará, inclusive, com oito etapas, sendo mais amplo, portanto do que o estudo nacional. A Prefeitura de Pelotas tem feito busca ativa e rastreamento de casos.
ESPECIALISTAS CONCORDAM COM HALLAL
Um grande numero de especialistas tem uma opinião concordante com a avaliação do professor Pedro Hallal no que diz respeito à falta de uma política de testagem que possibilite as ações de rastreio de casos e bloqueio da expansão da doença nas diversas regiões do país. Eles consideram que essa política de testagem é fundamental para detectar os infectados, isolá-los e frear avanço da pandemia no Brasil.
Os estudos mostram que os testes são importantes porque, sem eles, não há como identificar quem está doente e isolar, o mais rápido possível, o infectado e todos os que tiveram contato com ele. Não há também como avaliar a situação do país em tempo real, para tomar as decisões corretas (como as de abertura da economia ou de lockdown). O isolamento social dos contaminados é uma forma de frear a transmissão. Sem identificar os contaminados atua-se às cegas e é o que está ocorrendo no Brasil.
Segundo o Our World in Data, no Brasil a média até a primeira semana de junho, de pessoas testadas a cada 100 mil habitantes era de 2,28. Nos Estados Unidos, são 61,59 para cada 100 mil; na Itália, 69,25; em Portugal, 85,81; no Chile, 35,97. Pior do que testar pouco é testar sem uma política que tire consequências de seus resultados. Com estes números, o que se observa é que o país efetivamente não está fazendo busca ativa de casos. Com esses dados, fica evidente que o Brasil está testando apenas os pacientes que estão internados em estado grave.
O professor Eduardo Costa, ex-secretário de Saúde do governo Brizola, no Rio, PhD em Epidemiologia, médico-sanitarista e professor titular de Epidemiologia da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), em artigo publicado recentemente pelo HP, também enfatizou, como fez o professor Pedro Hallal, a importância do rastreamento de casos para o controle da pandemia (v. Hora do Povo: COVID-19: Busca ativa ou testagem de massa?).
Disse ele: “Os países asiáticos tiveram enorme sucesso no controle rápido da epidemia. Além de dirigentes qualificados e respeitados pelos seus povos, usaram a epidemiologia clássica para poderem ser bem-sucedidos. De um lado, o foco no isolamento geral, por recomendação a todos e desmobilização de serviços não essenciais, e, de outro, a busca ativa e o rastreamento de casos. No caso da China, essas atividades de vigilância epidemiológica se iniciaram ainda antes que estivessem disponíveis os testes diagnósticos, que com eles ficaram mais robustos.
Em que consistem essas duas atividades?
O rastreamento parte de casos conhecidos que procuram atenção médico-hospitalar. A equipe de visitação sanitária (agentes de saúde ou outros profissionais de enfermagem) é comunicada imediatamente nos pontos de atendimento e vão à residência e ao trabalho (se estiver ativo) de quem adoeceu e testa todos os membros da família e seus amigos mais próximos nas comunidades para a presença do vírus na garganta (infectantes) e testes sorológicos. Todos o que tiverem febre e outros sintomas compatíveis com o diagnóstico inicial de SRAG serão postos em isolamento, se tiverem condições favoráveis em casa, com recomendações e, se possível contato diário para saber da evolução das pessoas. E se necessário encaminhar para um local de isolamento comunitário qualificado. Note-se que o uso de telefonia celular e internet viabiliza que essa ação seja rápida.
A busca ativa foca nos grupos profissionais que não podem parar, como saúde, frigoríficos, indústria de alimentos, transportes coletivos, motoristas de carga, entre outros; faz-se ‘swab’ indiscriminado nos trabalhadores, o que se repete periodicamente, para a coleta de material naso-faríngeo. Os positivos são isolados e postos em observação com o mesmo trabalho de rastreamento já descrito. A busca ativa na entrada e saída de cidades menores devem ter consequências sanitárias, não ser apenas para obter imagens. Além de desestimular a movimentação desnecessária, devem servir para que possa ser localizado e informado naquele positivo”.
“O complemento do uso de testes para diagnóstico, busca ativa e rastreamento, são os estudos sorológicos sequenciais em painéis da população por amostragem, como a iniciativa da UFPelotas. Por eles pode-se agregar segurança para o acompanhamento nacional da epidemia”, acrescentou Eduardo Costa. “Essas ações estão sendo feitas simultaneamente ao isolamento social indiscriminado também em países da América Latina com sucesso. E são obrigatórias que se mantenham depois que a epidemia é controlada, para não sermos surpreendidos com ‘segunda onda’.
Como o professor Pedro Hallal, Costa também considera que, com uma politica de testagem, não é necessário um número enorme de testes. “Para essas ações não é necessário importar 42 milhões de testes. 10 a 20% já seriam muito bons se usados adequadamente. E com isso é possível racionalmente flexibilizar algumas atividades de isolamento social e ainda assim ter a supressão da epidemia. Há modelos que o demonstram, especialmente quando o objetivo é reduzir a taxa de reprodução de casos de menos de 1,5 para abaixo de 1”, conclui o especialista.
SÉRGIO CRUZ