Entidades lançam Manifesto onde rechaçam proposta do governo que acaba com a isenção e taxa o livro em 12%
O imposto sobre o livro, prevista na proposta de reforma tributária do governo Bolsonaro, coloca em risco a sobrevivência de livrarias e distribuidoras, denunciam escritores, editores, críticos literários e empresários do setor livreiro. Alexandre Martins Fontes, que é proprietário da editora WMF Martins Fontes, disse na terça-feira (11) que “o impacto econômico da pandemia é muito pequeno” perto da proposta de taxar os livros.
“Será o fim das livrarias físicas e das distribuidoras. Elas não têm margens para pagar esses 12%”. “É um imposto nocivo em todos os sentidos. Acredita-se que, para mitigar o impacto da CBS, as editoras majorem a sugestão de preço dos livros. Para as livrarias, essa possibilidade é mais difícil diante da concorrência predatória, sobretudo, com as ofertas do comércio eletrônico”, disse Fontes. De 2006 a 2019 o faturamento o setor editorial encolheu 20%.
Atualmente, a Lei nº 10.865 de 30 de abril de 2004 reduziu a zero a alíquota do PIS e da COFINS nas vendas de livros. Esse benefício deixaria de existir, pois esses dois tributos seriam unificados, criando a chamada Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com alíquota de 12%, de acordo com a proposta do governo.
Na semana passada (4), o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o governo ia dar “livros para os mais pobres”, em uma reunião da Comissão Mista do Congresso Nacional que avalia a proposta de reforma tributária. Após a declaração de Guedes, a Associação Brasileira dos Editores de Livro (Abrelivros), a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e o Sindicato Nacional dos Editores de Livro (SNEL) redigiram um manifesto que foi entregue para a comissão Mista.
No documento, intitulado “Manifesto em Defesa do Livro”, as entidades lembram que a isenção de impostos para o papel utilizado na impressão de livros, jornais e revistas foi consagrada pela Constituição Democrática de 1946, por iniciativa do autor brasileiro de maior prestígio internacional à época, Jorge Amado. “Por um lado, a isenção visava tornar o papel acessível às mais diferentes vozes no debate das questões nacionais, garantindo o suporte material para a livre manifestação de opiniões; por outro, barateava o produto, permitindo que o livro e a imprensa pudessem chegar às camadas mais amplas da população, em um país onde o analfabetismo era, infelizmente, a regra e não a exceção”, diz o manifesto.
As entidades afirmam no documento que a medida defendida por Guedes pode elevar a desigualdade no País. “As instituições ligadas ao livro estão plenamente conscientes da necessidade da reforma e simplificação tributárias no Brasil. Mas não será com a elevação do preço dos livros – inevitável diante da tributação inexistente até hoje – que se resolverá a questão. Menos livros em circulação significa mais elitismo no conhecimento e mais desigualdade de oportunidades no país das desigualdades conhecidas, mas pouco combatidas”, afirma o documento.
O escritor e editor da Companhia das Letras, Luiz Schwarcz, declarou que “na visão de mundo vigente nesse projeto, o rico pode ler, mas o pobre só lerá o que o governo lhe fornecer”. “Que visão têm esses senhores da pobreza, do papel dos bens culturais e da educação para o povo? Será que o ministro e o tributarista sabem diferenciar livros básicos de literatura escolar da capacidade de acesso ao conhecimento voluntário e geral?”, questionou Luiz Schwarcz, se referindo a Guedes e ao economista Bernard Appy, autor do estudo que embasa o projeto. “Que governo é esse e que ministérios da Educação e da Cultura temos, para que possamos delegar totalmente a seleção dos livros a esses senhores e senhoras? Que liberalismo é esse que defende o dirigismo estatal na escolha do que o pobre deve ou não deve ler?”, enfatizou Schwarcz, em uma coluna de opinião da Folha SP.
Samuel Seibel, dono da rede Livraria da Vila, afirma que desde a lei de 2004 o produto-livro teve cerca de 25% de seu preço diluído. “O preço do livro subiu muito menos que a inflação nesses últimos 15 anos. Hoje, as livrarias não têm margens para sacrificar e absorver esse novo imposto”. “O mercado não está pedindo um privilégio. Talvez esteja entendido dessa forma. Mas não é. É por uma necessidade de sobrevivência”.
O jornalista e crítico literário, Rodrigo Casarin, critica também o projeto afirmando que “Bolsonaro e seus pares sempre preferiram a bala ao conhecimento”. “Paulo Guedes, especialista em sacar dados sabe-se lá de onde, e diz que livro é coisa de rico. Na cabeça dele, provavelmente, pobre não dá bola para cultura – afinal, quem liga para qualquer coisa que não esteja numa planilha, não é mesmo? Na visão tacanha em vigor, precisamos de mão de obra barata e consumidores, não de gente enchendo o saco com pensamento crítico”, disse o colunista da Uol.