Causou estranheza a interrupção da operação de combate ao desmatamento e garimpo ilegal “Verde Brasil 2”, realizada pelo Ministério da Defesa sob a coordenação do vice-presidente da República, Hamilton Mourão.
Na operação que estava em curso na Terra Indígena Munduruku, no sudoeste do Pará, os agentes do Ibama atearam fogo a equipamentos como pás-carregadeiras, chamadas de PC pelos garimpeiros, que chegam a custar R$ 500 mil cada. O procedimento é realizado para que os equipamentos não possam ser mais utilizados nos garimpos ilegais que destroem os territórios indígenas.
Mas, tudo mudou depois da visita do ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, Ricardo Salles, à região.
Na manhã de quarta-feira (05), após sobrevoar áreas de garimpo com jornalistas, Salles foi até o aeroporto de Jacareacanga, onde foi recebido por garimpeiros que reivindicavam o fim das operações de repressão ao crime ambiental.
A operação deveria continuar na quinta-feira, mas o Ministério da Defesa, anunciou a suspensão da operação “para reavaliação”.
Com a paralisação, três helicópteros do órgão ambiental que estavam na Base da Força Aérea Brasileira na Serra do Cachimbo foram proibidos de decolar, tratava-se de uma operação do Grupo Especializado de Fiscalização (GEF), considerado a Tropa de Elite do Ibama.
Em áudios divulgados no Jornal Nacional, da TV Globo, garimpeiros falam em derrubar o helicóptero usado na operação.
“Pois é, amigo. isso aí era para ter reunido a moçada tudinho. Aí o cara prefere perder uma PC, quatro, cinco PCs do que… Moço, mete bala para cima, meu amigo, e joga um helicóptero desse no chão, moço. Joga um helicóptero desse no chão. É mil ‘vez’, aí eles ‘vai’ pensar duas vezes de encostar num garimpeiro”, afirma um homem no áudio. PC é uma forma de referir às máquinas pesadas usadas no garimpo.
AVALIAÇÃO
Na sexta-feira (7), o governo mudou de ideia e determinou o retorno da operação, alegando que a paralisação ocorreu por causa de um pedido dos próprios indígenas “para permitir avaliação de resultado”.
Já o Ministério da Defesa informou que uma delegação de representantes da região “está a caminho de Brasília, em uma aeronave da Força Aérea Brasileira, para reuniões com autoridades do Governo Federal” e que a operação na Amazônia Legal “continua em andamento”.
Os indígenas que vivem no território Mudurunku negam que tenham feito tal pedido e afirmam que essa foi só uma estratégia do governo para permitir que os garimpeiros tivessem tempo hábil para se livrar da fiscalização e punição, retirando o maquinário, produtos e subprodutos utilizados na extração ilegal de minérios na região.
Os cerca de 14 mil indígenas do povo Munduruku são reconhecidos pela luta contra o desmatamento e pela preservação da região. Em outubro de 2019, Lideranças, caciques, guerreiros e guerreiras do povo Munduruku bloquearam a estrada de saída do município de Jacareacanga em protesto para exigir a retirada imediata dos garimpeiros que atuavam no território.
“Somos contra o garimpo e mineração em terra indígena. O garimpo está dividindo nosso povo, trazendo novas doenças, contaminando nosso povo com mercúrio, trazendo drogas, bebidas, armas e prostituição. E ganância”, afirmaram os Munduruku, em comunicado divulgado na ocasião.
Agora, segundo o governo, os Munduruku mudaram de opinião e aderiram ao garimpo ilegal em seu território.
Situação “surreal”
O Ministério Público Federal no Pará criticou suspensão das operações de combate a garimpos ilegais na Terra Indígena Munduruku. “A postura da União, por meio de seus agentes, demonstra que não há interesse em coibir, voluntariamente, a prática da garimpagem ilegal e inconstitucional na Terra Indígena Munduruku”, diz nota do MPF entregue à Justiça Federal do Pará durante uma audiência de conciliação.
“Por mais incrível e surreal que pareça, a União, que tem o dever de preservar o meio ambiente, após o encontro do Ministro com os indígenas, interrompeu a Operação Verde Brasil 2 na TI Munduruku e ainda levou os infratores confessos em seu avião para Brasília, onde participarão de reunião para discutir a possibilidade de realização de prática vedada na Constituição Federal”, diz a manifestação.
Os procuradores também criticaram a postura de Salles durante sua viagem a Jacareacanga, na quarta-feira. Ele sobrevoou as clareiras abertas pelos garimpos ilegais e, ao chegar à cidade, foi recebido por um grupo de garimpeiros que pediram a suspensão da operação. No local, ele defendeu que a mineração em terras indígenas fosse discutida “de forma aberta”.
Na avaliação dos procuradores do MPF no Pará, a reunião de Salles com os garimpeiros aconteceu ao “arrepio das leis”.
“No encontro, o representante máximo do órgão ambiental realizou articulação política, ao arrepio das leis ambientais e da Constituição Federal, com os garimpeiros acerca da possibilidade de exercício da atividade garimpeira em Terras Indígenas”, diz um trecho do documento enviado à Justiça Federal.
“Após ouvir o discurso que reconhece a prática de infrações ambientais, o Ministro do Meio Ambiente manifestou-se em apoio aos infratores”, diz outro trecho documento, mencionando a declaração de Salles na ocasião.
“A ida do Ministro Ricardo Salles à região não teve por objetivo combater a prática do garimpo ilegal, mas apenas passar a imagem de que estão sendo tomadas medidas para proteção da Amazônia, como forma de resposta à pressão econômica nacional e internacional de investidores e ambientalistas”, diz o documento.