O primeiro dia de desfile no carnaval do Rio de Janeiro foi marcado por protestos e ironias. Michel Temer e o prefeito Marcelo Crivella foram os alvos prediletos dos carnavalescos. O peemedebista foi apresentado como vampiro pela Paraíso do Tuiuti por sugar o sangue do povo, e o prefeito, como o pecador, por cortar verbas do carnaval. “Sr. Prefeito, pecado é não brincar o carnaval”, dizia um dos carros alegóricos da Mangueira.
O enredo da Mangueira “Com dinheiro ou sem dinheiro eu brinco”, do carnavalesco Leandro Vieira, contou a história do carnaval no Rio, com foco na base popular e na festa de rua sem objetivo comercial. Em clima de “protesto irreverente”, vários trechos da letra do samba ironizaram a decisão de cortar metade da verba das escolas: “Se faltar fantasia, alegria há de sobrar (…)”; “Pouco me importam o brilho e a renda (…)”; “Outrora marginalizado já usei cetim barato pra desfilar”.
A Mangueira homenageou blocos cariocas tradicionais: Cacique de Ramos, Bafo da Onça e Cordão da Bola Preta. Também foram lembrados blocos mais novos do Rio. Com 3,5 mil componentes em 16 alas e 8 alegorias, as fantasias fizeram diversas referências a antigos carnavais: caveiras, palhaços, malandros e cabrochas, pierrôs, diabos… Outras alas representaram festas do passado, como o “Entrudo” e o “Zé Pereira”.
A origem das escolas de samba também foi lembrada: os malandros que fundaram a Estácio, a agremiação Vai Como Pode, que originou a Portela, e o bloco Arengueiros, embrião da própria Mangueira – com Cartola e Carlos Cachaça como cofundadores.
Com o enredo “Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?”, a Paraíso do Tuiuti, do carnavalesco Jack Vasconcelos trouxe críticas à reforma trabalhista em seu desfile na madrugada desta segunda (12). No último carro, um componente viveu um “presidente vampiro” do neoliberalismo. E ainda tem gente que acha que o carnaval atrapalha a luta do povo.
Assista ao desfile da Paraíso do Tuiuti
Samba-enredo da Paraíso do Tuiuti
Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?
Intérpretes: Nino do Milênio, Celsinho Mody e Grazzi Brasil
IRMÃO DE OLHO CLARO OU DA GUINÉ
QUAL SERÁ O VALOR? POBRE ARTIGO DE MERCADO
SENHOR EU NÃO TENHO A SUA FÉ, E NEM TENHO A SUA COR
TENHO SANGUE AVERMELHADO
O MESMO QUE ESCORRE DA FERIDA
MOSTRA QUE A VIDA SE LAMENTA POR NÓS DOIS
MAS FALTA EM SEU PEITO UM CORAÇÃO
AO ME DAR ESCRAVIDÃO E UM PRATO DE FEIJÃO COM ARROZ
EU FUI MANDINGA, CAMBINDA, HAUSSÁ
FUI UM REI EGBÁ PRESO NA CORRENTE
SOFRI NOS BRAÇOS DE UM CAPATAZ
MORRI NOS CANAVIAIS ONDE SE PLANTA GENTE
Ê CALUNGA! Ê Ê CALUNGA!
PRETO VELHO ME CONTOU, PRETO VELHO ME CONTOU
ONDE MORA A SENHORA LIBERDADE
NÃO TEM FERRO, NEM FEITOR
AMPARO DO ROSÁRIO AO NEGRO BENEDITO
UM GRITO FEITO PELE DO TAMBOR
DEU NO NOTICIÁRIO, COM LÁGRIMAS ESCRITO
UM RITO, UMA LUTA, UM HOMEM DE COR
E ASSIM, QUANDO A LEI FOI ASSINADA
UMA LUA ATORDOADA ASSISTIU FOGOS NO CÉU
ÁUREA FEITO O OURO DA BANDEIRA
FUI REZAR NA CACHOEIRA CONTRA BONDADE CRUEL
MEU DEUS! MEU DEUS!
SE EU CHORAR NÃO LEVE A MAL
PELA LUZ DO CANDEEIRO
LIBERTE O CATIVEIRO SOCIAL
NÃO SOU ESCRAVO DE NENHUM SENHOR
MEU PARAÍSO É MEU BASTIÃO
MEU TUIUTI O QUILOMBO DA FAVELA
É SENTINELA DA LIBERTAÇÃO