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Houve uma época em que concurso de miss tinha importância. E, no Brasil, importância nacional.
Sobretudo em 1954, quando, no mesmo ano, algumas semanas antes de Marta Rocha ir à Long Beach disputar o “Miss Universo”, a Seleção havia fracassado em mais uma Copa do Mundo, a da Suíça.
E algumas semanas após Long Beach, o presidente da República, Getúlio Vargas, ofereceria, em suas palavras, a vida em holocausto pela independência do Brasil e pela liberdade do povo.
Era, portanto, um ano épico – ou trágico.
Miss Bahia, escolhida Miss Brasil, perguntaram a Marta Rocha se ela acreditava em macumba (um nome genérico, ainda que pejorativo, usado, na época, para os cultos afro-brasileiros):
“Eu sou baiana…”, advertiu a nova Miss Brasil.
Tudo era muito peculiar, a começar pelo júri que elevou Miss Bahia à Miss Brasil.
O presidente era o poeta Manoel Bandeira.
Lá estava, também, o romancista Amando Fontes, autor de dois livros importantes da nossa literatura, “Os Corumbas” (1933) e “Rua do Siriri” (1937).
Lá estava o cronista Paulo Mendes Campos, autor de “O Cego de Ipanema”, e seu companheiro do “grupo mineiro”, Fernando Sabino, autor de “O Encontro Marcado”.
Lá estavam o pintor Santa Rosa, a escritora Helena Silveira e o jornalista Pompeu de Sousa.
Houve seis finalistas: Lígia Beatriz Carotenuto (Miss Rio Grande do Sul). Dorama Cury Nasser (Miss Goiás), Marta Rocha (Miss Bahia), Baby Lomani (Miss São Paulo), Zaida Saldanha (Miss Estado do Rio) e Patrícia Lacerda (Miss Distrito Federal, que, na época, era a cidade do Rio de Janeiro).
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“Não sabemos como decorreram os debates secretos posteriores ao desfile”, disse a Revista O Cruzeiro, “mas uma coisa poderemos afirmar: a decisão do júri veio confirmar uma impressão que já se tornara geral antes de conhecido o resultado. Até mesmo entre as candidatas só havia uma preocupação: a representante da Bahia. E não era para menos, pois a baianinha loura era um desses casos muito sérios, com a sua pele da cor do Sol de Amaralina, os seus olhos em que parecem estar refletidas as transparentes águas azuis de Itaparica, o seu corpo escultural de menina-moça, o seu sorriso de dentes perfeitos, a sua graça tipicamente baiana, tudo isso acondicionado num encantador volume de 1,70 cm de altura, com 57 quilos de peso e 21 anos de idade, que Maria Marta Hacker Rocha se tornou Miss Brasil 1954”.
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Hoje, nesta época em que alguns acham que o motor da história está nas mal chamadas pautas identitárias, é difícil (pelo menos, supomos, para os jovens) conceber como Marta Rocha tornou-se um símbolo de identidade nacional, uma condensação da beleza de nossas mulheres, sendo branca, loura, com olhos azuis, e, no entanto… Miss Bahia!
Mas assim foi. Sua derrota para a Miss Carolina do Sul (aliás, Miss EUA), em Long Beach, pode não ter sido por causa das duas polegadas a mais de seus quadris.
Porém, o resultado somente demonstrou que os EUA somente admitiriam como Miss Universo, naquele concurso de 1954, sua própria representante. Se não, como explicar que Marta tenha ficado em segundo lugar?
Esta nota é apenas uma pequena homenagem a uma mulher que, até por razões alheias à sua vontade, acabou por marcar este nosso belo país. Mesmo não sendo mulata ou negra ou índia ou cafuza.
Marta Rocha faleceu no último dia 4 de julho, aos 83 anos.
Este obituário está, como os leitores sabem, atrasado. Mas ainda está em tempo. Uma leitora recomenda que nós não esqueçamos de mencionar o Bolo Marta Rocha.
Então, está bem.
À memória da Miss Brasil.
C.L.