NATHANIEL BRAIA E JEAN GOLDENBAUM*
Esta semana, começou, na cidade alemã de Magdeburg, o julgamento de Stephan B., antissemita e islamofóbico, que assassinou duas pessoas e feriu outras duas a tiros disparados contra uma lanchonete turca, depois de uma frustrada tentativa de entrar atirando em uma sinagoga na cidade próxima de Halle.
Durante o julgamento, dezenas de manifestantes se reuniram às portas da Corte de Magdeburg para exigir uma pena justa contra Stephan (de 28 anos) que cometeu um dos piores atentados antissemitas na Alemanha depois da Segunda Guerra Mundial.
Era o Dia da Espiação, Yom Kipur, principal feriado religioso judaico e ele tentou entrar na sinagoga onde rezavam 52 pessoas e não conseguiu entrar para perpetrar o que seria um massacre devido à solidez da porta de entrada que estava trancada.
Em 9 de outubro de 2019, vestindo roupas militares e fortemente armado, lançou um explosivo sobre o muro de um cemitério judaico e tentou entrar na sinagoga local. Sem conseguir acessar o templo, o agressor, que transmitia o ataque ao vivo pela internet, começou a disparar contra pedestres. Ainda perto da sinagoga, matou uma mulher que passava pelo local e efetuou disparos contra os clientes de uma lanchonete turca, a duas quadras da sinagoga, matando um homem. Outras duas pessoas ficaram feridas.
De acordo com a acusação, Stephan B. que cometeu o ataque, “contra cidadãos de fé judaica, é motivado por ódio antissemita, racista e xenófobo”. Segundo a Justiça alemã, o agressor tentou “cometer um massacre”.
O teuto-brasileiro, Jean Goldenbaum, músico e articulista político, que acompanha de perto este tema na Alemanha, nos mandou de Hannover o seguinte áudio relatando o crime, a prisão e o início do julgamento:
Dada a gravidade do caso, a Polícia Federal da Alemanha atua nele, assim como o ministro do Interior. A partir da tentativa de assassinato na sinagoga de Halle, o policiamento das sinagogas da Alemanha cresceu.
Há policiais constantemente na porta das duas sinagogas que conhecemos em Hannover. Em toda a Alemanha é assim.
Desde o início não havia dúvida de que se tratou de um crime de extrema-direita.
Em dezembro de 2019, entrevistado diante das autoridades policiais o assassino assumiu que queria matar judeus. Ele matou outros pedestres no local depois de não ter conseguido entrar fortemente armado na sinagoga.
Interessante que ele produziu as próprias armas através de peças e tutoriais extraídos da internet, uma vez que na Alemanha é muito difícil comprar armas. Ele também recebeu uma ajuda pela internet de 750 euros para financiar o crime. Isso mostra conexões para formar redes de pessoas que estimulam ou praticam desde incitamentos a tais ações criminosas.
Ele assumiu também que se inspirou no massacre contra islâmicos em duas mesquitas na Nova Zelândia, em 2019.
Vale ressaltar que ele estava preparado para transmitir o crime no momento do seu acontecimento. Com a ajuda da inteligência se conseguiu quebrar dados criptografados a respeito do crime.
Em novembro de 2019 eles começaram a ouvir testemunhas e, em abril de 2020, a Procuradoria-Geral apresentou as acusações: homicídio duplo, tentativa de homicídio de 52 pessoas e tentativa de assalto seguida de morte e sedição. Em junho de 2020 ele já estava preso e tentou fugir, mas foi capturado e transferido para outra prisão.
Em 28 de maio de 2020 uma carta ameaçadora chega a integrantes da comunidade judaica em Halle. A polícia começa a investigar isso. Mais adiante, em duas ocasiões, suásticas feitas de papel foram encontradas em frente à sinagoga de Halle. Um vídeo mostra um policial retirando estas suásticas e as jogando no lixo. No entanto, este policial foi detido por não denunciar o fato a seus superiores. Abre-se uma investigação disciplinar contra ele.
O julgamento está planejado para durar até 14 de outubro de 2020. Esperamos que a punição esteja na dimensão justa que o caso requer.
Christina Feist, que estava na sinagoga no dia do ataque e é uma das coautoras do processo ao lado de outras cerca de 40 pessoas, disse que existe um antissemitismo cotidiano na Alemanha. Ela pediu coragem civil e afirmou que é hora “de finalmente reconhecermos essa verdade vergonhosa”.
“O homem deveria ser punido com toda a dureza da lei”, disse a ex-presidente do Conselho Central dos Judeus na Alemanha, Charlotte Knobloch.
Stephan B. vivia socialmente isolado e havia abandonado os estudos. Adepto de teorias da conspiração neonazistas, ele morava com a mãe e passava a maior parte do tempo na internet.
O julgamento acontece em um período de preocupante crescimento de manifestações e de atentados neonazistas na Alemanha. Há um mês, começou o julgamento de outro neonazista por assassinar um parlamentar favorável à recepção de imigrantes. Em fevereiro deste ano, um islamofóbico e antissemita matou nove pessoas de origem estrangeira em Hanau (cidade próxima a Frankfurt).
COMUNIDADE AMEAÇADA
Meses depois do atentado, o repórter Igor Matviyets, da comunidade judaica de Halle, se sente ameaçado.
No vídeo produzido pela agência de notícias Deustsche Welle, aparecem manifestantes neonazistas que gritam, quando percebem a presença do repórter: “Lügenpresse!” (Mídia Mentirosa!).
“Infelizmente”, diz o repórter, “é muito comum que ele insulte as pessoas e repita coisas da teoria da conspiração, tudo aquilo que contribuiu para a radicalização do agressor de Halle”.
Igor se admira da possibilidade de uma manifestação como esta: “É impressionante que, meses depois do atentado, ainda seja possível, no centro de Halle, uma demonstração dessa natureza”.
E conclui: “Passear pelas ruas da cidade com um kipá (solidéu judaico) na cabeça não passa pela mente da maioria dos judeus de Halle”.
Veja o vídeo produzido pela DW:
*compositor e musicólogo. Doutor em Musicologia pela Universidade de Augsburg e professor do Centro Europeu de Música Judaica da Universidade de Hannover. Goldenbaum integra o Observatório Judaico de Direitos Humanos no Brasil “Henry Sobel”