Mais de 7.500 agentes de saúde participam do projeto. Eles vão rastrear familiares e os contatos de pacientes com Covid-19. “O efetivo isolamento nas comunidades demandará outras medidas que envolvem demais áreas além da saúde”, diz Paulo Menezes, coordenador do comitê de saúde do estado
Dois fatos estão dando maiores esperanças aos moradores de São Paulo em relação ao sucesso no combate à pandemia do coronavírus. O primeiro é o início dos testes no Brasil, nesta segunda-feira (20), da vacina contra a Covid-19, desenvolvida em conjunto pelo Instituto Butantan e a empresa chinesa Sinovac Biotech. O segundo é o início de um novo programa de acompanhamento e monitoramento de pessoas infectadas pela Covid-19 e seus contatos em todo o estado.
Segundo a Secretária de Desenvolvimento Econômico do estado, Patrícia Ellen, cerca de 7.500 agentes ligados à atenção básica do estado e dos municípios estão envolvidas no projeto. “Muitos desses agentes de saúde já vinham fazendo o rastreio de contatos e a busca ativa de casos de Covid-19 em vários municípios”, disse ela. A partir do dia 9 de julho, o governo do estado assumiu a coordenação do projeto com o intuito de ajudar e ampliar o seu alcance.
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Neste mesmo dia em que foi anunciado o programa já foi iniciado o projeto piloto em Araraquara, São Bernardo do Campo e Bauru. Em seguida a capital também iniciou o rastreio de contatos.
O rastreamento de contatos, como é chamado esse processo, além da busca ativa de casos em população expostas a risco de contágio é considerado por especialistas uma estratégia essencial para o controle do novo coronavírus. Segundo o governo do estado, 98% dos municípios do estado já fazem algum tipo de monitoramento de contatos por meio de suas vigilâncias de saúde municipais.
O coordenador de Atenção Especializada da Prefeitura de Araraquara, Edison Rodrigues Filho, explicou, em entrevista ao HP, que “se o teste da pessoa deu positivo, vamos falar com seus comunicantes, vamos ver onde ela esteve, onde ela trabalha. Fazemos uma vigilância epidemiológica avançada. A gente já dá um atestado de 14 dias para que as pessoas ao redor do paciente fiquem isoladas”.
De acordo com a secretaria de Desenvolvimento Econômico, nos últimos 15 dias, mais de 550 mil pessoas foram monitoradas por essas equipes e orientadas a ficar em casa, em isolamento.
A participação direta do governo visa centralizar e padronizar o processo que é feito atualmente, orientando todas as pessoas que tiveram contato com casos confirmados por mais de 15 minutos nos últimos 14 dias a ficarem em casa. O objetivo é que 100 municípios participem do projeto até o final de agosto.
“Em cada um deles nós estamos fazendo um piloto levemente diferente. Em São Bernardo do Campo eles já têm uma equipe bastante profissionalizada, com 50 membros, e nós vamos apoiá-los com modelo de controle e integração de plataforma. Em Araraquara, vamos fazer o modelo de apoio parcial, com uma equipe remota também. E em Bauru, um modelo de apoio mais integrado”, afirma Patrícia Ellen.
O secretário de Saúde do município de São Paulo, Edson Aparecido, afirmou ao HP, que a cidade de São Paulo vai acrescentar às quase 300 mil pessoas com sintomas sugestivos de Covid-19 que já são monitoradas pela atenção básica da capital, os familiares e o círculo de pessoas que tiveram algum contato com um paciente diagnosticado.
“Serão em média cinco pessoas, pode ser um pouco mais ou um pouco menos, que serão rastreadas pelos agentes de saúde a partir das informações obtidas com o paciente para serem testados”, explicou o secretário.
“As pessoas que entraram em contato com os pacientes diagnosticados no hospital ou na unidade de saúde serão testadas e receberão orientações e apoio para fazerem o isolamento, se for o caso”, disse o secretário.
“Esse é um passo a mais que nós estamos dando na busca da interrupção da transmissão do vírus na cidade”, acrescentou Aparecido. “As pessoas que entraram em contato com os pacientes diagnosticados no hospital ou na unidade de saúde serão testadas e receberão orientações e apoio para fazerem o isolamento, se for o caso”, disse o secretário.
“Eles ficam em casa até o recebimento do resultado do exame RT-PCR do novo Coronavírus, que sai em dois ou três dias. Caso seja positivo, ele é, então, afastado do trabalho, recebe um atestado para permanecer isolado por 14 dias e passa a ser monitorado pela equipe da atenção básica”, assinalou Aparecido.
Para o médico Marcio Bittencourt, pesquisador do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica do Hospital Universitário da USP, a falta de rastreamento e isolamento de casos confirmados foi a principal falha no combate ao coronavírus em São Paulo e no restante do Brasil.
“A maioria dos lugares não está fazendo nem isolamento dos casos, nem rastreamento dos contatos. Aqui mesmo no estado de São Paulo eu não sei de nenhum local que está com um esforço nisso. E a gente tinha que ter investido mais nisso, porque não basta ficar em casa, tem que ficar sozinho. É um controle de contatos, isolar os contatos e, se possível, testar. É identificar e isolar, e isso é muito mais difícil que só fazer um teste”, explica Bittencourt.
“A maioria dos lugares não está fazendo nem isolamento dos casos, nem rastreamento dos contatos”, afirma especialista
Bittencourt acredita que uma estratégia de isolamento ou quarentena central, na qual casos confirmados que não podem se isolar em casa são submetidos a uma quarentena obrigatória em um local isolado, teria sido mais efetiva do que o processo atual de monitoramento, no qual os casos confirmados e seus contatos próximos são acompanhados por telefone por funcionários da saúde.
Esse deverá ser o passo a seguir do governo porque os estudos revelam que a taxa de transmissão intrafamiliar é muito alto, chega quase 40%, segundo estudo epidemiológico conduzido pela Universidade Federal de Pelotas. O governo de SP argumenta que o protocolo adotado por São Paulo, para isolamento domiciliar, está de acordo com diretrizes dos ministérios da Saúde e da Economia. Ela destacou ainda que o trabalho é feito apenas “em tom de recomendação”.
“Esse trabalho vem de uma referência, de uma resolução conjunta, do Ministério da Saúde com o Ministério da Economia, que prevê esse protocolo exatamente para apoiar, inclusive, o que deve ser feito dentro do ambiente das empresas, não somente dentro de casa, como também para proteger os funcionários nessa retomada. O que tem sido feito tipicamente para indicar esse isolamento é em tom de recomendação e isso pode ser feito tanto por um médico, como por um agente da vigilância”, destacou Ellen.
O coordenador do comitê de saúde do governo estadual, Paulo Menezes, reconheceu que as questões sociais dificultam o isolamento domiciliar. Ele destaca que esses são problemas nacionais. “Não características de SP”, diz. “Basicamente, o país tem questões da sua estrutura social que dificultam o isolamento em algumas situações. Todos os programas sociais e econômicos para apoiar a população de baixa renda são fundamentais para que o programa de monitoramento de contatos seja o mais efetível possível”, disse.
“Nós entendemos que é fundamental buscar o isolamento, mas entendemos também que em algumas situações vai ser necessário outro tipo de ação, de outras áreas, para que isso possa ocorrer de maneira efetiva.”
O coordenador do comitê chegou à mesma conclusão a que outros gestores também já tinham chegado. De que uma ação efetiva de isolamento dos contatos e dos infectados só será concretizada com uma atuação de vários órgãos do governo e não apenas a Saúde.
“Nós entendemos que é fundamental buscar o isolamento, mas entendemos também que em algumas situações vai ser necessário outro tipo de ação, de outras áreas, para que isso possa ocorrer de maneira efetiva.”
A Defesa Civil, os órgãos da Assistência Social e até as FFAA podem ser mobilizadas para a criação de áreas onde posa ser garantido o isolamento e o monitoramento adequados. Alguns governo que já atuam nesta direção, como é o caso da Bahia, instituíram até mesmo uma ajuda financeira, além dos locais que permitam o isolamento efetivo nas comunidades mais carentes.
SÉRGIO CRUZ