Sobreviventes da bomba atômica, descendentes das vítimas, o primeiro-ministro japonês Shinzo Abe e alguns representantes estrangeiros acompanharam uma cerimônia em Hiroshima, nesta quinta-feira, 6, lembrando os 75 anos desde que os aviões Enola Gay e Bockscar, dos Estados Unidos, jogaram sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki as primeiras e, até hoje, únicas bombas nucleares usadas contra civis.
Devido à pandemia, houve uma participação simbólica, muito menor que a normal que conta com milhares de pessoas, porém a mensagem dos sobreviventes — cuja idade média é de 83 anos— foi mais incisiva que nunca. Apesar do desastre que esse crime representou, o governo do Japão se recusa a assinar um tratado de proibição de armas nucleares.
O prefeito de Hiroshima, Kazumi Matsui, fez um apelo para que o Japão ratifique o pacto da Organização das Nações Unidas de 2017 banindo armas nucleares, mas o premiê Shinzo Abe evitou qualquer referência direta, dizendo genericamente que o Japão precisa ‘ser uma ponte entre as nações‘ para abolir armas nucleares.
‘Me comprometo a fazer o possível para conseguir um mundo sem armas nucleares e uma paz duradoura‘, prometeu Abe, com frequência criticado por sua intenção de revisar a Constituição pacifista do Japão.
Os Estados Unidos lançaram a primeira bomba atômica sobre Hiroshima no dia 6 de agosto de 1945, que destruiu a cidade e matou 140 mil pessoas. Lançou um segundo ataque três dias depois sobre Nagasaki, onde morreram mais 70 mil pessoas. A Itália e a Alemanha já haviam capitulado, tornando desnecessária tamanha violência. O Japão rendeu-se em 15 de agosto.
O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, lamentou em uma mensagem de vídeo publicada nesta quinta-feira, 6, que o objetivo de eliminar as armas atômicas, estabelecido pelas Nações Unidos em sua fundação, não tenha sido concretizado. “Hoje, um mundo sem armas nucleares parece cada vez mais distante”, afirmou.
SOLIDARIEDADE
‘Seja o coronavírus ou as armas nucleares, a maneira de superar (os desafios) é a solidariedade entre os povos‘, disse Keiko Ogura, uma sobrevivente de 83 anos de Hiroshima.
“A ofensiva soviética no Extremo Oriente, como parte dos acordos entre os Aliados, não somente libertou a China e Coreia, mas também eliminou os motivos para o Japão continuar operações militares. Naquela situação os bombardeios nucleares realizados pelos Estados Unidos eram de fato uma demonstração da força, um teste operacional de armas nucleares na população civil. Estados Unidos foi o primeiro e o único país a usar este tipo de armas de destruição em massa”, afirmou o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergey Lavrov, aos participantes da cerimônia comemorativa em Hiroshima em esclarecedor artigo que a seguir publicamos*:
Prezado Senhor Prefeito e moradores de Hiroshima,
Prezados organizadores, participantes e convidados da cerimônia comemorativa,
Este ano está marcado pelo 75º aniversário do fim da maior e mais sangrenta guerra na história da humanidade. Por esta razão, nos dirigimos não somente aos seus resultados, que garantiram a transição dos povos para os princípios da vida pacífica e formaram a base do sistema de relações internacionais contemporâneo, mas também relembramos as vítimas para assegurar que as tragédias daquela época jamais se repitam.
Em 6 de agosto de 1945 os Estados Unidos realizaram um ataque nuclear contra a cidade de Hiroshima e, três dias depois, contra Nagasaki. Até hoje em dia, o terrível falecimento dos civis inocentes continua repercutindo dolorosamente nos corações de milhões de pessoas. Mesmo que conheçamos as razões e a história da Segunda Guerra Mundial, é difícil entender completamente o que guiava os organizadores e perpetradores deste ato desumano.
Os representantes soviéticos eram entre os primeiros observadores estrangeiros a visitarem o local da tragédia e colherem materiais detalhados que foram submetidos à liderança do país. Esta e outras informações sobre os resultados da investigação das consequências das explosões nucleares no Japão foram posteriormente publicadas e apresentadas à mais ampla comunidade internacional. Esperamos que os outros sigam o nosso exemplo, demonstrando respeito pela verdade histórica e assegurando transparência em relação a aqueles eventos.
Uma análise imparcial daquilo que aconteceu em agosto de 1945 confirma que as maiores capitais mundiais sem dúvida entendiam que a Segunda Guerra Mundial estava prestes a terminar. A ofensiva soviética no Extremo Oriente, como parte dos acordos entre os Aliados, não somente libertou a China e Coreia, mas também eliminou os motivos para o Japão continuar operações militares. Naquela situação os bombardeios nucleares realizados pelos Estados Unidos eram de fato uma demonstração da força, um teste operacional de armas nucleares na população civil. Os Estados Unidos foram o primeiro e o único país a usar este tipo de armas de destruição em massa.
Como um Estado nuclear, a Rússia reconhece sua responsabilidade pela segurança internacional, estabilidade global e regional. Estamos cientes das possíveis consequências do uso das armas nucleares. O nosso país segue o curso da paz e não-confrontação nos assuntos internacionais.
Hoje observamos com grande preocupação a degradação do sistema internacional do controle de armas, a denúncia dos tratados, desrespeito aos princípios da segurança dos Estados e um crescimento significativo de riscos nucleares. Está ocorrendo um desvio alarmante nas doutrinas militares e políticas para a ideia de que seja aceitável a aplicação das armas nucleares como um meio de guerra.
É necessário eliminar o risco de um confronto militar entre as potências nucleares e excluir a possibilidade de uma guerra nuclear. Estamos convencidos de que tal guerra não pode ser vencida e nunca deve ser desencadeada. Sugerimos que todas as potências nucleares confirmem o seu compromisso com este princípio.
Aspirando por livrar o mundo da ameaça criada pelas armas de destruição em massa, reafirmamos os nossos compromissos assumidos no âmbito do Tratado de Não-Proliferação e, nesta conexão, apelamos à prorrogação do Tratado de Redução de Armas Estratégicas. Em face do desmantelamento do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário pelos EUA, a Rússia assumiu unilateralmente o compromisso de não desdobrar os mísseis de alcance intermediário e curto lançados de solo em nenhuma região do mundo até que armas correspondentes da produção norte-americana sejam desdobradas ali.
A Rússia tem apoiado consistentemente o diálogo construtivo com todas as forças políticas e movimentos sociais que se manifestam em prol da redução da ameaça nuclear. Neste contexto é essencial organizar uma discussão substantiva dos problemas cuja solução é crucial para a criação das condições favoráveis para o progresso no caminho do desarmamento nuclear. Estes problemas incluem o desdobramento pelos EUA do sistema global de defesa de mísseis, o desenvolvimento das armas ofensivas estratégicas não-nucleares de alta precisão, o armamento do espaço exterior e do ciberespaço e a recusa dos Estados Unidos de ratificar o Tratado de Interdição Completa de Ensaios Nucleares.
Devemos unir os nossos esforços para assegurar que o terror e a dor de Hiroshima e Nagasaki nunca se repitam. A tragédia deixou uma marca profunda nos corações do povo da Rússia, o que se reflete na nossa literatura, arte e música. Todos os alunos de escola na Rússia conhecem a história da menina Sadako que esperava ser curada da doença de radiação fazendo mil grous de papel.
É por isso que em 6 de agosto os nossos pensamentos estarão com os moradores da sua cidade.
Ministro dos Negócios Estrangeiros da Federação da Rússia
Sergey Lavrov
*Traduzido e divulgado pela Embaixada da Rússia no Brasil