Mesmo diante de provas robustas de que Rodrigo Rocha Loures negociou propina com diretores da Rodrimar, empresa que atua na área de portos, e que foi beneficiada com uma medida provisória de Temer, o diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segóvia, afirmou, em entrevista à Reuters, que seu chefe é inocente. Numa emissão de opinião no mínimo suspeita, ele afirmou nesta sexta-feira (9), que a tendência é que a corporação recomende o arquivamento da investigação contra o presidente Michel Temer no chamado inquérito dos portos. Esse tipo de “opinião” do diretor-geral do PF, está mais para um pressão neste sentido do que um simples “opinião”.
Segundo o chefe da PF, até o momento, as investigações não comprovaram que houve pagamento de propina por parte de representantes da empresa Rodrimar, que opera áreas do porto de Santos (SP), para a edição do decreto que prorrogava contratos de concessão e arrendamento portuários, assinado por Temer em maio do ano passado.
Escutas telefônicas divulgadas pelo STF mostraram Rocha Loures, o homem da mala, assessor especial de Michel Temer, defendendo interesses de empresas que atuam nos portos brasileiros. O Ministro Luiz Roberto Barroso, do STF, afirmou, em seu parecer, que “os elementos colhidos revelam que Rocha Loures, homem sabidamente de confiança do presidente Temer, menciona pessoas que poderiam ser intermediárias de repasses ilícitos para o próprio presidente, em troca da edição de ato normativo de específico interesse da Rodrimar”.
Rocha Loures: “Então vamos fazer o seguinte. Eu vou verificar com Edgar, se o Edgar… Tem duas opções: o Edgar ou o teu Xará”.
Ricardo Saud: “Pra mim é mais confortável com o Edgar”.
Rocha Loures: “Você não conhece e ele também não te conhece”.
O xará, no caso, seria Ricardo Mesquita, executivo da Rodrimar.
Em outro momento, a PF questionou o peemedebista sobre um diálogo que manteve com Gustavo Rocha, subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, e que é um dos personagens mais influentes do governo Temer.
Gustavo Rocha: “É uma exposição muito grande para o presidente se a gente colocar isso. Já conseguiram coisas demais nesse decreto”.
Rocha Loures: “O importante é ouvi-los.”
Gustavo Rocha: “A minha preocupação é expor o presidente em um ato que é muito sensível. […] Esse negócio vai ser questionado”.
As investigações da PF serão enviadas ao Supremo Tribunal Federal e remetidas à Procuradoria Geral da República. Essa é uma apuração formal contra o presidente ainda em curso perante o Supremo Tribunal Federal (STF), requerida ainda pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Ninguém achava, diante de tantos indícios e provas, que este inquérito seri arquivado, como insinua Segóvia. Rocha Loures esteve com Ricardo Mesquita, também investigado, que é executivo da Rodrimar, para negociar a MP dos Portos. A intimidade de Loures com Mesquita era tanta que, como vimos, ele chegou a sondá-lo para ser intermediário de propina com a J&S.
Ávido por mostrar serviço a quem o nomeou, Segóvia disse à Reuters que, nas apurações feitas, não há quaisquer indícios de que o decreto editado pelo presidente beneficiou a Rodrimar. Ele destacou que a empresa não era atingida pelo decreto, que mudou regras de concessão posteriores a 1993, o que não seria o caso dela. Só que, ao contrário do que ele disse, as concessões para todas as empresas que atuam na área, inclusive a Rodrimar, foram ampliadas de 20 para 30 anos, podendo chegar a 60 anos.
Mas Segóvia não viu nenhum benefício. “O que a gente vê é que o próprio decreto em tese não ajudou a empresa. Em tese se houve corrupção ou ato de corrupção não se tem notícia do benefício. O benefício não existiu”, disse ele. E a gravação, segundo Segóvia, não provou nada. “A principal prova obtida no inquérito”, a interceptação de uma conversa entre o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, ex-assessor especial de Temer, e o subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Gustavo Rocha, “não mostra concordância de Temer com o suposto benefício”. O que eles disseram, e foi capturado pela PF, é que não podiam dar bandeira porque já tinham ido longe demais.
Segundo ele, o próprio Gustavo Rocha fala no diálogo que não há como fazer ou mudar a questão do decreto e que o próprio presidente não aceitou a mudança que poderia beneficiar a empresa. “Então, assim, os indícios são muito frágeis, na realidade, de que haja ou que houve algum tipo de influência realmente, porque em tese o decreto não foi feito para beneficiar aquela empresa”, disse Segóvia. O que Rocha disse é que seria uma exposição muito grande do presidente.
Outras gravações da própria PF de conversas entre Ricardo Saud, do grupo J&F, e Rodrigo Rocha Loures (PMDB) mostram que o ex-assessor do presidente Michel Temer sugeriu um “Edgar” para a retirada de R$ 500 mil de propina já que “todos os outros caminhos estavam congestionados”.
No áudio, colhido pela Polícia Federal, Loures diz: “Vou pedir para o Edgar primeiro, consultar com ele e ver se o procedimento pra ele. Ele fica em São Paulo e faz a gerência”.
Trata-se de Edgar Santos Neto, citado na delação do ex-diretor da Odebrecht José de Carvalho Filho como o operador do PMDB que recebeu propina destinada a Eliseu Padilha, ministro da Casa Civil. Segundo Carvalho Filho, Edgar Santos, “ligado ao partido (PMDB)”, foi indicado para receber R$ 2 milhões.
Para não retirar o dinheiro em espécie, Loures sugeriu a emissão de notas fiscais, mas Saud disse que não poderia deixar rastros. “O negócio está bom. Semana que vem, tem um milhão e meio. Podemos fazer a nota, mas quanto ia dar de imposto? 300 paus. Ou então, pra mim, se esse Edgar for um cara confiável, o melhor jeito sabe qual é? Ele vai lá no estacionamento. Já foi lá, né?”
O estacionamento fica na escola de um projeto social da J&F. No mesmo lugar, a irmã do corretor Lúcio Funaro foi filmada retirando R$ 400 mil do porta-malas de um carro. Saud indaga: “É o Edgar que trabalha para o presidente? Bom, se é da confiança do chefe, não tem problema”. E Loures responde: “Você não conhece e ele também não te conhece”.
Apesar das indicações, o então deputado encontrou-se com Saud em São Paulo. No vídeo, gravado em ação controlada pela PF, Saud afirmou a Loures: “Já tenho 500 mil. E semana tem mais 500. Então você tem um milhão aí. Isso é toda semana. Vê com ele”.
Há fortes indícios de que o presidente Temer tenha recebido propina, por intermédio de Rocha Loures, para favorecer a Rodrimar. Tanto o ex-assessor especial quanto Temer já prestaram depoimento no inquérito e negaram irregularidades. O presidente se manifestou por escrito. Rocha Loures chegou a ser preso depois que foi filmado pela PF saindo de um restaurante com uma mala de dinheiro pago por um executivo da processadora de carnes JBS no âmbito de uma outra investigação. Foi posteriormente solto e agora é monitorado com uso de tornozeleira eletrônica. Ele é réu acusado de corrupção no caso envolvendo a mala de dinheiro.
A Polícia Federal encontrou 12 ligações telefônicas entre Michel Temer e o coronel da PM aposentado João Baptista Lima Filho, que também é investigado no caso Rodrimar, entre abril de 2016 e maio de 2017, semanas antes da deflagração da Operação Patmos. Somente no mês de maio, 6 dias antes da deflagração da operação, houve 4 conversas telefônicas entre Temer e seu amigo de mais de 30 anos. Do total, 9 ligações foram chamadas de Temer para João Baptista Lima Filho.
A Operação Patmos foi originada a partir da colaboração premiada dos executivos da JBS, principalmente Ricardo Saud, revelando que Temer recebeu propina do grupo através do deputado e assessor, Rodrigo Rocha Loures, conhecido como o homem da mala, flagrado saindo de uma pizzaria com uma mala correndo pela rua. A ação foi monitorada pela Polícia Federal que gravou tudo. Saud também revelou que o coronel recebeu em sua agência, a Argeplan, R$ 1 milhão para Temer na campanha presidencial de 2014.
Temer foi denunciado por corrupção passiva, organização criminosa e obstrução da Justiça pelo Ministério Público Federal (MPF). “Os dados analisados demonstram João Batista Lima Filho como sendo um homem com acesso direto ao presidente Temer, a pessoas importantes ligadas ao governo, bem como a investigados pela Operação Lava Jato”, diz o relatório da PF encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF). Além de Temer, constam ligações de Moreira Franco, ministro da da Secretaria-Geral da Presidência, e do ex-assessor do presidente, Jose Yunes.
Para espanto de todos os envolvidos nas investigações, Segóvia disse que “não houve crime”. “Porque ali, em tese, o que a gente tem visto, nos depoimentos as pessoas têm reiteradamente confirmado que não houve nenhum tipo de corrupção, não há indícios de realmente de qualquer tipo de recurso ou dinheiro envolvidos. Há muitas conversas e poucas afirmações que levem realmente a que haja um crime”, disse.
Em respostas a perguntas formuladas pela PF no inquérito, Temer disse em janeiro que “depositava confiança” em Rocha Loures quando ele exercia o cargo de assessor especial da Presidência, mas destacou que nunca pediu-lhe para receber recursos ilícitos em seu nome. Rodrigo Rocha Loures negociou com executivos da Rodrimar e recebeu propina para altera a MP dos Portos.
O presidente Temer mantém o controle político do Porto de Santos desde o primeiro mandato de Fernando Henrique. Já em 1995 indicou para presidente da Codesp, estatal encarregada da administração do maior porto do Brasil, Marcelo de Azeredo. Denúncias da ex-esposa de Azeredo, Érika Santos, feitas no ano de 2000, dois anos depois da saída de seu marido do cargo, mostraram que Temer recebia propina em diversas obras do porto. Marcelo Azeredo foi processado por improbidade administrativa ao assinar em 1997 o 9º Aditivo a um contrato de ampliação do Terminal de Containers do Porto de Santos, que só ocorreria no ano seguinte. O Aditivo acrescentou R$ 144 milhões a um contrato de R$ 295 milhões. Azeredo já havia sido substituído por outro indicado de Temer, Paulo Fernandes do Carmo. Até este momento ainda não se sabia das denúncias de Érika Santos, de que Temer recebia propinas.
Em abril de 1999, quando Eliseu Padilha era Ministro dos Transportes de FHC, Temer indicou o ex-deputado Wagner Rossi para ocupar a direção da estatal. Padilha e Temer começaram a substituir oficiais da Marinha dos conselhos de autoridade portuária de Santos, Rio Grande e Paranaguá. Em Santos, o ministro foi obrigado a voltar à trás. Jorge Gerdau chegou a pressionar o Planalto contra as mudanças feitas por Padilha e Temer. Na época Padilha justificou as mudanças pela privatização. A construção do terminal II do Porto de Santos, pela Andrade Gutierrez teve, nesta época, segundo o TCU, um superfaturamento de 141% do preço original.
Érika Santos denunciou, com base em documentos que ela desviou do computador do ex-marido, que a empresa Libra Terminais Ltda, operadora portuária, pagou propina de R$ 640 mil a Temer e uma parte menor para Marcelo Azeredo. Outra figura que recebeu da Libra foi uma pessoa de nome Lima, hoje identificado como o coronel reformado da PM, João Batista Lima, envolvido também em propinas da JBS para Temer. Esta empresa ganhou dois terminais em Santos. Um inquérito conduzido pelo delegado Cássio Luiz Guimarães Nogueira tentou ouvir Temer e não conseguiu. A Rodrimar também teria pago R$ 600 mil para o esquema – metade para Temer e 25% para Azeredo e Lima.
Esta é a terceira denúncia contra Michel Temer. As duas primeiras foram barradas pela Câmara dos Deputados, depois que Temer comprou votos e distribuiu cargos para escapar da justiça. Após a entrega das respostas, o inquérito, que está sendo conduzido pelo ministro Luiz Carlos Barroso, do STF, entrará na fase final. A situação de Temer está se complicando cada vez mais já que as provas de que ele assinou o decreto dos portos para beneficiar a Rodrimar em troca de propinas, são irrefutáveis.
Atualização em 11-02-2018 às 21:40
Cobrado por declarações a favor de Temer, Segóvia diz que foi “mal interpretado
Associações de juízes. a OAB e o ministro José Roberto Barroso, do STF, criticaram as declarações do Diretor Geral da Polícia Federal. Segóvia havia dito, em entrevista à Reuters, que não havia provas contra Temer no caso da Rodrimar, empresa que atua no Porto de Santos. Ao exigir explicações do delegado, Barroso considerou um desrespeito ao delegado que conduz o caso. Segóvia percebeu que deu bandeoira e disse para Barroso que foi mal interpretado.