A mensagem inicial do órgão agora é repetida de forma enfática por Tedros Adhanom: “teste, rastreie, isole e faça quarentena”
O diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, fez nesta terça-feira (30) um duro alerta ao mundo sobre a situação da pandemia do novo coronavírus. A mensagem inicial do órgão agora é repetida de forma enfática pelo dirigente: “teste, rastreie, isole e faça quarentena”.
Na entrevista desta terça-feira, Tedros destacou: “nós também fazemos um apelo para que os governos sigam os exemplos de Alemanha, Coreia do Sul e Japão, que mantiveram seus surtos sob controle através de políticas que incluíram testes e rastreios rigorosos”, destacou ele.
Seis meses depois de seu início, “o pior da pandemia do Covid-19 ainda pode estar por vir, alertou a o diretor da OMS. “Lamento dizer, mas com esse ambiente e com essas condições, nós tememos pelo pior”, acrescentou.
A porta-voz da Organização Mundial da Saúde (OMS), Margaret Harris, também já tinha alertado nesta mesma direção há alguns dias. “Os governos “só conseguirão controlar a pandemia se souberem onde está o vírus”. Para isso, destaca Harris, “testes serão necessários”.
“Os governos “só conseguirão controlar a pandemia se souberem onde está o vírus”. Para isso, destaca Harris, “testes serão necessários”.
“Testar é crucial. Saber onde o vírus está e que tem potencialmente a possibilidade de ser afetado é a forma de parar a transmissão”, disse. “Testem, rastreiem”, insistiu. Segundo ela, “quando se rompe a cadeia de transmissão, é aí que o surto começa a cair”. Para isso, porém, governos precisam ampliar os testes.
“Encontrem a todos que tem potencialmente o vírus”, afirmou Harris. Segundo ela, em locais com intensa transmissão, uma opção para governos é a de realizar testes direcionados, com a população que poderia ser mais afetada e nas áreas onde o vírus poderia se mover mais rapidamente.
Mais de 10 milhões de casos foram registrados no mundo todo desde o surgimento da doença na China no final do ano passado. O número de infectados que morreram está agora acima de 500 mil. Metade dos casos no mundo ocorreram nos Estados Unidos e na Europa, mas a Covid-19 está crescendo rapidamente nas Américas, sobretudo nos Estados Unidos e Brasil.
“Todos queremos que isso acabe. Todos queremos dar sequência às nossas vidas. Mas a realidade dura é que não estamos nem perto disso”, disse Tedros. “Apesar de muitos países já terem feito progresso, globalmente a pandemia está na verdade acelerando”, prosseguiu.
“Apesar de muitos países já terem feito progresso, globalmente a pandemia está na verdade acelerando”, diz Tedros
Ele chamou a atenção para a necessidade de maior união e manter o esforço para o combater a doença. “Com 10 milhões de casos agora e meio milhão de mortes, a não ser que nós enfrentemos o problema que já identificamos na OMS, a falta de união nacional e a falta de solidariedade global e o mundo dividido que estão ajudando o vírus a se espalhar… o pior ainda está por vir”, avisou.
Estados Unidos e Brasil estão entre os países com o maior número de casos e de mortes. Em ambos, autoridades locais estão tomando decisões sobre reabrir ou não a economia. O Estados Unidos registraram mais de 2,5 milhões de casos e cerca de 126 mil mortes com o Covid-19 até agora — mais do que qualquer outro país. Os Estados americanos que abandonaram a quarentena nas últimas semanas — sobretudo no sul — têm registrado aumentos fortes no número de casos.
Os novos surtos fizeram com que Texas, Flórida e outros Estados restringissem as medidas de reabertura novamente. O país com o segundo maior número de casos é o Brasil — são 1,3 milhão e mais de 58 mil mortes. O vírus também está afetando o sul da Ásia e a África, com o pico da pandemia previsto para chegar no final de julho.
No Brasil, especialistas concordam com Tedros Adhanom e alertam para a necessidade de uma ação mais coordenada no combate à Covid-19. Na visão do criador da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o médico Gonzalo Vecina, “de nada adianta saber quem está contaminado, se não houver controle efetivo do infectado e do grupo que teve contato com ele.” “Tem de distribuir esses testes pelos municípios e na atenção básica para identificar os que tiverem com os sintomas. Se der positivo, pede-se para indicar cinco contactantes”, argumenta.
“É necessário, após a identificação, entrar em contato com os contactantes”, defende Vecina. “Tem de distribuir esses testes pelos municípios e na atenção básica para identificar os que tiverem com os sintomas. Se der positivo, pede-se para indicar cinco contactantes. Neste grupo, pela atual taxa de contágio, é provável que se encontre dois infectados, ainda nos primeiros dias de infecção. Nesse nível, normalmente, os contactantes positivos ainda não têm sintomas manifestados. Assim, cria-se uma barreira efetiva para impedir a transmissão descontrolada do vírus”, explica Vecina.
“É necessário, após a identificação, entrar em contato com os contactantes”, defende Vecina. “Tem de distribuir esses testes pelos municípios e na atenção básica para identificar os que tiverem com os sintomas”, defende Gonzalo Vecina
O professor Pedro Hallal, retiro da Universidade Federal de Pelotas afirmou, em entrevista ao HP, que falta uma “política de testagem”. “O desdobramento natural dos estudos epidemiológicos, deveria ser o aumento da testagem molecular (RT-PCR), que identifica a presença do vírus no organismo”, argumentou Hallal. “Isso é necessário para que se possa fazer a busca dos contatos da pessoas positivas e fazer um rastreamento ativo”, prosseguiu.
“O desdobramento natural dos estudos epidemiológicos, deveria ser o aumento da testagem molecular (RT-PCR), que identifica a presença do vírus no organismo”, argumentou Pedro Hallal
Questionado sobre os motivos que levam a que o Brasil seja um dos países que menos fazem teste diagnóstico em todo o mundo, Pedro Hallal disse que “no começo faltavam testes, agora não é este o problema, não faltam testes, falta uma política de testagem que diga, cada positivo nós vamos rastrear os cinco ou dez contatos mais próximos dessa pessoa para poder bloquear a transmissão do vírus”.
O professor Eduardo Costa, ex-secretário de Saúde do governo Brizola, no Rio, PhD em Epidemiologia, médico-sanitarista e professor titular de Epidemiologia da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), em artigo publicado recentemente pelo HP, também enfatizou, como fez o professor Pedro Hallal, a importância do rastreamento de casos para o controle da pandemia.
Disse ele: “Os países asiáticos tiveram enorme sucesso no controle rápido da epidemia. Além de dirigentes qualificados e respeitados pelos seus povos, usaram a epidemiologia clássica para poderem ser bem-sucedidos. De um lado, o foco no isolamento geral, por recomendação a todos e desmobilização de serviços não essenciais, e, de outro, a busca ativa e o rastreamento de casos. No caso da China, essas atividades de vigilância epidemiológica se iniciaram ainda antes que estivessem disponíveis os testes diagnósticos, que com eles ficaram mais robustos.
Em que consistem essas duas atividades?
O rastreamento parte de casos conhecidos que procuram atenção médico-hospitalar. A equipe de visitação sanitária (agentes de saúde ou outros profissionais de enfermagem) é comunicada imediatamente nos pontos de atendimento e vão à residência e ao trabalho (se estiver ativo) de quem adoeceu e testa todos os membros da família e seus amigos mais próximos nas comunidades para a presença do vírus na garganta (infectantes) e testes sorológicos. Todos o que tiverem febre e outros sintomas compatíveis com o diagnóstico inicial de SRAG serão postos em isolamento, se tiverem condições favoráveis em casa, com recomendações e, se possível contato diário para saber da evolução das pessoas. E se necessário encaminhar para um local de isolamento comunitário qualificado. Note-se que o uso de telefonia celular e internet viabiliza que essa ação seja rápida.
“A equipe de visitação sanitária (agentes de saúde ou outros profissionais de enfermagem) é comunicada imediatamente nos pontos de atendimento e vão à residência e ao trabalho”, aponta Eduardo Costa
A busca ativa foca nos grupos profissionais que não podem parar, como saúde, frigoríficos, indústria de alimentos, transportes coletivos, motoristas de carga, entre outros; faz-se ‘swab’ indiscriminado nos trabalhadores, o que se repete periodicamente, para a coleta de material naso-faríngeo. Os positivos são isolados e postos em observação com o mesmo trabalho de rastreamento já descrito. A busca ativa na entrada e saída de cidades menores devem ter consequências sanitárias, não ser apenas para obter imagens. Além de desestimular a movimentação desnecessária, devem servir para que possa ser localizado e informado naquele positivo”.
O professor Roberto Bittencourt, doutor em Saúde Pública e professor do Programa de Pós Graduação da Escola Superior em Ciências da Saúde do Distrito Federal, é outro que defende que “em torno das pessoas infectadas deve-se organizar as ações da Fase II do combate à pandemia”. Esta fase, segundo o professor Roberto, exige “o uso intensivo de Inteligência Epidemiológica. Em especial, nas cidades do interior do país, onde é plenamente exequível realizar o rastreamento, isolamento e supressão, com sucesso”.
“Em especial nas cidades do interior do país é plenamente exequível realizar o rastreamento, isolamento e supressão, com sucesso”, diz Roberto Bittencourt.
A fim de implementar a Fase II, segundo o especialista, devem ser utilizados dois componentes a pleno vapor: “as Equipes de Saúde da Família associadas as equipes da Defesa Civil, ambas com grande capilaridade nas comunidades e no interior do Brasil, com capacidade de acompanhar os casos e as plataformas de Georreferenciamento disponíveis amplamente, que permitirão identificar dos principais focos, por CEP, verificar os fluxos de contágio e mapear as zonas mais atingidas”.
“A estratégia de supressão da transmissão é a única capaz de interromper a atual pandemia, além de organizar o sistema de saúde de maneira permanente, para enfrentar as próximas epidemias, que seguramente ocorrerão”, argumenta Bittencourt.
SÉRGIO CRUZ