CARLOS LOPES
Caminhamos, este ano, para as eleições mais antidemocráticas da História do país.
Diante das regras aprovadas por um Congresso imerso, em maioria, nos esgotos da Lava Jato (não estranhe o leitor a expressão, algo surrealista, pois estranha é a realidade), as eleições do Império, onde somente podiam votar os que ganhassem além de 100 mil-réis (e, mesmo assim, somente nas eleições paroquiais, pois o voto para os parlamentos provinciais e centrais era indireto), se não eram uma maravilha de democracia, pelo menos constituíam um sistema menos hipócrita, menos cínico, mais sincero.
Quanto ao sistema que substituiu esse, com a República Velha, suas eleições fraudadas – o famoso “bico de pena” – pelo menos não tinham como objetivo a seleção dos mais imbecis e dos mais gatunos. No entanto, a corrupção que nele predominava foi suficiente para que Rui Barbosa – o próprio autor da primeira Constituição republicana – e os tenentes de 1922, 1924 e 1930 o estigmatizassem para sempre:
“Foi um mundo, que se abriu à nossa vista, esse dos recessos incalculáveis da fraude nas eleições brasileiras. Viu-se que ela submergia Estados quase inteiros, que, em grandes seções do país, a eleição, positivamente, se reduz a um mito odioso e vil. O que era, até há pouco, uma impressão vaga, uma denúncia indefinida, um surdo clamor de muitos clamores, assumiu, a este dilúvio de luz, as formas de uma realidade tangível e comprovada. Arrancou-se à mentira eleitoral o manto das suas sombras, convenções e hipocrisias, arrastou-se o monstro, da penumbra, onde o cevava a conspiração das oligarquias, à claridade meridiana de uma irradiação deslumbrante; e, agora, só lhe resta ou viver da sua prostituição no meio da rua, ou ser extirpada com energia pela insurreição da consciência nacional” (Rui Barbosa, “Memória sobre a eleição presidencial”, O.C., vol. XXXVII, t. 2, pp. 26-27).
Apesar disso, não consta que os presidentes da República daquela época tivessem roubado e estabelecido um esquema de propinas no Banco do Brasil – na falta de uma Petrobrás – como aquele que foi inaugurado no governo Lula, até que a Operação Lava Jato desse fim a ele.
Nem que, na falta de propina, algum presidente daquele período, ou algum dos parlamentos, tivesse desviado quase dois bilhões – da Saúde, da Educação e de outros setores que atendem ao povo – para substituir as propinas, tal como faz o “fundo eleitoral” proposto pelo PT e aprovado pelas organizações criminosas em que se transformaram certos partidos.
Esse fundo – até mais que o casuísmo da “cláusula de barreira” – é a marca da infâmia de uma oligarquia política que, a rigor, já morreu, e apodrece na frente de todos.
Por esse fundo, PMDB, PT e PSDB vão ter, à sua disposição, R$ 632 milhões e 400 mil, o que é 37,15% do total que foi retirado da Saúde, Educação, etc., para constituir esse fundo substitutivo das propinas.
Vejamos alguns números dessa distribuição indecente de recursos do povo:
MDB: R$ 234.300.000 (13,76%);
PT: R$ 212.300.000 (12,47%);
PSDB: R$ 185.800.000 (10,91%);
PP: R$ 134.300.000 (7,89%);
PSD: R$ 112.000.000 (6,58%);
PR: R$ 109.900.000 (6,46%);
DEM: R$ 89.100.000 (5,23%);
PRB: R$ 67.000.000 (3,94%);
PTB: R$ 59.100.000 (3,47%).
Esses partidos irão, portanto, levar R$ 1 bilhão, 203 milhões e 800 mil do fundo eleitoral, o que é 71% dos recursos que foram retirados dos serviços ao povo (ao todo, 1 bilhão, 702 milhões, 442 mil e 100 reais) para substituir a propina.
Com a condição de que os demais partidos estarão proibidos de buscar recursos fora do fundo – foram vedadas as doações de empresas -, com exceção dos parcos recursos que pessoas amigas possam doar (e, mesmo assim, sob severa limitação).
Mas, olhemos outra vez a lista acima.
O que esses partidos têm em comum?
O fato de se terem envolvido em trampolinagens afins – não somente nas investigações da Lava Jato.
Nessas condições, em que os recursos foram concentrados em partidos corruptos, foi instituída a notória “cláusula de barreira”, cujo objetivo é eliminar os partidos que não se envolveram no escândalo.
E aqui nem falaremos na distribuição completamente antidemocrática do tempo de televisão e rádio – tanto na propaganda eleitoral quanto na partidária – pois o quadro é exatamente o mesmo, com a monopolização do tempo, no rádio e na TV, pelo banditismo partidário.
Devemos convir que, diante disso, as eleições sob a ditadura até que eram bastante democráticas.
ORIGINAIS
Vejamos, então, a originalidade da situação política atual – algo que seria cômico, se não fosse o que significa, em sofrimento, para o nosso povo.
Certos indivíduos passaram a valorizar, até o paroxismo, a sua imaginária filiação a uma esquerda também imaginária.
São sujeitos com débil raiz nacional, de vesga relação com a grande maioria de nosso povo, vocacionados ao elitismo – alguns até acham, como o velho canalha Orwell, que sua dificuldade para se identificar com os operários é porque estes “cheiram mal” – e dados à inveja em relação ao que, no momento, é dominante no Brasil, ou seja, aos barões e almofadinhas dos antros financeiros alienígenas.
Mesmo assim, afirmam que são muito “de esquerda” – sem que isso signifique absolutamente nada, exceto seu total desapego da verdade.
São os mesmos que falam em uma “ofensiva da direita”, como se o país – e o mundo – fosse composto de amnésicos.
Pois, no governo, levaram Temer ao poder – ao nomeá-lo, duas vezes, vice-presidente -, aderiram ao receituário mais descaradamente neoliberal e submisso ao imperialismo, incensando bestas quadradas, como os srs. Levy e Meirelles, subitamente elevados ao status de gênios econômicos, e até mesmo fundaram (ou, pelo menos, viabilizaram) mais um partido de direita, com outra mágica elevação – a do sr. Kassab, a líder carismático.
Fora isso, privatizaram portos, aeroportos, estradas, e até o maior campo de petróleo do mundo, o de Libra, descoberto pela Petrobrás no pré-sal; fizeram duas “reformas da Previdência”, retirando direitos dos trabalhadores, tanto do setor público quanto do setor privado; reduziram barbaramente o seguro-desemprego, ao mesmo tempo que deflagravam, com a recessão, a pior onda de desemprego – pior até mesmo que a dos tucanos – que os trabalhadores e a economia brasileira já sofreram.
Além de todas essas proezas – aliás, como base para elas – instalaram o mais gigantesco esquema de corrupção da História do país, com a pilhagem absolutamente sem limites do dinheiro público e da propriedade pública (a começar pela mais estratégica delas, a Petrobrás).
Depois disso tudo, e de um formidável estelionato eleitoral, queixam-se de “golpe”, “ofensiva de direita”, e até descobriram que a Operação Lava Jato é uma invenção do imperialismo – quando é apenas o resultado da sua própria corrupção – e o juiz Moro é um perigoso agente da CIA, porque Moro, independente de suas convicções políticas, está agindo como um juiz.
VERTIGEM
Sobre esse último aspecto, a sexta revisão a que os técnicos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) submeteram as contas eleitorais de 2014, apresenta alguns elementos importantes para o julgamento público desses atores (e artistas) políticos.
Vejamos os seguintes números, referente aos gastos eleitorais da campanha para presidente, do PT:
2002: R$ 21.061.272,57;
2006: R$ 91.490.670,71;
2010: R$ 153.093.181,16;
2014: R$ 350.232.163,64.
Houve, portanto, um aumento de +1.562,92% nos gastos eleitorais declarados oficialmente da campanha para presidente do PT, entre 2002 e 2014.
Entretanto, alguém poderá objetar que os valores estão em preços correntes, sem levar em conta a inflação. Portanto, convertamos todos os valores para preços de 2014, usando o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA):
2002: R$ 42.799.999,93;
2006: R$ 142.720.917,52;
2010: R$ 195.705.305,61;
2014: R$ 350.232.163,64.
Com a correção, o aumento de gastos do PT, entre 2002 e 2014, na eleição presidencial, foi de +718,30%.
Ao mesmo tempo, a inflação (também pelo IPCA) do período, foi 103%.
Logo, os gastos eleitorais do PT, na campanha para presidente, aumentaram 615 pontos percentuais acima da inflação, ou, dito em forma de percentagem, 597% acima da inflação.
HEGEMONIA
Outra objeção que se poderia fazer a esse cálculo é no sentido inverso ao anterior: esses números são aqueles declarados oficialmente. Não levam em consideração o caixa 2, o dinheiro não declarado.
É verdade. O que, aliás, torna mais nítido (e crítico) o problema que estamos abordando.
No entanto, é preciso advertir que, após as investigações que foram reunidas sob o nome de Operação Lava Jato, ficou claro que o PT, e outros partidos, lavavam dinheiro de propina através das declarações oficiais de receitas – e, portanto, os gastos eleitorais oficiais refletem o dinheiro ilícito recebido, ainda que não completamente.
Considerando essa questão, vejamos a parcela do PT nos gastos eleitorais totais das campanhas presidenciais:
2002: 22,37%;
2006: 36,15%;
2010: 53,84%;
2014: 53,73%.
Ou seja, os gastos eleitorais do PT, na campanha eleitoral para presidente, que eram apenas um pouco mais de 1/5 dos gastos totais em 2002, passaram a ser mais da metade em 2010 e 2014.
E isso não aconteceu porque os gastos totais, da campanha para presidente, diminuíram. Pelo contrário, eles aumentaram 592,51%, em valores correntes, entre 2002 e 2014:
2002: R$ 94.135.754,33;
2006: R$ 253.114.744,73;
2010: R$ 284.369.660,67;
2014: R$ 651.897.698,76.
A mesma coisa – a, digamos assim, hegemonia no abuso do poder econômico – pode ser constatada se examinamos os gastos das coligações:
MAIS GASTOS
Essa loucura que acabamos de ver, é, em tudo, um efeito do assalto sobre a Petrobrás e outras propriedades públicas.
Seu efeito, obviamente, foi a eleição de governos e parlamentos cada vez mais reacionários, sem identificação com o povo e com o Brasil, cada vez com menos representantes populares.
O segundo governo Dilma-Temer, continuado pelo último, é o ápice dessa escalada de roubo e reacionarismo, com a consequente devastação do país (é necessário dizer outra vez: ninguém recebe propina para fazer um governo progressista ou para cuidar bem do país e do povo).
Segundo o TSE, todos os candidatos – daqueles que pleiteavam a Presidência da República até os que ambicionavam um mandato de deputado estadual – gastaram, na campanha eleitoral de 2014, ao todo, 4 bilhões, 558 milhões, 472 mil e 100 reais (o que corresponde hoje a R$ 5,6 bilhões; mais exatamente, corrigido o montante pelo IPCA, R$ 5.580.473.795,42).
É dinheiro como não acaba mais para uma eleição – sobretudo em país com as condições sociais do Brasil, e sobretudo considerando que este, como já mencionamos, é somente o gasto declarado oficialmente pelos candidatos, fora o caixa 2.
Além desse gasto dos candidatos, o TSE aponta um gasto dos partidos de R$ 1.961.569.499 (um bilhão, 961 milhões, 569 mil e 499 reais) e um gasto dos comitês de campanha de R$ 804.619.216 (804 milhões, 619 mil e 216 reais).
São declarações de gastos separadas (candidatos, partidos e comitês), que refletem o modo como o dinheiro entrou na campanha eleitoral, isto é, a porta pela qual a receita se efetivou.
Para evitar repetições – duplas contagens –, nos concentraremos, aqui, nas despesas dos candidatos.
Como já mencionado, elas somaram 4 bilhões, 558 milhões, 472 mil e 100 reais, ou, corrigida a inflação, 5 bilhões, 580 milhões, 473 mil e 795 reais em preços de novembro de 2017.
Trata-se de um aumento de 449% em relação a 2002, quando todos os candidatos, juntos, declararam R$ 830.479.113,24 como seus gastos (em preços de 2014, R$ 1.687.671.334,59 – ou seja, entre 2002 e 2014, houve um aumento real, ou seja, acima da inflação, de 170%, no total dos gastos eleitorais).
FONTES
Já analisamos essa mesma questão em outro lugar, ainda que os dados atuais sejam mais precisos, mas o sentido geral é exatamente o mesmo (cf. Carlos Lopes, “Os Crimes do Cartel do Bilhão contra o Brasil: o esquema que assaltou a Petrobras”, Fundação Instituto Claudio Campos, 2016, pp. 119-120).
Agora, nosso interesse é a distribuição dos gastos eleitorais:
Os gastos eleitorais, somados, dos candidatos do PT, aumentaram de R$ 95.879.610, em 2002, para R$ 1.048.503.533 em 2014, um aumento de 952 milhões, 623 mil e 923 reais, puxando – evidentemente, para cima – o encarecimento da campanha eleitoral.
Tanto em termos absolutos, quanto em termos percentuais (+994%), o aumento dos gastos eleitorais do PT ficou bem acima daqueles do PSDB (R$ +607.160.906 ou +423%) e do PMDB (R$ +598.800.671 ou +679%).
Aqui, é possível que alguém – dificilmente de boa fé – argumente que os gastos do PT aumentaram tanto porque sua receita cresceu muito, devido a estar na Presidência da República.
Mas esse é exatamente o problema: em 12 anos de governo, não somente o PT não tomou iniciativa alguma para tornar as eleições mais democráticas – isto é, para coibir, pelo menos em parte, o abuso do poder financeiro – como tornou-se o principal receptáculo e beneficiário desse abuso do poder financeiro, batendo até o PSDB nesse corrupto campeonato.
Tornou-se, portanto, campeão da luta contra a democracia – se é que isso pode ser chamado pela nobre palavra “luta”, tão cara a Rui Barbosa.
A pergunta, portanto, é como o PT conseguiu isso. Ou: por quê? Ou, talvez: à custa de quê – ou de quem?
Bem, leitores, dos R$ 350 milhões declarados como receita pela campanha presidencial do PT em 2014, R$ 336.992.827 foram doações de empresas, ou seja, 96%.
Dessas “doações” empresariais, R$ 174.280.637 vieram das empresas agarradas pela Operação Lava Jato.
Resumindo, 52% das doações empresariais da campanha de Dilma, em 2014, vieram da Odebrecht, JBS e assemelhadas (no roubo e na passagem de propina).
RECEPTAÇÃO
Mas, vejamos a totalidade da campanha eleitoral.
Em vez de dizer aquilo que o leitor arguto, provavelmente, acha que vamos dizer, melhor será mostrar. Comparemos, então, a parcela que coube aos candidatos do PT, em relação aos do PSDB e do PMDB, no que concerne às empresas – as principais, pelo menos –, com diretores ou lobistas já condenados, depois de pegos na Operação Lava Jato:
1) Odebrecht (incluindo Braskem)
PT: 67%;
PSDB: 12%;
PMDB: 4%;
Outros: 18%.
2) JBS
PT: 77%;
PSDB: 4%;
PMDB: 9%;
Outros: 10%.
3) ANDRADE GUTIERREZ
PT: 98,69%;
PSDB: 0,02%;
PMDB: 1,23%;
Outros: 0,06%.
4) OAS
PT: 97,56%;
PSDB: 2,44%;
Outros: 0.
5) UTC
PT: 76,72%;
PSDB: 2,13%;
PMDB: 0,84%;
Outros: 20,31%.
6) BTG Pactual
PT: 63,91%;
PSDB: 11,62%;
PMDB: 10,09%;
Outros: 14,37%.
7) QUEIROZ GALVÃO
PT: 95,48%;
Outros: 4,52%.
8) ENGEVIX
PT: 67,89%;
PSDB: 7,02%;
PMDB: 1,22%;
Outros: 23,87%.
9) GALVÃO ENGENHARIA
PT: 67,69%;
PSDB: 0,13%;
PMDB: 2,55%;
Outros: 29,63%.
10) TOYO SETAL
PT: 56,86%;
PSDB: 11,76%;
PMDB: 9,80%;
Outros: 21,57%.
Bem, isto é, basicamente, o que queríamos dizer. Mais não falamos – ou, aliás, escrevemos – por enquanto, pois o leitor saberá tirar as suas conclusões.