WALTER SORRENTINO (*)
“O Brasil sucumbe de modo trágico à pandemia do coronavírus, e o luto cobre a nação.” Assim inicia a manifestação 60 dias de omissão na Saúde, dos ex-ministros da saúde Alexandre Padilha, Arthur Chioro, Barjas Negri, Humberto Costa, José Gomes Temporão, José Saraiva Felipe e Luiz Henrique Mandetta, apresentada hoje em “Tendências e Debates” da “Folha de São Paulo”.
É o parecer de praticamente toda a sociedade civil, no âmbito social, político e científico, repercutido em editoriais profusos na mídia em geral. É o sentimento popular, que aponta como ponto mais fragilizado do governo Bolsonaro o (não) enfrentamento da pandemia.
Todos – atenção, todos – referem a responsabilidade maior do governo federal em sua recusa sabotadora de coordenar e centralizar as medidas necessárias, vastamente conhecidas, apesar das dificuldades em superá-las. Em especial, essa negação se expressa no fato de que o Ministério da Saúde “se tornou uma instituição desacreditada”, nos termos do artigo.
O diagnóstico é completo e preciso, deve ser lido por todos. É um alerta máximo de que o Brasil está sendo derrotado pela pandemia e seus efeitos são devastadores, não recuam na medida necessária e lesam a vida de toda uma geração brasileira. A iniciativa é algo como as sirenes que anunciavam os bombardeios na Segunda Guerra Mundial, indicando que as pessoas precisavam procurar proteção.
Proteção onde, como, quando? Promovida e coordenada por quem? Nesse ponto prospectivo é preciso aprofundar as consequências a extrair da manifestação.
Diz-se lá que “na prática, a partir da decisão do STF sobre a autonomia dos entes da federação no enfrentamento da epidemia, estruturou-se no país uma ‘autoridade sanitária alternativa’, embora não formalizada enquanto tal…”.
Aí reside o nó e a insuficiência. Na prática, mesmo essa dita articulação vem sendo derrotada, pela simples razão de que não é “formalizada” como tal. Porque isso requer, primeiro, poderes institucionais envolvidos, segundo, formalizados, com autoridade institucional para fazer valer um programa de emergência coordenado no enfrentamento da COVID-19.
Não vejo outra instituição representativa do povo para esse papel que não o Congresso Nacional ou, ao menos, a Câmara dos Deputados. Ela tem o poder de instituir CPIs, investir Comissões, promover audiências públicas e muito mais.
Pode reunir a inteligência científica a todos os setores da sociedade civil e oferecer um Programa de Emergência com o qual vamos combater a pandemia e, necessariamente, pressionar o governo central a adotar tais indicações. Existe, sim, uma “comissão” já instituída naquela instituição, mas ela precisa se abrir à sociedade, porque em última instância é dessa maioria social que provirá a força capaz de impor uma “autoridade sanitária alternativa”, como dizem os ex-ministros.
Os brasileiros não podem aceitar a naturalização dessa catástrofe histórica. É preciso unir as forças que queiram ser unidas – no caso, o governo Bolsonaro e todos que o apoiam se omitem criminosamente, independente de eventuais boas intenções.
Não há lideranças políticas no país capaz de produzir isso fora das instituições, o que aprofunda o impasse entre a escalada da pandemia e do desgoverno, por um lado, e as saídas políticas democráticas, por outro. Enquanto isso, a COVID-19 extermina dezenas de milhares de vidas.
Não vejo, repito, outro rumo que não seja induzir o Congresso Nacional a assumir seu papel de responsabilidade em produzir consensos dotados de força institucional, para tentar recuperar o tempo perdido diante da pandemia – até porque, como está, ela ainda vai longe.
Quem faz luta política odienta com o tema da pandemia é Bolsonaro. Ao Congresso não lhe cabe, e, sim, enfrentar o Executivo quando os interesses maiores do povo estão em risco agudo.
Há tempo. É preciso esse sentido de urgência.
(*) Médico, vice-presidente nacional e secretário de Política e Relações Internacionais do PCdoB. Presidente do Conselho Curador da Fundação Maurício Grabois e diretor da União Brasileira de Escritores.