“Criatividade” do ministro para explicar não convenceu. O Ministério Público Federal (MPF) iniciou apuração da espionagem. A Seopi, órgão responsável pelo dossiê, tem prazo de dez dias para fornecer informações ao órgão
Não satisfeito com o “Gabinete do Ódio” e a “Abin paralela”, montados dentro do Palácio do Planalto, sob supervisão do carluxo e de Alexandre Ramagem respectivamente, Bolsonaro criou agora outra estrutura de espionagem do governo, desta vez dentro do Ministério da Justiça.
Ele aparelhou a Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça para, nos moldes da velha ditadura, monitorar os servidores públicos que não apoiarem ou não concordarem com as decisões de seu governo. As informações sobre o dossiê foram divulgadas pelo site UOL.
Veio público esta semana a informação de que o Ministério da Justiça fez um relatório sigiloso sobre mais de 500 servidores públicos da área de segurança identificados como integrantes do movimento antifascista e opositores do governo Jair Bolsonaro.
POLICIAIS FORAM MONITORADOS
A operação começou espionando os 579 servidores da área de segurança pública que se declaram em discordância com o governo. Os espionados pela “gestapo tupiniquim” fazem parte do “movimento antifascista” formado por muitos policiais militares e civis.
Segundo a reportagem do UOL , o dossiê foi repassado a órgãos políticos e de segurança do país para ser usado como subsídio para perseguições políticas dentro dos órgãos públicos.
O líder do PSB na Câmara dos Deputados, Alessandro Molon (PSB), criticou a elaboração do dossiê. “Não bastasse tudo o que Bolsonaro já disse e fez contra a nossa democracia, agora tomamos conhecimento de uma montagem de um aparato paralelo no Ministério da Justiça pra vigiar e perseguir opositores do governo, inclusive, professores universitários. É mais um ataque inaceitável de Bolsonaro e do seu governo à democracia e à Constituição, que merece o mais duro repúdio das nossas instituições”, afirmou.
O Ministério Público Federal (MPF) instaurou um procedimento de apuração da denúncia e vai buscar informações preliminares sobre ação da Secretaria de Operações Integradas (Seopi).
Segundo o MPF, o objetivo é buscar informações que permitam uma análise do fato constante da nota do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, especialmente sobre a existência de elementos que indiquem uma atuação estatal de “eventual cerceamento ou limitação da livre expressão do pensamento de cidadãos e profissionais, por meio dossiê e/ou relatório sigiloso elaborado pela Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça e Segurança Pública”.
A Seopi tem prazo de dez dias para fornecer entre outras informações o fato noticiado, a base legal, a indicação do objeto do relatório de inteligência e a motivação de sua instauração, fato originador do relatório de inteligência, informação sobre a sua difusão, indicando órgãos, autoridades e pessoas que tiveram acesso ao relatório de inteligência, bem como sobre a decretação de sigilo do referido relatório.
A nota do Ministério da Justiça, tentando explicar os motivos da produção do dossiê ilegal, elevou ainda as suspeitas de que está havendo espionagem por parte do governo Bolsonaro. Isto porque, segundo o órgão, não há nada demais nas atividades que eles estão fazendo. A nota diz que “a prática não se tratou de investigação, mas sim de atividade de inteligência”. Ou seja, espionaram a vida de mais de 500 pessoas, mas isso não é investigação, é só “inteligência”. E ainda teorizam sobre a diferença entre as duas atividades.
“A atividade de inteligência não é atividade de investigação. Toda atividade de inteligência da Seopi se direciona exclusivamente à prevenção da prática de ilícitos e à preservação da segurança das pessoas e do patrimônio público. Não há nenhum procedimento instaurado contra qualquer pessoa específica no âmbito da Seopi, muito menos com caráter penal ou policial. Não compete à Seopi produzir “dossiê” contra nenhum cidadão e nem mesmo instaurar procedimentos de cunho inquisitorial”, argumenta o texto do Ministério da Justiça.
Em suma, o esquema funciona da seguinte maneira, você é espionado, mas só é afastado de seu emprego porque chegou atrasado no serviço.
PROFESSOR UNIVERSITÁRIO FOI ESPIONADO
O professor Paulo Sérgio Pinheiro foi um dos espionados pelo governo Bolsonaro e a comunidade acadêmica protestou contra a arbitrariedade.
Pinheiro é considerado e reconhecido por autoridades e organizações nacionais e internacionais como um dos grandes nomes da história dos Direitos Humanos no Brasil e no mundo, tanto por sua atuação acadêmica, quanto por sua trajetória de atuação política.
Atualmente é Relator da Organização das Nações Unidas (ONU) para a situação de Direitos Humanos na Síria. Paulo Sérgio foi Secretário Nacional de Direitos Humanos, membro da Comissão Nacional da Verdade e professor titular da Universidade de São Paulo, além de ter lecionado na Brown University, Columbia University, Notre Dame University, Oxford University e École des Hautes Études en Sciences Sociales.
NOTA DE REPÚDIO DO NÚCLEO DE ESTUDOS DA VIOLÊNCIA DA USP
Nota pública contra a perseguição politico-ideologica no Brasil
É com extrema indignação que o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) recebe a notícia de que o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, por meio da “Diretoria de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas” (Decreto n. 9662/19), elaborou lista com nomes, fotos e documentos de servidores públicos da segurança e professores universitários por supostamente manifestarem opiniões contrárias ao fascismo, o que configura clara perseguição político-ideológica, expressamente proibida pela Constituição Federal de 1988 (art. 5o, VIII). Um dos listados é o Professor Paulo Sérgio Pinheiro, um dos fundadores do NEV. Paulo Sérgio Pinheiro é considerado e reconhecido por autoridades e organizações nacionais e internacionais como um dos grandes nomes da história dos Direitos Humanos no Brasil e no mundo, tanto por sua atuação acadêmica, quanto por sua trajetória de atuação política. Atualmente é Relator da Organização das Nações Unidas (ONU) para a situação de Direitos Humanos na Síria. Foi Secretário Nacional de Direitos Humanos, membro da Comissão Nacional da Verdade e professor titular da Universidade de São Paulo, além de ter lecionado na Brown University, Columbia University, Notre Dame University, Oxford University e École des Hautes Études en Sciences Sociales.
Paulo Sérgio coordenou, juntamente com o Professor Sérgio Adorno e Nancy Cardia, um dos primeiros estudos do NEV-USP, cujo tema ainda repercute em nossa sociedade. O trabalho “Continuidade Autoritária e Consolidação da Democracia” (1994 a 2000) analisou a continuidade de violações dos Direitos Humanos no processo de democratização brasileiro, de construção da cidadania pós-Constituição de 1988 e de reconquista do Estado de Direito. O momento atual que estamos vivendo expõe e evidencia aquilo que os estudos do Núcleo já apontavam e continuam a apontar, que um autoritarismo presente em nossa sociedade e no Estado continua vigente e que, por isso, não conseguimos avançar no respeito e garantia dos direitos fundamentais para toda a sociedade.
Elaborar dossiês a respeito de quaisquer pessoas por terem ou manifestarem suas opiniões é uma afronta à liberdades de opinião e expressão, pilares da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Constituição Federal e do Estado Democrático de Direito brasileiro, e configura Crime de Responsabilidade quando feito aos auspícios de um Ministro de Estado (art. 4o, II, da Lei 1.079/50). Outra ilegalidade presente neste ato é a classificação do documento como de “acesso restrito”, uma vez que a Lei de Acesso à Informação impede a restrição de documentos sobre condutas que impliquem violação dos Direitos Humanos praticada por agentes públicos a mando de autoridades públicas (art. 21, p. único da Lei 12.572/11). Ou seja, a Lei não permite a restrição de acesso a um ato que é ele mesmo uma violação de direitos fundamentais. Trata-se de mais um exemplo do retorno aos tempos de ditadura promovido pela atual administração, em que a repressão e o autoritarismo constituíam-se como forma de governo. É inaceitável, e passível de impedimento, que o posto de Ministro da Justiça seja utilizado para perseguir politicamente pessoas que não coadunam com as opiniões do governo.
Causa-nos grande preocupação que em um momento extremamente desafiador da história brasileira – somos o segundo país do mundo com maior número de vítimas fatais do novo coronavírus -, tenhamos que testemunhar órgãos do Estado operando com condutas ilegais e sem acompanhamento judicial, claramente ao arrepio da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
O Núcleo de Estudos da Violência da USP tem demonstrado ao longo de mais de trinta anos de atuação, com a liderança exemplar do Professor Paulo Sérgio Pinheiro, que segurança pública só atinge seus objetivos de proteger as pessoas, o patrimônio e as instituições quando atua com base em evidências científicas, com transparência e com respeito aos direitos e garantias fundamentais. Assim, é urgente que a Polícia Federal, a Procuradoria-Geral da República e o Supremo Tribunal Federal, investidos nos poderes que lhe foram conferidos pelo legislador constituinte democrata, tomem todas as providências cabíveis para investigar o trabalho efetuado nos porões do Ministério da Justiça, realizando as devidas responsabilizações.